Recém havia organizado seus associados, o Clube dos Filatelistas do Amazonas (CFA), presidido por Nelson Porto, instigou o saudoso padre Nonato Pinheiro a explicar como melhor definir os amantes do colecionismo de selos postais. Em sua coluna, em O Jornal, de 4 de outubro de 1970, portanto, há cinquenta anos!, o respeitado filólogo publicou esta preleção.
Em tempo: esta Associação segue funcionado, ainda que aos altos e baixos e tendo que enfrentar o avanço tecnológico
Meu amigo Dr.
Nelson Porto, espirito cintilante e inteligência aprimorada na leitura e na
dedicação afervorada às ciências, às letras e às artes, entre as quais a divina
harmonia dos sons, chamou-me a atenção para um tópico da última Coluna
Filatélica, da responsabilidade do Clube Filatélico do Amazonas (Jornal
do Comércio, edição de 27 de setembro, p. 3): “Com o advento do selo postal
em 1840 e sua adoção por todas as nações do mundo, surgiu a filatelia. Aliás
este termo FILATELIA foi objeto de grandes controvérsias no Brasil durante um
bom período. O filatelista de São m Paulo, Sr. Guatemozim -- autor de um dos
mais espec1alizados catálogos de solos brasileiros — pugnava pela adoção do
termo FILOTELIA e defendida ardentemente o uso do prefixo FILO em lugar de FILA.
E se o nosso ilustre filólogo padre Nonato Pinheiro nos honrar com sua leitura,
bem que poderia esclarecer o correto: FILATELIA ou FILOTELIA?”
Não me
limitarei ao simples assunto da consulta do Clube Filatélico do Amazonas, mas
desejo dedicar todo este meu trabalho dominical à filatelia e ao filatelismo,
que é o gosto pela filatelia, ou a paixão pelo estudo e coleção de selos
postais.
Salvo engano,
foi o francês M. Herpin quem criou o vocábulo PHILATELIE, aportuguesado em FILATELIA,
grafia moderna, porque na velha escrita portuguesa era PHILATELIA. O autor da
palavra, recorreu ao prefixo grego FILOS (amor, amigo), e à palavra ATELÉIA:
que quer dizer "franquia", o contrário de “imposto”. Em grego, o
verbo TELEIN significa "taxar". Entrou na palavra, ATELEIA o elemento
negativo “a” (alfa), portanto, o contrário de TELEIN ou de TELOS (taxa, imposto).
Os selos
foram introduzidos precisamente para a franquia da correspondência. Examinando-se,
pois, o vocábulo como uma composição de PHILOS (amigo)+A (negativa)+TELEIN
(taxar), vemos que o mesmo deve ser grafado FILATELIA, porque, para evitar a malsonância
FILOATELIA, o elemento philos se resolve em fil, o que se dá com
outros vocábulos, como Filantropia (philos + anthropos), amor da humanidade,
humanitarismo. Sei que há dicionaristas que dão o étimo: PHILOS+TELOS. Nesse
caso, Guatermozim estaria com a razão, advogando a grafia FILOTELIA. Sucede,
porém, que nesse caso a palavra seria exatamente o contrário daquilo que significa.
Em vez de AMOR DA FRANQUIA, seria AMOR DO IMPOSTO ou DA TAXA.
Com a
explicação acima enunciada, defendo a grafia FILATELIA, pois no segundo
elemento há a partícula "a" (alfa), que é um elemento de ligação.
A filatelia
é a ciência ou o estudo dos selos ou estampilhas, e ainda a mania de os
colecionar, paixão ou hábito da coleção de selos, constituindo para muitos o
que os ingleses denominam hobby.
Os primeiros
selos postais surgiram na Inglaterra, em 1840, com a estampa da rainha Vitória.
Com a emissão dos selos nasceu a filatelia. Já li que foi o inglês dr. Gray, do
Museu Britânico, o primeiro filatelista. Começou a colecionar em 1841. Também por
essa época o francês Vetzel iniciou sua coleção. O filatelista belga Moens
surgiu com sua coleção em 1848. A primeira revista circular em 1863, na
Inglaterra, sendo também inglêsa a mais antiga sociedade filatélica, fundada em
Londres, em 1869: Philatelic Society of London. Houve soberanos e presidentes
que, em suas horas feriadas, se dedicavam ao filatelismo: o rei Jorge V, da
Inglaterra; o rei Faud, do Egito; o presidente Franklin Delano Roosevelt, dos
Estados Unidos, e o presidente Porfirio Díaz, do México, que se dava ao luxo de
pedir autógrafos nos selos emitidos pelos chefes das nações.
Em Manaus,
um dos mais fervorosos filatelistas foi o finado cônsul de Portugal, meu amigo
Moisés Figueiredo da Cruz, que possuía uma coleção primorosa e preciosa. Quando
fui chanceler da Cúria, no episcopado de Dom João da Mata Andrade e Amaral e de
Dom Alberto Gaudêncio Ramos, dei-lhe inúmeros selos do Vaticano e de muitos
países colhidos na farta e opulenta correspondência do arcebispado. Seus álbuns
eram suntuosos, com vinhetas e iluminuras, sentia-se a paixão do filatelista
lusitano até no modo de folheá-los e exibi-los, e até no júbilo das pupilas,
que cintilavam numa fisionomia iluminada por um sorriso de quem tem consciência
de possuir preciosidades. Dava a impressão de exibir gemas, pérolas,
margaridas...Novo brasão da
entidade
Sei que o
Brasil foi o pioneiro da América no uso oficial dos selos, em 1843. Os “olhos-de-boi”
começaram a circular a 1º de agosto de 1843; e não a 1º de julho, como se
pensou durante muito tempo. Essa data já foi suficientemente dilucidada por A.
G. Santos, em dois suculentos trabalhos filatélicos, inscritos na revista Brasil
Filatélico; confirmando assim o que já havia afirmado José Kloke, em 1932.
(Remeto o leitor ao nº 159 do referido órgão, Jan-Jun de 1969).
Temos em
nosso país o Clube Filatélico do Brasil, cujo órgão acima citei, e numerosos
outros clubes e sociedades filatélicas, sem esquecermos o Clube Filatélico do
Amazonas, que mantém a Coluna Filatélica, na qual figurou a consulta que
me disse respeito. O Clube Filatélico do Brasil, que funciona no Rio de Janeiro
(avenida Graça Aranha, 228, 4º andar, Edifício Dom Pedro II), ministra todos os
anos um curso para os iniciantes em filatelia, com ensinamentos completos acerca
do assunto.
Em São
Paulo, merece também respeito a Associação Filatélica de França, cujo
presidente é o dr. José Infante Vieira, devendo ainda esclarecer que, além da
Sociedade Filatélica Paulista, funciona o Clube Filatélico de São Paulo, cujo
presidente é o dr. Ricardo Alberto Sanchez, cuja família já é famosa no
colecionismo de selos. A instituição brasileira mais importante, em matéria de
filatelia, é a Sociedade Filatélica Paulista, cuja biblioteca possui o maior
número de obras, no país, sobre a ciência dos selos e a arte de os colecionar.
(...)
A filatelia
é uma ciência utilíssima, e os filatelistas nesse hobby honesto e
fascinante aprendem história, geografia, folclore, heráldica, flora, fauna,
simbologia, fatos e figuras eminentes dos países. A ciência filatélica tem suas
atrações e seus empolgamentos. Há selos que foram emitidos com erros ou falhas.
Longe de serem desprezados, constituem raridades preciosas para os
colecionadores. No Japão, afamados artistas desenham os selos postais,
tornando-se algumas verdadeiras preciosidades artísticas, miniaturas de
aprimorado acabamento.
Um sintoma
quase infalível do principiante em filatelia é pretender colecionar tudo, em
assunto de selos postais. Isso hoje em dia, com a copiosíssima emissão de selos
em todo o mundo, levaria qualquer homem à loucura. Não daria conta, nem se
especializaria em nada. O filatelista esclarecido adota a especialização: selos
de uma nação, de homens ilustres, ou que comemorem algum ramo dos conhecimentos
e das atividades humanas, ou das manifestações do espírito humano nas ciências,
nas artes, nas letras, nas crenças etc. Então surgem os ramos filatélicos, por
exemplo: a filatelia religiosa, que abrange as figuras eminentes das religiões e
suas atividades e empreendimentos em favor da humanidade. (...)
O Instituto
Geográfico e Histórico do Amazonas mantém 20 comissões, para o estudo de suas
ciências principais (Geografia, História, Arqueologia, Sociologia, Antropologia
Cultural e Linguística) e das demais ciências afins e correlatas. A 20ª
comissão é de Heráldica, Filatelia, Ex-libris e Vinhetas (art. 35 do Estatuto).
Dessarte pode um filatelista candidatar-se a uma das cadeiras da Casa de
Bernardo Ramos. Terá apenas a paciência de esperar o falecimento de algum
sócio, uma vez que as cadeiras já foram todas preenchidas (60), dando-se agora
as vagas por falecimento dos sócios, como ocorre na Academia Amazonense de
Letras.
A filatelia
tem muita afinidade com a heráldica, as vinhetas e os ex-libris. A heráldica é
a ciência dos brasões, que compõem o armorial dos príncipes, dos fidalgos, dos
papas, cardeais e bispos, que detém a nobiliarquia espiritual. No clero,
os beneditinos tornaram-se famosos na arte e ciência dos brasões. Quando um
sacerdote é distinguido pela Santa Sé com as honras do episcopado, tem direito
a escolher um brasão. Sobre a heráldica eclesiástica brasileira Luís D. Gardel
publicou uma suculenta obra: Les Armoiries Ecclesiatiques Au Bresil
(1551-1962), trabalho sacado à luz pública em 1963. Dom Francisco de Paula e
Silva, ilustrado bispo do Maranhão, deu à estampa o Armorial da Igreja
Maranhense, trabalho de muita pesquisa, sabendo-se que o Maranhão constitui
uma das dioceses mais antigas do Brasil, hoje sede metropolitana (São Luís).
Bispos houve
que faziam seus brasões ao capricho de suas fantasias, verdadeiras aberrações
em heráldica. Quando Dom João da Mata veio para Manaus, conservou seu brasão
episcopal da diocese de Cajazeiras, no qual figuravam duas cajazeiras,
simbolizando seu primeiro bispado. Transferindo-se para Niterói quis
acrescentar ao brasão uma seringueira e uma castanheira, relembrando sua
segunda diocese do Amazonas. Desaconselhei-o, declarando-lhe que o brasão
ficaria excessivamente opulento, ferindo a sobriedade que deve revestir os
escudos. Seguiu meu conselho, e procurou no Rio de Janeiro um beneditino de grandes
tintas e altas letras, que lhe arrancou as duas cajazeiras do brasão, e deu-lhe
um brasão novo, rigorosamente heráldico, no qual figuram emblemas de suas
famílias.
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