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terça-feira, setembro 29, 2020

CLUBE FILATÉLICO DO AMAZONAS: 50 ANOS

 Recém havia organizado seus associados, o Clube dos Filatelistas do Amazonas (CFA), presidido por Nelson Porto, instigou o saudoso padre Nonato Pinheiro a explicar como melhor definir os amantes do colecionismo de selos postais. Em sua coluna, em O Jornal, de 4 de outubro de 1970, portanto, há cinquenta anos!, o respeitado filólogo publicou esta preleção.

Em tempo: esta Associação segue funcionado, ainda que aos altos e baixos e tendo que enfrentar o avanço tecnológico


Meu amigo Dr. Nelson Porto, espirito cintilante e inteligência aprimorada na leitura e na dedicação afervorada às ciências, às letras e às artes, entre as quais a divina harmonia dos sons, chamou-me a atenção para um tópico da última Coluna Filatélica, da responsabilidade do Clube Filatélico do Amazonas (Jornal do Comércio, edição de 27 de setembro, p. 3): “Com o advento do selo postal em 1840 e sua adoção por todas as nações do mundo, surgiu a filatelia. Aliás este termo FILATELIA foi objeto de grandes controvérsias no Brasil durante um bom período. O filatelista de São m Paulo, Sr. Guatemozim -- autor de um dos mais espec1alizados catálogos de solos brasileiros — pugnava pela adoção do termo FILOTELIA e defendida ardentemente o uso do prefixo FILO em lugar de FILA. E se o nosso ilustre filólogo padre Nonato Pinheiro nos honrar com sua leitura, bem que poderia esclarecer o correto: FILATELIA ou FILOTELIA?”

Não me limitarei ao simples assunto da consulta do Clube Filatélico do Amazonas, mas desejo dedicar todo este meu trabalho dominical à filatelia e ao filatelismo, que é o gosto pela filatelia, ou a paixão pelo estudo e coleção de selos postais.

Salvo engano, foi o francês M. Herpin quem criou o vocábulo PHILATELIE, aportuguesado em FILATELIA, grafia moderna, porque na velha escrita portuguesa era PHILATELIA. O autor da palavra, recorreu ao prefixo grego FILOS (amor, amigo), e à palavra ATELÉIA: que quer dizer "franquia", o contrário de “imposto”. Em grego, o verbo TELEIN significa "taxar". Entrou na palavra, ATELEIA o elemento negativo “a” (alfa), portanto, o contrário de TELEIN ou de TELOS (taxa, imposto).

Os selos foram introduzidos precisamente para a franquia da correspondência. Examinando-se, pois, o vocábulo como uma composição de PHILOS (amigo)+A (negativa)+TELEIN (taxar), vemos que o mesmo deve ser grafado FILATELIA, porque, para evitar a malsonância FILOATELIA, o elemento philos se resolve em fil, o que se dá com outros vocábulos, como Filantropia (philos + anthropos), amor da humanidade, humanitarismo. Sei que há dicionaristas que dão o étimo: PHILOS+TELOS. Nesse caso, Guatermozim estaria com a razão, advogando a grafia FILOTELIA. Sucede, porém, que nesse caso a palavra seria exatamente o contrário daquilo que significa. Em vez de AMOR DA FRANQUIA, seria AMOR DO IMPOSTO ou DA TAXA.

Com a explicação acima enunciada, defendo a grafia FILATELIA, pois no segundo elemento há a partícula "a" (alfa), que é um elemento de ligação.

A filatelia é a ciência ou o estudo dos selos ou estampilhas, e ainda a mania de os colecionar, paixão ou hábito da coleção de selos, constituindo para muitos o que os ingleses denominam hobby.

Os primeiros selos postais surgiram na Inglaterra, em 1840, com a estampa da rainha Vitória. Com a emissão dos selos nasceu a filatelia. Já li que foi o inglês dr. Gray, do Museu Britânico, o primeiro filatelista. Começou a colecionar em 1841. Também por essa época o francês Vetzel iniciou sua coleção. O filatelista belga Moens surgiu com sua coleção em 1848. A primeira revista circular em 1863, na Inglaterra, sendo também inglêsa a mais antiga sociedade filatélica, fundada em Londres, em 1869: Philatelic Society of London. Houve soberanos e presidentes que, em suas horas feriadas, se dedicavam ao filatelismo: o rei Jorge V, da Inglaterra; o rei Faud, do Egito; o presidente Franklin Delano Roosevelt, dos Estados Unidos, e o presidente Porfirio Díaz, do México, que se dava ao luxo de pedir autógrafos nos selos emitidos pelos chefes das nações.

Em Manaus, um dos mais fervorosos filatelistas foi o finado cônsul de Portugal, meu amigo Moisés Figueiredo da Cruz, que possuía uma coleção primorosa e preciosa. Quando fui chanceler da Cúria, no episcopado de Dom João da Mata Andrade e Amaral e de Dom Alberto Gaudêncio Ramos, dei-lhe inúmeros selos do Vaticano e de muitos países colhidos na farta e opulenta correspondência do arcebispado. Seus álbuns eram suntuosos, com vinhetas e iluminuras, sentia-se a paixão do filatelista lusitano até no modo de folheá-los e exibi-los, e até no júbilo das pupilas, que cintilavam numa fisionomia iluminada por um sorriso de quem tem consciência de possuir preciosidades. Dava a impressão de exibir gemas, pérolas, margaridas...

Novo brasão da
entidade

Sei que o Brasil foi o pioneiro da América no uso oficial dos selos, em 1843. Os “olhos-de-boi” começaram a circular a 1º de agosto de 1843; e não a 1º de julho, como se pensou durante muito tempo. Essa data já foi suficientemente dilucidada por A. G. Santos, em dois suculentos trabalhos filatélicos, inscritos na revista Brasil Filatélico; confirmando assim o que já havia afirmado José Kloke, em 1932. (Remeto o leitor ao nº 159 do referido órgão, Jan-Jun de 1969). 

Temos em nosso país o Clube Filatélico do Brasil, cujo órgão acima citei, e numerosos outros clubes e sociedades filatélicas, sem esquecermos o Clube Filatélico do Amazonas, que mantém a Coluna Filatélica, na qual figurou a consulta que me disse respeito. O Clube Filatélico do Brasil, que funciona no Rio de Janeiro (avenida Graça Aranha, 228, 4º andar, Edifício Dom Pedro II), ministra todos os anos um curso para os iniciantes em filatelia, com ensinamentos completos acerca do assunto.(...)

Em São Paulo, merece também respeito a Associação Filatélica de França, cujo presidente é o dr. José Infante Vieira, devendo ainda esclarecer que, além da Sociedade Filatélica Paulista, funciona o Clube Filatélico de São Paulo, cujo presidente é o dr. Ricardo Alberto Sanchez, cuja família já é famosa no colecionismo de selos. A instituição brasileira mais importante, em matéria de filatelia, é a Sociedade Filatélica Paulista, cuja biblioteca possui o maior número de obras, no país, sobre a ciência dos selos e a arte de os colecionar. (...)

A filatelia é uma ciência utilíssima, e os filatelistas nesse hobby honesto e fascinante aprendem história, geografia, folclore, heráldica, flora, fauna, simbologia, fatos e figuras eminentes dos países. A ciência filatélica tem suas atrações e seus empolgamentos. Há selos que foram emitidos com erros ou falhas. Longe de serem desprezados, constituem raridades preciosas para os colecionadores. No Japão, afamados artistas desenham os selos postais, tornando-se algumas verdadeiras preciosidades artísticas, miniaturas de aprimorado acabamento.

Um sintoma quase infalível do principiante em filatelia é pretender colecionar tudo, em assunto de selos postais. Isso hoje em dia, com a copiosíssima emissão de selos em todo o mundo, levaria qualquer homem à loucura. Não daria conta, nem se especializaria em nada. O filatelista esclarecido adota a especialização: selos de uma nação, de homens ilustres, ou que comemorem algum ramo dos conhecimentos e das atividades humanas, ou das manifestações do espírito humano nas ciências, nas artes, nas letras, nas crenças etc. Então surgem os ramos filatélicos, por exemplo: a filatelia religiosa, que abrange as figuras eminentes das religiões e suas atividades e empreendimentos em favor da humanidade. (...)

O Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas mantém 20 comissões, para o estudo de suas ciências principais (Geografia, História, Arqueologia, Sociologia, Antropologia Cultural e Linguística) e das demais ciências afins e correlatas. A 20ª comissão é de Heráldica, Filatelia, Ex-libris e Vinhetas (art. 35 do Estatuto). Dessarte pode um filatelista candidatar-se a uma das cadeiras da Casa de Bernardo Ramos. Terá apenas a paciência de esperar o falecimento de algum sócio, uma vez que as cadeiras já foram todas preenchidas (60), dando-se agora as vagas por falecimento dos sócios, como ocorre na Academia Amazonense de Letras.

A filatelia tem muita afinidade com a heráldica, as vinhetas e os ex-libris. A heráldica é a ciência dos brasões, que compõem o armorial dos príncipes, dos fidalgos, dos papas, cardeais e bispos, que detém a nobiliarquia espiritual. No clero, os beneditinos tornaram-se famosos na arte e ciência dos brasões. Quando um sacerdote é distinguido pela Santa Sé com as honras do episcopado, tem direito a escolher um brasão. Sobre a heráldica eclesiástica brasileira Luís D. Gardel publicou uma suculenta obra: Les Armoiries Ecclesiatiques Au Bresil (1551-1962), trabalho sacado à luz pública em 1963. Dom Francisco de Paula e Silva, ilustrado bispo do Maranhão, deu à estampa o Armorial da Igreja Maranhense, trabalho de muita pesquisa, sabendo-se que o Maranhão constitui uma das dioceses mais antigas do Brasil, hoje sede metropolitana (São Luís).

Bispos houve que faziam seus brasões ao capricho de suas fantasias, verdadeiras aberrações em heráldica. Quando Dom João da Mata veio para Manaus, conservou seu brasão episcopal da diocese de Cajazeiras, no qual figuravam duas cajazeiras, simbolizando seu primeiro bispado. Transferindo-se para Niterói quis acrescentar ao brasão uma seringueira e uma castanheira, relembrando sua segunda diocese do Amazonas. Desaconselhei-o, declarando-lhe que o brasão ficaria excessivamente opulento, ferindo a sobriedade que deve revestir os escudos. Seguiu meu conselho, e procurou no Rio de Janeiro um beneditino de grandes tintas e altas letras, que lhe arrancou as duas cajazeiras do brasão, e deu-lhe um brasão novo, rigorosamente heráldico, no qual figuram emblemas de suas famílias.

Agradeço ao Clube Filatélico do Amazonas a honra da consulta. Deve ser mesmo FILATELIA, porque o segundo elemento não é "teleia" nem "telos", mas "ateleia". Então o prefixo passa a ser FIL, como em filantropia, filarmonia etc.
 

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