CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

terça-feira, setembro 29, 2020

CLUBE FILATÉLICO DO AMAZONAS: 50 ANOS

 Recém havia organizado seus associados, o Clube dos Filatelistas do Amazonas (CFA), presidido por Nelson Porto, instigou o saudoso padre Nonato Pinheiro a explicar como melhor definir os amantes do colecionismo de selos postais. Em sua coluna, em O Jornal, de 4 de outubro de 1970, portanto, há cinquenta anos!, o respeitado filólogo publicou esta preleção.

Em tempo: esta Associação segue funcionado, ainda que aos altos e baixos e tendo que enfrentar o avanço tecnológico


Meu amigo Dr. Nelson Porto, espirito cintilante e inteligência aprimorada na leitura e na dedicação afervorada às ciências, às letras e às artes, entre as quais a divina harmonia dos sons, chamou-me a atenção para um tópico da última Coluna Filatélica, da responsabilidade do Clube Filatélico do Amazonas (Jornal do Comércio, edição de 27 de setembro, p. 3): “Com o advento do selo postal em 1840 e sua adoção por todas as nações do mundo, surgiu a filatelia. Aliás este termo FILATELIA foi objeto de grandes controvérsias no Brasil durante um bom período. O filatelista de São m Paulo, Sr. Guatemozim -- autor de um dos mais espec1alizados catálogos de solos brasileiros — pugnava pela adoção do termo FILOTELIA e defendida ardentemente o uso do prefixo FILO em lugar de FILA. E se o nosso ilustre filólogo padre Nonato Pinheiro nos honrar com sua leitura, bem que poderia esclarecer o correto: FILATELIA ou FILOTELIA?”

Não me limitarei ao simples assunto da consulta do Clube Filatélico do Amazonas, mas desejo dedicar todo este meu trabalho dominical à filatelia e ao filatelismo, que é o gosto pela filatelia, ou a paixão pelo estudo e coleção de selos postais.

Salvo engano, foi o francês M. Herpin quem criou o vocábulo PHILATELIE, aportuguesado em FILATELIA, grafia moderna, porque na velha escrita portuguesa era PHILATELIA. O autor da palavra, recorreu ao prefixo grego FILOS (amor, amigo), e à palavra ATELÉIA: que quer dizer "franquia", o contrário de “imposto”. Em grego, o verbo TELEIN significa "taxar". Entrou na palavra, ATELEIA o elemento negativo “a” (alfa), portanto, o contrário de TELEIN ou de TELOS (taxa, imposto).

Os selos foram introduzidos precisamente para a franquia da correspondência. Examinando-se, pois, o vocábulo como uma composição de PHILOS (amigo)+A (negativa)+TELEIN (taxar), vemos que o mesmo deve ser grafado FILATELIA, porque, para evitar a malsonância FILOATELIA, o elemento philos se resolve em fil, o que se dá com outros vocábulos, como Filantropia (philos + anthropos), amor da humanidade, humanitarismo. Sei que há dicionaristas que dão o étimo: PHILOS+TELOS. Nesse caso, Guatermozim estaria com a razão, advogando a grafia FILOTELIA. Sucede, porém, que nesse caso a palavra seria exatamente o contrário daquilo que significa. Em vez de AMOR DA FRANQUIA, seria AMOR DO IMPOSTO ou DA TAXA.

Com a explicação acima enunciada, defendo a grafia FILATELIA, pois no segundo elemento há a partícula "a" (alfa), que é um elemento de ligação.

A filatelia é a ciência ou o estudo dos selos ou estampilhas, e ainda a mania de os colecionar, paixão ou hábito da coleção de selos, constituindo para muitos o que os ingleses denominam hobby.

Os primeiros selos postais surgiram na Inglaterra, em 1840, com a estampa da rainha Vitória. Com a emissão dos selos nasceu a filatelia. Já li que foi o inglês dr. Gray, do Museu Britânico, o primeiro filatelista. Começou a colecionar em 1841. Também por essa época o francês Vetzel iniciou sua coleção. O filatelista belga Moens surgiu com sua coleção em 1848. A primeira revista circular em 1863, na Inglaterra, sendo também inglêsa a mais antiga sociedade filatélica, fundada em Londres, em 1869: Philatelic Society of London. Houve soberanos e presidentes que, em suas horas feriadas, se dedicavam ao filatelismo: o rei Jorge V, da Inglaterra; o rei Faud, do Egito; o presidente Franklin Delano Roosevelt, dos Estados Unidos, e o presidente Porfirio Díaz, do México, que se dava ao luxo de pedir autógrafos nos selos emitidos pelos chefes das nações.

Em Manaus, um dos mais fervorosos filatelistas foi o finado cônsul de Portugal, meu amigo Moisés Figueiredo da Cruz, que possuía uma coleção primorosa e preciosa. Quando fui chanceler da Cúria, no episcopado de Dom João da Mata Andrade e Amaral e de Dom Alberto Gaudêncio Ramos, dei-lhe inúmeros selos do Vaticano e de muitos países colhidos na farta e opulenta correspondência do arcebispado. Seus álbuns eram suntuosos, com vinhetas e iluminuras, sentia-se a paixão do filatelista lusitano até no modo de folheá-los e exibi-los, e até no júbilo das pupilas, que cintilavam numa fisionomia iluminada por um sorriso de quem tem consciência de possuir preciosidades. Dava a impressão de exibir gemas, pérolas, margaridas...

Novo brasão da
entidade

Sei que o Brasil foi o pioneiro da América no uso oficial dos selos, em 1843. Os “olhos-de-boi” começaram a circular a 1º de agosto de 1843; e não a 1º de julho, como se pensou durante muito tempo. Essa data já foi suficientemente dilucidada por A. G. Santos, em dois suculentos trabalhos filatélicos, inscritos na revista Brasil Filatélico; confirmando assim o que já havia afirmado José Kloke, em 1932. (Remeto o leitor ao nº 159 do referido órgão, Jan-Jun de 1969). 

Temos em nosso país o Clube Filatélico do Brasil, cujo órgão acima citei, e numerosos outros clubes e sociedades filatélicas, sem esquecermos o Clube Filatélico do Amazonas, que mantém a Coluna Filatélica, na qual figurou a consulta que me disse respeito. O Clube Filatélico do Brasil, que funciona no Rio de Janeiro (avenida Graça Aranha, 228, 4º andar, Edifício Dom Pedro II), ministra todos os anos um curso para os iniciantes em filatelia, com ensinamentos completos acerca do assunto.(...)

Em São Paulo, merece também respeito a Associação Filatélica de França, cujo presidente é o dr. José Infante Vieira, devendo ainda esclarecer que, além da Sociedade Filatélica Paulista, funciona o Clube Filatélico de São Paulo, cujo presidente é o dr. Ricardo Alberto Sanchez, cuja família já é famosa no colecionismo de selos. A instituição brasileira mais importante, em matéria de filatelia, é a Sociedade Filatélica Paulista, cuja biblioteca possui o maior número de obras, no país, sobre a ciência dos selos e a arte de os colecionar. (...)

A filatelia é uma ciência utilíssima, e os filatelistas nesse hobby honesto e fascinante aprendem história, geografia, folclore, heráldica, flora, fauna, simbologia, fatos e figuras eminentes dos países. A ciência filatélica tem suas atrações e seus empolgamentos. Há selos que foram emitidos com erros ou falhas. Longe de serem desprezados, constituem raridades preciosas para os colecionadores. No Japão, afamados artistas desenham os selos postais, tornando-se algumas verdadeiras preciosidades artísticas, miniaturas de aprimorado acabamento.

Um sintoma quase infalível do principiante em filatelia é pretender colecionar tudo, em assunto de selos postais. Isso hoje em dia, com a copiosíssima emissão de selos em todo o mundo, levaria qualquer homem à loucura. Não daria conta, nem se especializaria em nada. O filatelista esclarecido adota a especialização: selos de uma nação, de homens ilustres, ou que comemorem algum ramo dos conhecimentos e das atividades humanas, ou das manifestações do espírito humano nas ciências, nas artes, nas letras, nas crenças etc. Então surgem os ramos filatélicos, por exemplo: a filatelia religiosa, que abrange as figuras eminentes das religiões e suas atividades e empreendimentos em favor da humanidade. (...)

O Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas mantém 20 comissões, para o estudo de suas ciências principais (Geografia, História, Arqueologia, Sociologia, Antropologia Cultural e Linguística) e das demais ciências afins e correlatas. A 20ª comissão é de Heráldica, Filatelia, Ex-libris e Vinhetas (art. 35 do Estatuto). Dessarte pode um filatelista candidatar-se a uma das cadeiras da Casa de Bernardo Ramos. Terá apenas a paciência de esperar o falecimento de algum sócio, uma vez que as cadeiras já foram todas preenchidas (60), dando-se agora as vagas por falecimento dos sócios, como ocorre na Academia Amazonense de Letras.

A filatelia tem muita afinidade com a heráldica, as vinhetas e os ex-libris. A heráldica é a ciência dos brasões, que compõem o armorial dos príncipes, dos fidalgos, dos papas, cardeais e bispos, que detém a nobiliarquia espiritual. No clero, os beneditinos tornaram-se famosos na arte e ciência dos brasões. Quando um sacerdote é distinguido pela Santa Sé com as honras do episcopado, tem direito a escolher um brasão. Sobre a heráldica eclesiástica brasileira Luís D. Gardel publicou uma suculenta obra: Les Armoiries Ecclesiatiques Au Bresil (1551-1962), trabalho sacado à luz pública em 1963. Dom Francisco de Paula e Silva, ilustrado bispo do Maranhão, deu à estampa o Armorial da Igreja Maranhense, trabalho de muita pesquisa, sabendo-se que o Maranhão constitui uma das dioceses mais antigas do Brasil, hoje sede metropolitana (São Luís).

Bispos houve que faziam seus brasões ao capricho de suas fantasias, verdadeiras aberrações em heráldica. Quando Dom João da Mata veio para Manaus, conservou seu brasão episcopal da diocese de Cajazeiras, no qual figuravam duas cajazeiras, simbolizando seu primeiro bispado. Transferindo-se para Niterói quis acrescentar ao brasão uma seringueira e uma castanheira, relembrando sua segunda diocese do Amazonas. Desaconselhei-o, declarando-lhe que o brasão ficaria excessivamente opulento, ferindo a sobriedade que deve revestir os escudos. Seguiu meu conselho, e procurou no Rio de Janeiro um beneditino de grandes tintas e altas letras, que lhe arrancou as duas cajazeiras do brasão, e deu-lhe um brasão novo, rigorosamente heráldico, no qual figuram emblemas de suas famílias.

Agradeço ao Clube Filatélico do Amazonas a honra da consulta. Deve ser mesmo FILATELIA, porque o segundo elemento não é "teleia" nem "telos", mas "ateleia". Então o prefixo passa a ser FIL, como em filantropia, filarmonia etc.
 

sexta-feira, setembro 25, 2020

QUARTEL DE PETROPÓLIS: 50 ANOS

A pandemia do covid19 embaraçou muitas celebrações. No dia da criação da província do Amazonas, a Polícia Militar do Estado não se lembrou da inauguração do seu principal aquartelamento situado no bairro de Petrópolis, acontecido há 50 anos. Ainda que somente estivesse concluído o pavilhão principal, destinado a abrigar o comando superior da corporação, como em nossos dias acontece, o fato é que o governador Danilo Areosa o realizou solenemente.
Muro frontal do quartel,
em Petrópolis (2019)

Areosa efetuou com dupla solenidade. A primeira, ocorreu no quartel do CIM (Centro de Instrução Militar), localizado na rua Dr. Machado, sobre o barranco do igarapé do Mestre Chico, onde atualmente o CPM (Comando de Policiamento Metropolitano) preserva o que restou do velho quartel do “Piquete” de cavalaria, o portão de ferro construído no final do século 19.  No espaço esportivo ali existente, local de tantas “peladas”, o governado do Estado realizou a entrega das medalhas Tiradentes e Cidade de Manaus.

Detalhe: no CIM, a instrução policial foi inicialmente realizada em barracão de madeira, que fora improvisado, a fim de treinar o primeiro grupo de soldados, antes deste enfrentar os problemas da rua. Em 1972, o Piquete foi demolido e dele foi guardado o portão da entrada, ainda agora exposto no pátio do novo aquartelamento.

Uma descrição jornalística relata a segunda parte da solenidade, que diz respeito à inauguração do pavilhão (ainda inominado) principal do quartel em Petrópolis. A planta da edificação prenunciava mais quatro pavilhões, no entanto, somente mais dois foram concluídos. Com esse fato, parte do vasto terreno adjudicado para a edificação foi ocupado por terceiros. Ainda assim, o quartel sempre foi grande demais para sua ocupação.

Terminada a aposição das condecorações, os presentes se dirigiram às novas instalações da PM, no bairro de Petrópolis.  O governador inaugurou o pavilhão lá existente e prometeu que entregaria em dezembro os outros quatro pavilhões que formarão o Quartel General da Polícia Militar do Amazonas. O pavilhão tem linhas discretas, modernas, e foi feito para alojar 150 homens. (Jornal do Commercio, 6 set. 1970)

Pretendi, esforcei-me com afinco para que a corporação afixasse sequer uma placa – dessas de alumínio modesto – no pavilhão, com o fito de assinalar a sua fundação. Não obtive vitória. Desse modo, vou afixar a minha, ainda que virtual.

Em 5 de setembro de 1970, ocorreu a inauguração deste pavilhão, 

que compõe o complexo policial de Petrópolis, obra do Arquiteto

SEVERIANO MÁRIO PORTO

nascido nas Minas Gerais, mas que adotou a capital amazonense,


onde produziu suas mais premiadas obras, daí seu reconhecimento


 internacional.

 

Com o respeito deste rabiscador

Roberto Mendonça


Solenidade no CIM, coronel Maury apõe medalha no prefeito Paulo Nery;
ao fundo, a extinta castanheira; (à dir.) a inauguração do novo quartel
(Jornal do Commercio, 6 set. 1970)


terça-feira, setembro 22, 2020

ANOTAÇÕES ESPARSAS

Roberto Mendonça

Ao revisar o arquivo da Polícia Militar do Estado, nesses dias, em busca de dados sobre os oficiais da corporação, encontrei o registro abaixo, que me diz respeito. Assinado pelo coronel Guedes Brandão, ao final de sua administração em 1994, e escrito pelo coronel Fonseca Neto, apregoou sem salamaleques o assunto que atento há décadas, desde aquele período. A aprendizagem com afinco e a divulgação coerente da história do Amazonas, com especial dedicação ao setor militar estadual.

Digesto (Manaus: Imprensa Oficial, 1993) trata-se da minha primeira ousadia no âmbito da publicação. Ao intrometer-me até na idealização da capa, o resultado que passa é de muita indigência, daí ter sido alcunhado de “indigesto”. Ainda assim, agrada-me saber que tem sido referenciado em vários trabalhos acadêmicos de colegas policiais.

Meus agradecimentos aos coronéis Brandão e Osório, retribuindo-lhes os votos de fortunas.

Elogio: como assessor do Comandante-geral e Ajudante-geral da corporação deu provas convincentes de sua inteligência e visão administrativa. Tem contribuído de forma destacada para a história e a cultura de nossa corporação. Recentemente, elaborou cautelosamente um trabalho de catalogação de toda legislação histórica, um trabalho que por certo fundamenta a nossa história institucional: o Digesto.

Além disso tem sido um expoente cultural de nossa história. A este companheiro o nosso reconhecimento e votos de felicidades.

* * *

Quando do falecimento de Anísio Mello (abril de 2010), o poeta Max Carpenthier, expressando a perda da cultura, anotou a declaração aqui compartilhada. Todavia, devo consignar que na ocasião encontrei no quarto de despejo de Anísio Mello, não o artigo, mas um livro sobre o avô do Max. Tomei a iniciativa de reorganizar o trabalho, solicitando da Secretaria de Cultura a publicação. Minha solicitação foi bem sucedida, no que resultou o Hemetério Cabrinha: poeta (Manaus: Governo do Estado/Secretaria de Cultura, 2014).

Original de Max Carphentier

Anísio, artista de muitas Musas, da escultura à pintura, da poesia à prosa. Amigo de meu avô Hemetério Cabrinha, escreveu sobre ele um belo artigo, pelo qual sou grato. O Clube da Madrugada teve em Anísio sua inspiração constante, multifacetada. Elevemos nossas preces a Deus neste momento de angústia para a cultura amazonense.

Max Carphentier

domingo, setembro 20, 2020

FOLHINHA DE SETEMBRO

Notas recolhidas da folhinha de setembro: muito antes, este instrumento cronológico indicava nomes de recém nascidos. Hoje, vou me lembrar desses bem nascidos.
Alencar e Silva

21 de setembro

1916 – Nasce em Waupés, hoje São Gabriel da Cachoeira (AM), Arthur Gabriel Gonçalves, filho de Graciliano Lopes Gonçalves e de Olívia Palheta Gonçalves, e casado c/ Maria da Penha Araújo Gonçalves. Graduado pela Faculdade de Direito do Amazonas, na turma de 1942. Foi desembargador do Tribunal de Justiça do Amazonas, empossado em 20 de abril de 1956, e presidente do TJA em 1960 e 1971.

1916 – Nasce em Manaus (AM), o desembargador Oyama César Ituassú da Silva.

1917 – Reorganizada a Força Policial, atual Polícia Militar do Amazonas, por disposição da Lei 916, subscrita pelo governador Jonathas Pedrosa, com um efetivo de 530 homens.

1930 (há 90 anos) – Nasce em Fonte Boa (AM), o escritor Joaquim Alencar e Silva. Fundador do Clube da Madrugada, tendo dirigido por dez anos a página literária do clube. Foi diretor presidente do Diário Oficial do Amazonas, onde criou o Suplemento Literário. É membro da Academia Amazonense de Letras e de sua obra poética poderiam ser destacados: Painéis (Manaus, 1952), Lunamarga (Manaus. 1965), Território noturno (Rio, 1982). Sob Vésper (Manaus. 1986), Sob Sol de Deus (Manaus. 1992), Ouro, incenso mirra (Manaus, 1994) e Solo de outono (Manaus, 2000).  Ainda póstumo: Quadros da Moderna Poesia Amazonense (Manaus, 2011). Faleceu no Rio, em setembro de 2011. 

Um bandolim passeia pela tarde 

Um bandolim passeia pela tarde

de carnaval. No olhar de Colombina,

ao longe, alheia-se um Pierrô. É tarde

para escutar-lhe a música divina.

Tudo ficou naquela antiga tarde.

O som da voz e a música em surdina

se esvaindo. Uma vela que em vão arde

e bruxuleia e, trêmula, se fina.

A mascarada rompe de repente

cindindo a tarde com seus sons quebrados.

E ao ar se eleva com seu ritmo quente

o som pagão dos corpos orquestrados.

E eis que o verão arrasta, em vivas cores,

Anas, Teresas, Conceições, Dolores.

22 setembro

2001 – Abertura da exposição de fotografias George Huebner – um fotógrafo em Manaus, no Centro Cultural Palácio Rio Negro, patrocinada pela Secretaria de Cultura, com apoio de entidades culturais e particulares. A mostra foi montada pelo Museu de Etnologia de Genebra, na Suíça, e durou até 28.10. Estive presente, representando o IGHA, que foi um dos colaboradores. 

 

quinta-feira, setembro 17, 2020

MAIS UMA CARTA RECEBIDA

Quando dei início as pesquisas sobre a participação da Polícia Militar amazonense em Canudos, visitei a Casa de Rui Barbosa, na capital do Rio. acolá, encontrei um conterrâneo - Geraldo Menezes, que muito me ajudou. Como lhe falasse sobre os comandantes da Força Estadual, ele me lembrou do capitão EB Marcio de Menezes, seu primo, na direção desta corporação (1949-50).

Para ampliar uma biografia do Marcio, Geraldo me prometeu recolher junto à família Menezes os dados disponíveis.  Não conseguiu. Então, sem qualquer obrigação, enviou-me a carta aqui compartilhada para explicar o desacerto.


Rio de Janeiro, 18 de março de 1994

Ilustre amigo

Coronel Roberto Mendonça

Conforme havíamos combinado – após seu amável telefonema, logo que aqui chegou, em fevereiro último –, tentei um contato com o amigo, em primeiro de março, mas já não o encontrei no Hotel, segundo informação da gerência.

Todavia, com a maior lealdade, quero lhe informar que o pedido que formulei à minha prima Maria Leonor (filha do coronel Márcio), objetivando atender ao interesse do nobre conterrâneo, em relação à coleta de subsídios para a biografia do meu primo, por incrível que pareça, não surtiu o efeito que eu evidentemente esperava.

Foi para mim uma decepção total, partindo sobretudo de quem deveria envidar todos os esforços para ver satisfeito o proposito gentil de um historiador consciente de seu ofício.

Fiquei, em face disso, profundamente envergonhado, manifestando de viva voz à viúva do Marcio o ato deselegante da falha, oportunidade em que declarei a decisão de escrever ao ilustre amigo, pedindo-lhe desculpas por essa desatenção impecável.

Quero adiantar que mandarei cópia da presente carta à prima faltosa e indelicada, que não honra o sobrenome de saudoso parente.

Renovando, pois, as minhas desculpas pelo negligente ato que me deixou constrangido, (partindo de quem não tinha o direito de praticá-lo), deixo aqui, e no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, os meus préstimos, para outros pleitos que, eventualmente, dependam de minha pessoal consideração.

Com muito apreço, receba as saudações cordiais do conterrâneo e admirador


terça-feira, setembro 15, 2020

GREVE NA PMAM: EDITORIAL

Talvez tenha sido a única ocasião em que o comando da Polícia Militar do Estado determinou a transcrição de editorial jornalístico. Aconteceu em início de 1988, quando o coronel PM Pedro Lustosa, diante de rumores de greve de seu pessoal, fez reproduzir a opinião do Jornal do Commercio (7 jan. 1988), em boletim corporativo

Para a história da corporação, vai abaixo transcrito.



.Com alguma insistência vem sendo noticiada na imprensa de que estaria em processo de gestação uma greve no sistema policial do Amazonas, ora atingindo praças da Polícia Militar do Estado, insatisfeitas com o último reajustamento salarial, ora policiais civis como protesto contra mudanças que seriam executadas na Seseg, visando melhor operaconalidade do aparelho policial. Se o povo brasileiro já não estivesse farto de tantas greves, umas reivindicatórias, outras meramente políticas; atingindo os mais diversos setores da vida nacional, até o Poder Judiciário, o noticiário de greve no sistema policiai amazonense poderia francamente ser posto de lado. Mas o fato de que estaria em curso uma greve na Polícia Militar do Estado merece uma apreciação pelo absurdo, pelo mais alto grau de insubordinação, que constituiria um movimento grevista de policiais militares fardados e armados.

A Polícia Militar do Estado é uma corporação de muitas e gloriosas tradições de brio, coragem e honradez. Alcançou, atualmente, um elevado grau de profissionalização em matéria de segurança pública e aparelhamento material. E em sua história há lances de bravura, de heroísmo e desprendimento, nunca houve o fastígio dos dias atuais. Nem em tempo algum, seus integrantes, cumprindo os deveres a qualquer custo, auferiram os vencimentos e vantagens que hoje desfrutam, pagos rigorosamente em dia. Em várias oportunidades, ao longo de sua história, a Polícia Militar do Amazonas partilhou das dificuldades do funcionalismo estadual com vencimentos atrasados, sem que deixasse de cumprir o seu dever, sem exemplos de rebeldia.

Não seria agora, quando tem no comando um dos mais ilustres oficiais, o coronel Pedro Lustosa, formado no "calor das  próprias aspirações da nova Polícia Militar, que alguns de seus elementos iriam rebelar-se contra o Poder Constituído do Estado, num triste exemplo de indisciplina e total desconhecimento do dever que tem todo policial militar. Uma corporação armada que se rege por regulamentos militares desconhece o instituto da greve, um recurso eminentemente civil de trabalhadores assalariados. Os que portam armas para defesa dos cidadãos e da ordem, das instituições ameaçadas, e que têm um compromisso de cumprir o dever mesmo com sacrifício da própria vida, podem chegar às quarteladas, à revolta militar, crimes que estão previstos no Código Penal Militar. O policial-militar, nos últimos 15, conquistou até foro especial nos crimes resultantes da missão policial.

Diante da posição destacada que ocupa a Polícia Militar na segurança pública do Estado, pela noção de dever e zelo com que vem sendo comandada pelo coronel Pedro Lustosa, podemos tranquilizar a sociedade amazonense como destituídos de fundamentos os boatos de qualquer manifestação grevista por parte de nossos policiais-militares.

Numa Corporação de mais de 5.000 homens é normal que haja algum descontentamento, até por questões disciplinares, uma vez que o homem é a medida de todas as coisas, como disse um filósofo grego. Mas não ao ponto de gerar discórdias, desobediências, omissões, no cumprimento do dever policial militar, com a subversão dos princípios hierárquicos que sustentam a Corporação.

Seria o cúmulo do absurdo para a sociedade que paga a remuneração da Polícia Militar para ter proteção e segurança verificar a corporação de braços cruzados, fugindo ao seu dever.

sábado, setembro 12, 2020

MANAUS E SEU PRIMEIRO SUPERMERCADO

A inauguração deste serviço ocorreu em 26 de julho de 1963, ocupando parte do térreo do edifício situado na esquina da avenida Sete de Setembro com a rua Marechal Deodoro. Para identificar o local, hoje nele se encontra a loja de eletrodomésticos Novo Mundo. 
A descrição da solenidade, com o capitão Pedro Américo, ajudante de ordens, representando o governador Plínio Coelho, me lembrou outra inauguração de outro primeiro supermercado. Este fato aconteceu no município do Careiro Castanho, 20 anos depois, e nesta oportunidade fui eu, subchefe da Casa Militar, quem representou o governador Mestrinho
Sumesa (Super Mercado SA) foi a denominação de nosso primeiro supermercado, e a expectativa dos donos era sua expansão pela cidade. No entanto, ignoro quando encerrou suas atividades, mas tenho certeza que nao passou da primeira loja. 

Recorte de O Jornal, 27 julho 1963

Em expressiva cerimonia inaugurou-se ontem, às 18 horas, na forma do anunciado, o primeiro supermercado da SUMESA em nossa capital.

O ato contou com a presença do capitão Pedro Américo (representante do governador Plinio Coelho), prefeito Josué Claudio de Souza, dom João de Souza Lima, srs. Jacob Benoliel, presidente da Associação Comercial, Danilo Areosa, presidente da Federação do Comércio, deputado Anfremon Monteiro, presidente da Assembleia Legislativa, vereador José Araripe, além de personalidades outras do comércio, da indústria, figuras da sociedade e grande massa popular.

Coube ao capitão Pedro Américo cortar a fita simbólica e fazer funcionar, juntamente com o prefeito da cidade, as borboletas que permitem o acesso ao salão de vendas.

Oferecendo o supermercado para o povo de Manaus falou o dr. Gebes de Mello Medeiros, cujo discurso abaixo transcrevemos. Ato contínuo, dom João de Souza Lima deu a benção ao novo entreposto de comércio, desejando perenes felicidades aos promotores da iniciativa, destacando-se o senhor Diógenes Santos.

Em seguida, foram servidos frios e gelados as autoridades, convidados, acionistas e populares. 

Está assim consubstanciado o discurso do dr. Gebes de Mello Medeiros: 

Um grupo de homens de negócios que tem a sua existência voltada para o progresso da terra, manifestou o ideal de  solucionar um dos problemas mais sérios que nos aflige: abastecimento para nossa população com rotação extremamente rápida dos seus estoques e diminuição dos preços, apesar das dificuldades que todos nós conhecemos motivados pela escassez permanente de transportes. Mesmo assim, pensaram maduramente no plano salvador e através de uma Sociedade Anônima, com a sigla de SUMESA (Super Mercado SA), ideia nascida nos Estados Unidos da América do Norte em 1930, e que hoje se propaga por quase todos os países do mundo, numa manifestação de domínio pela baixa de preços, marcando ainda aos seus clientes produtos de pronta saída com volume sempre maior e por preços inferiores ao geralmente estabelecidos.

O Amazonas, que há oito anos deixou o marasmo da improdutividade, através de jovens governantes Plinio Coelho e Gilberto Mestrinho, impôs mais confiança aos nossos homens do comércio, a ponto de vermos hoje nossa cidade com uma rede casas bancárias e co perspectiva de mais cinco, ampliando assim crédito fácil e rotativo para aqueles que desejam trabalhar pela grandeza da Amazônia legal que deveria ter como sede o nosso Estado. (...)

Hoje o Amazonas inaugura o seu Supermercado, integrando-se a essa rede de alto serviço coletivo e as nossas donas de casas com esse método de comprar terão prazer de escolher os nossos artigos sem a impertinência dos caixeiros ou balconistas, economizando tempo, dinheiro, e comprando muito e gastando pouco. (...)

Eis o vosso Supermercado. Que a população nos dê a preferência e dentro em breve instalaremos outros conjuntos em diversos bairros, fazendo com que Manaus se integre em definitivo à rota do progresso e esquecendo os métodos antigos de comércio, modernizando-se aos outros mais adiantados.

sexta-feira, setembro 11, 2020

CLUBE FILATÉLICO DO AMAZONAS

 Anteontem, 9 de setembro, os remanescentes desta associação cinquentenária retomaram a marcha, tentando aprumar seu rumo: decidiram escolher uma nova diretoria. Não que o atual presidente Jorge Bargas seja ineficaz, ele apenas alcançou o limite de sua disposição. E devemos agradecê-lo pela afabilidade dispensada e a dedicação com que agiu junto à direção dos Correios local. Afinal, Bargas vem dirigindo o CFA desde 2014.

O pessoal do Clube, que necessita de um local mais adequado 

Agora, é possível que eu passe a dirigir este Clube, apesar de filatelista diletante, com uma coleção temática sobre o Natal devidamente arquivada. Porém, vou me escorar no Adriel França, que começa no colecionismo e sua caminhada na vida com a disposição de um jovem bem formado e, mais que isto, com o apetite de um felino.

Estou ciente dos agudos entraves: i) a pouca atração que hoje os selos e seus derivados exercem sobre a comunidade; ii) a promessa do governo em privatizar o Correio; iii) a inexistência de divulgação das atividades deste colecionismo; iv) o custo das peças filatélicas; v) a inexistência de um local adequado para as reuniões e outras atividades. Mas, vamos em frente!

quinta-feira, setembro 10, 2020

ENCONTRO DE DOIS POETAS

Luiz Bacellar
Ontem, o dia foi consagrado à lembrança do poeta Luiz Bacellar (1928-2012) por dois motivos: seu desaparecimento, há oito anos, e o lançamento do livro em sua homenagem escrito por Elson Farias. Farias também é poeta, porém, que ele me desculpe, quero relembrar ao saudoso poeta Djalma Passos (1923-90). 

Buscava subsídios para um trabalho literário, quando encontrei a apreciação de Luiz Bacellar sobre a poesia de Djalma Passos, inserido no livro deste - Tempo e Distância, publicado em 1955. Foram jovens da mesma geração, enquanto Bacellar estudou em São Paulo, Passos veio do Acre para se notabilizar em Manaus. Vamos ao texto de Luiz Bacellar.

é o terceiro livro de Djalma Passos. O segundo – As Vozes Amargas – publicado pela Casa do Estudante do Brasil em 1952, inaugurou a poesia social no Amazonas. Nele, o poeta nos transmite sua mensagem através dos ritmos largos e ondulantes de uma poesia cheia de inquietude pelos destinos do homem.

Ao seguir, As Vozes Amargas não teve da crítica a atenção que merecia, em face da desconceituação da poesia moderna, então chama "futurista" pelos maiorais da crítica e das letras provincianas, mas, embora tratado com tão clamorosa injustiça, firmou-se no conceito da nova geração. (Um grupo de novos, no qual se destacavam elementos ligados a círculos literários de outros estados, como Sebastião Norões, de poesia marcadamente social, surgia então para reivindicar o direito de renovar os cânones da poesia no Amazonas).

Embora sem contatos prolongados, Djalma Passos acha-se integrado a esse grupo, do qual fazem parte: Freitas Pinto, o mais velho dos novos, Jorge Tufic e Carlos Farias, poetas diferentes entre si mas coesos quanto à necessidade de renovação dos valores poéticos; e nele toma parte, destacando-se como o pioneiro da poesia social, além de ser o único desses poetas que já estreou em forma de livro.

Djalma Passos, que é também contista ainda inédito, é um dos mais brilhantes oficiais da nossa Polícia Militar, atualmente no posto de major, tendo exercido a elevada função de comandante da Guarda Civil de Manaus, durante o período de 31-01-51 a 17-11-54, quando escreveu, em defesa do guarda civil Manuel Carlos de Melo, acusado de causador da morte do cidadão conhecido nos meios boêmios pela alcunha de “Caroço”, o opúsculo Entre o Dever e o Cárcere (Manaus 1953). Foi, por certo, nesse cargo, que Djalma Passos teve a oportunidade de entrar em contato mais direto com o homem da rua, o que marca profundamente sua expressão de poeta e contista.

Poeta cheio de profunda ternura pelos desajustados sociais, Djalma Passos é uma das mais puras vozes líricas da poesia planiciária; possuidor de uma linguagem despojada e simples, galvaniza e marca, com o estigma de sua poesia, o leitor mais desinteressado; senhor de uma fluidez límpida e clara, transporta-nos aos redutos de seu espírito observador do homem da rua, através da “fonte perene” de uma expressão profundamente individual.

Pertencendo à categoria dos que têm os olhos voltados para o futuro, sob o signo da pergunta, Djalma Passos domina, com tôda a maestria, a expressão larga e a ênfase do verso withmaniano.

DJALMA PASSOS

dá-nos neste volume uma continuação à temática social de As Vozes Amargas. E, até mesmo, podemos ver no seu “Poema do Feto” um complemento do “Poema aos que hão de vir” de As Vozes Amargas.

O homem, entidade no tempo mais que no espaço, é, como se vê, a constante genérica na poesia de Djalma Passos, onde avultam ainda as subconstantes da Infância, da Noite e do Mar.

O Futuro sempre aparece como maior preocupação do poeta: “Poema aos que hão de vir” e “Poema do Feto”. Caracterizando-se como poeta de ritmos livres (quase sempre tão traiçoeiros para os que se deixam dominar pela sua aparente facilidade sem se submeterem ao rigor sutil e sem manter consciente obediência aos autênticos movimentos interiores), Djalma Passos atinge maior pureza lírica e riqueza expressional nas composições que intitula simplesmente Poema.

 Em TEMPO E DISTÂNCIA, por pura condescendência para com o presente surto de reatualização do soneto, ao que parece, o poeta realiza alguns, entre os quais se deve destacar o que tem por título "Nossas Mãos".

Sem preocupações de afetar sua autêntica modernidade, Djalma Passos exclui, muito acertadamente, o problema da unidade em sua obra, tendo antes a preocupação da transmissão de sua mensagem. E consegue plenamente seu objetivo! Vale destacar, por exemplo, entre os poemas de As Vozes Amargas, os de títulos: “Poema do Moleque Brasileiro”, “Poema do Olhar Extinto”, “Estranhas Vozes”, “Procedência”, “Anjo Noturno”, “O Homem Só” e “Despedida do Viajante Noturno”. No “O Poeta de Branco” há uma interessante correspondência de sentimento com “O Poeta Come Amendoim” de Mário de Andrade.

A função de sua poesia carrega-se do mais intenso significado nos dias cheios de angústia e expectativa que estamos passando. Poeta dos mais autênticos e expressivos, surpreende-nos de vez em quando com “pulos de gato” de poesia no mais cristalino estado de pureza: “A noite lá fora é um mistério, o vento derrubou todas as estrelas...” (Despedida do Viajante Noturno). Sua penetrante naturalidade realiza no leitor aquilo que chamaremos de “comoção lírica totalmente independente de qualquer intenção ideológica”, não se podendo, portanto, classificar a poesia de Djalma Passos de “dirigida”.

Resta-nos chamar a atenção do leitor, neste livro, para a extraordinária potência poética de Djalma Passos que é, sem favor, o fundador da poesia social, “do povo e para o povo”, no Amazonas. Que os novos que se estão agrupando agora sob a denominação de Clube da Madrugada lhe façam justiça.

Luiz Bacellar 

Adicionar legenda


segunda-feira, setembro 07, 2020

SETE DE SETEMBRO VIRTUAL

 Certamente, não mais veremos um Dia da Pátria tao sem entusiasmo, e sem desfile militar, a característica maior desta data. Aqui compartilho algumas lembranças de tantos desfiles comemorativos.

Banda de M´sucia na avenida Djalma Batista

Desfile na avenida Eduardo Ribeiro

Na rua 10 de Julho, ao lado do Teatro, anos 1950


Grupamento da Polícia Feminina, na avenida
Djalma Batista


sexta-feira, setembro 04, 2020

CARTA RECEBIDA (2)

De fato, conheci Sabbá Guimarães pela leitura de suas obras, difíceis, por sinal, e pelas informações de associados do IGHA. Soube que ele fora Juiz de Direito em nossa capital e, que abandonando a magistratura, retirou-se para Santa Catarina, onde exerce o magistério na Universidade Federal.

E mais, devo ter cruzado com ele, no IGHA, apenas numa oportunidade. Não me recordo o motivo de ter-lhe enviado o meu livro sobre o padre-poeta L. Ruas, guardei, no entanto, a carta recebida com as considerações, a qual compartilho ora com o universo.  


Florianópolis, 09 de outubro de 2012

 

Prezado confrade, saúde e felicidade.

É curioso que sendo ambos da mesma entidade, o IGHA, jamais nós tenhamos cruzado e estou ali há mais de quarenta anos! Obrigado pelo livro que organizou dos poemas do padre Ruas, que já li. Foi um gesto generoso o seu, pouco encontradiço em a nossa região. Aliás, este é um fato sociológico sobre o qual eu conversara com André Araújo e Mendonça de Souza, ali mesmo, na Academia, em uma de nossas belas sessões de sábado. Temos a tendência muito forte à mesquinharia e à inveja. Atribuo isto ao nosso isolamento, ao poder assombroso da floresta, à extrema mestiçagem racial e cultural que nos moldou. Repito-lhe: não há generosidade entre nós e o seu gesto merece cumprimentos, como faço agora. Diga-se de passagem, digno de ser imitado por outros. Gesto de discípulo, de amigo e de admirador o seu.

Leve adiante os propósitos de reunir o que Nonato Pinheiro deixou. Conheci-o na Academia e algumas vezes conversamos sobre Literatura Francesa, que ele amava.

Lamentei não haver conhecido Luiz Ruas. Como antes lhe disse, eu via o padre como muito à esquerda e isto separava-nos. Os meus conhecidos do então SNI - todos hoje falecidos, e só eu ainda aqui, forte como um touro selvagem -, diziam-no uma figura subversiva, malquista dos órgãos militares, por ele ser da mesma linha do padre Boff, um sacerdote que não escondia o seu perigoso trotskismo.

Eu visitara, a serviço, vários países da Cortina de Ferro e tivera a oportunidade de sentir a violência da censura, da perversidade das polícias secretas, do poder etático por ali, e era levado, por isto mesmo, a sentir horror por todos os "vermelhos", entre os quais nós, então, incluíamos o pobre Luiz Ruas. Veja, meu confrade, a força da ideologia de Estado, o poder que ela possui! Jamais pensaria que iríamos cair em um regime semelhante ao cubano e, de mais a mais, capitaneado por analfabetos, como o ex-presidente e seus seguidores. O ancien régime era composto de gente culta, refinada, honesta, bem intencionada, e que via no Brasil e sua grandeza, o alfa e o ômega do seu desiderato político.

Em seu nome, com a sua amável permissão, oferecerei um dos dois volumes à Biblioteca Central da Universidade. É pena que não viesse, também, autografado, como o que teve a bondade de dedicar-me.

Pedi à minha editora que lhe enviasse ou o tratado sobre Tradução (tenho que confessar que se trata de obra bastante difícil sobre a Filosofia da Tradução), ou o estudo sobre Ezra Pound, Rebeldia e Genialidade. Espero que receba muito em breve um dos dois livros. 

Talvez vá, com a sra. Sabbá Guimarães, a Manaus, em dezembro. Apreciaria conhecê-lo nessa ocasião, se tiver oportunidade. Tenho três bons amigos aí: Gaitano Antonaccio, Armando de Menezes e Amir Diniz. Não sei se os conhece. São gente muito dinâmica e sempre envolvida com livros. Mais adiante, se lhe não for inconveniente, avise-me se estará em Manaus a partir de 20 de dezembro.

Êxito nas investigações e incentivo-o a levar adiante os seus bons e nobres projetos.