CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

sábado, setembro 30, 2017

POESIA DE JORNAL (I)

Sebastião Norões
Até recente, era corriqueira a publicação de poemas de variados matizes e de qualquer pretenso poeta local, nos periódicos. As revistas foram as primeiras a abandonar tal prática, porém, os jornais prosseguiram. Era habitual que, em datas consagradas à celebração, como Dia das Mães, jornais abrissem alguma página para acolher essa produção. Por óbvio, a maioria desse material se tornava “inédito”, e recolhido aos arquivos.

Catando papeis para postagem, recolhi uma “tonelada” dessas contribuições. Encontra-se material de bom número de notórios poetas (como a postagem abaixo evidencia), todavia, a maioria foi produzida por um caudal de autores desconhecidos.


Com este título, a cada semana, vou reproduzi-las com informações (quando obtiver) sobre o autor, quem sabe, possam estas estimular algum trabalho acadêmico ou doméstico.

Na postagem de hoje retirada da revista Redempção (outubro 1933), temos dois saudosos poetas: o criador, Sebastião Norões (1915-72), autor de Poesia frequentemente; e Violeta Branca (1915-2000), a homenageada.

Gigante que dorme

              Sebastião Norões


Para você, Violeta Branca,
num grande abraço de fraternidade poética.


Lá no sul,
bem perto do marulho constante
da baía mais bonita deste mundo,
dorme,
o seu sono de há muito tempo
o portentoso “Gigante que dorme.”

E a cidade,
(que a natureza enfeitou
como se fosse a sua noiva,
para que o estrangeiro
visse com os olhos bestas do panorama,
a mansão da bela Mãe-Natura),
serviu de companheira
ao gigante da serra!

Ela vigia
com os olhos de seus filhos,
— durante o dia,
e com os olhos lucientes de suas casas
— durante a noite,
o sono bom do “Gigante que dorme”!

Quando eu vejo o “Gigante que dorme”,
meu pensamento se encaminha para ti, Brasil,
porque tu és um gigante que dorme,
sem se incomodar com o teu futuro.
Gigante pela opulência do teu solo,
pela expansão infindável de teu território,
gigante pela tua força ainda virgem!

E tu vives a dormir.
De há muito o teu sono.

Gigante que dorme !

Mas há quem te vigie o sono,
e com os olhos pregados no teu corpo,
espera o teu acordar,
a tua ressurreição!

Um dia, Brasil — Gigante que dorme,
entre explosões de contentamento e jubilo,
ainda mesmo,
no meio de troar de fuzis,
e baquiar de corpos na luta,
tu serás acordado, por aquele teu filho,
(o general que ainda se espera),
que há anos,
              quis te acordar e não pode! 

sexta-feira, setembro 29, 2017

PUBLICIDADE: ANO 1923


Anúncios sacados da revista Redempção (1923), pode-se observar que alguma empresa ou comércio ou produto perdurou por bom tempo. 








quinta-feira, setembro 28, 2017

CENTENÁRIO DE FRANCISCA LIMA MENDONÇA

Francisca Lima Mendonça
Estava com este texto pronto para publicar no dia do centenário de nascimento de minha mãe (28 de abril de 2017), quando o Google bloqueou este espaço. Depois de longa reza e muitas promessas, hoje tive a prazerosa revelação de que posso continuar a publicar esses “papéis”. 

Para melhor marcar esta efeméride, Pedro Renato escreveu o texto abaixo, cantando as virtudes de Francisca Lima Mendonça, sua Mãe. Pronto, meu irmão, cumpri a promessa.

ODE À MINHA MÃE

FRANCISCA MENDONÇA - 28/04/2017

Hoje é teu centenário de nascimento!
Não gostaria nem conseguiria esquecer jamais,
Mesmo porque, só fisicamente, ausente estais.
Porém, o olhar cândido e o teu semblante infinito
Incólume ficou, feito uma rocha ou um granito,
E quanto valor agregaste ao nosso discernimento!

Renato Mendonça


Destes teus cem longos anos de vida,
Em apenas um terço, Deus quis que ficasses entre nós.
E nesse fausto tempo, nos cedeste a luz de muitos sóis,
Com candura, ainda nos presenteaste com o dom da beleza.
Deixaste muita saudade, sim; e um vazio imenso, com certeza,
Que ainda sentimos no nosso cotidiano, no lar e na lida.



"Brava guerreira, herança do sangue nordestino, tenaz!"
Caçula de cearenses arredios da seca, no Careiro nasceu, longe da cidade,
Na porção rural do Amazonas, no fim de um ciclo de prosperidade,
Que o látex produzia. Para buscar um horizonte, deixou seu recanto.
Idealizou sua vida, sonhou a dois, desejando o amanhã sem pranto,
Sem imaginar as artimanhas da sorte e o destino fugaz.

Vicente, o pai, pôs fim a própria vida, num descontrole emocional.
Ficou órfã muito precoce, um desatino, uma fatalidade!
Antes mesmo que a menina Chicuta alcançasse a puberdade.
A dedicada mãe, Adelaide, teve que pôr as rédeas na mão,
Para não perder o controle da família. Sob sua condução
Embarcaram na lancha Xiborena, rumo a cosmopolita Manaus.

Na cidade, a jovem Francisca obteve colocação numa panificadora famosa.
A Rosas, seu único emprego, deu-lhe chance para trabalhar como balconista,
Ali também, já trabalhava Manuel, o futuro consorte, promissor pracista.
No mesmo lugar, sem atinarem, um projeto de Deus iria unir seus destinos.
Uma cerimônia, no fronteiro Peru, juntou suas almas, sob o badalar dos sinos.
Vida a dois, vida peregrina, em busca da felicidade venturosa.

Iniciaram por Iquitos, no vizinho país andino, suas andanças;
Voltaram a Manaus, o porto seguro, para ver a cegonha chegar:
Roberto e Henrique, foram os primeiros para a jovem senhora criar.
Sequenciando a vida nômade, rumaram para o Rio de Janeiro.
Assim, Francisca Lima, nascida no distante Careiro,
E Manuel, um intrépido peruano, experimentaram mais uma mudança.

Na então Capital Federal, ansiaram a estabilidade, um período duradouro.
Todavia, com familiares, tiveram dificuldades de relacionamento humano.
No convés do Almirante Alexandrino o amargo regresso, antes de um ano.
A pressa tinha outro motivo: a cegonha novamente chegaria.
O último filho de Francisca, muito em breve nasceria.
De volta a Manaus, Renato completou a prole, um novo tesouro.

Quando tudo parecia um regozijo e uma nova guinada,
A tuberculose, o mal da época, cruzou seu caminho.
Destino insano! nem podia acalentar seus filhos no ninho.
Dona Francisca lutou contra essa indômita doença, em vão.
Não adiantou a ajuda de médicos, nem o ar puro do seu torrão.
Sua luta acabou, aos 35 anos, mas, continua viva, venerada!

Para nosso bem, a semente do Amor é o teu legado!
Onde foi semeada, gerou uma árvore, bem fincada
Apenas a Natureza a alimenta, nem precisa ser regada.
Se, em determinados momentos, nos faltou o acalanto,
E em outros, nos sobrou algum pranto,
Esse Amor floresceu, não pode ser negado!

Para comemorar o teu centenário,
Nada melhor que deixar para a futura geração,
Esta simplória ode, como se fosse uma oração,
Dedicada com todo o amor e com afeto
Para ti, venerada mãe e teu amor dileto.

É meu presente pelo teu aniversário!

Fábrica Bijou, na Praça da Polícia, onde começou o romance 

quarta-feira, setembro 27, 2017

HISTÓRIAS DO ARCO-DA-VELHA

As três histórias aqui narradas por Ulisses Bittencourt aconteceram em Manaus. Muita fantasia já cobrem essas narrativas. Retirei a recorte do matutino A Crítica (14.setembro 1983).


Delas conheci o bisneto de Maurilio Torres, homônimo, coronel aposentado da Polícia Militar, que me assegurou parte do trauma vivido pelo antecessor. O governo provincial adquiriu de Pires Garcia o imóvel que foi por século quartel da PMAM, hoje abriga o Palacete Provincial.

Conheci a múmia da cabeça do jacaré no museu do IGHA. Sem comprovação, assombra essa história.

Pesquisei o quanto pude sobre a morte do Pensador. Dele, catei um fato no mínimo curioso: no único cartório existente na época (1º Cartório) não há a Certidão de Óbito do morto. Ou seja, foi enterrado como “indigente”.

Das brumas do passado

Quem lê os livros de Conan Doyle e Agatha Christie fica logo a imaginar se os misteriosos casos narrados, na verdade, poderiam ser concebidos em outros locais diferentes daquela atmosfera peculiarmente inglesa, de pessoas taciturnas movimentando-se num ambiente de nevoeiro, num cenário antigo, parecendo o mais propício aos crimes hediondos e às estórias sinistras engendradas pelos dois citados autores e por outros mestres do gênero.

Dentro dessa ordem de raciocínio, Manaus, com sua claridade tropical, seria a antítese de mistérios assim. Como, entretanto, toda regra tem exceções, podemos lembrar de algumas destas em ocorrências verídicas e que, por sua característica de excepcionalidade, foram alvo de investigações, de acurada análise por especialistas e de vivo interesse por parte do público em geral, no passado.

Tentemos, nos limites de uma crônica e para conhecimento das gerações mais novas, aqui relacionar três desses casos, todos acontecidos na capital amazonense, além de outros extraordinários, a serem relatados futuramente: como o bárbaro assassinato da menina Etelvina, muito venerada em Manaus; a morte trágica de Ana Ramos, no carnaval fatídico de 1915 e o atentado contra o Comendador Joaquim Gonçalves de Araújo.

1)     O assassinato do Capitão Pires Garcia

Ignoram-se as origens exatas de Custódio Pires Garcia, sabendo-se que era nordestino e que, em 1870, já se achava em Manaus, ocupando cargos de relevo. Foi juiz de Paz, vereador, possuía grande fortuna adquirida em especulações, mas sua atividade principal foi sempre a usura.

Emprestava dinheiro a juros altos e era conhecido por sua exagerada sovinice, a tal ponto que por muitos anos o seu nome equivalia à designação de pessoa avarenta. Implacável com seus escravos e com seus devedores, residia ele e tinha escritório na atual av. Sete de Setembro (então rua Brasileira), numa vasta propriedade, depois desmembrada e vendida em hasta pública, na esquina da hoje rua Marechal Deodoro, em frente ao edifício do Banco do Estado.

Os clientes eram recebidos na sala da frente, atravessada por um balcão, atrás do qual ficava Garcia e um cofre imenso, onde guardava todos os seus valores.

Em determinada noite de maio de 1885, cerca das vinte horas, alguém o procura (tudo indicando tratar-se de pessoa sua conhecida) e o mata selvagemente com uma fulminante martelada no crânio, quando o banqueiro ia abrindo o cofre para colocar ou retirar alguma coisa.

Ato contínuo, o assassino foge, levando tudo — joias, dinheiro, ações, documentos e o registro dos devedores. Sem provas concretas, foi por três vezes levado a júri um amigo de Garcia — Maurílio Torres — único suspeito (por provas circunstanciais), comerciante no Juruá, pessoa muito conhecida e estimada em Manaus, o qual acabou sendo inocentado pelo Juiz de Direito, Dr. José Francisco de Araújo Lima. Há um livro do juiz Hosanah de Oliveira, tratando do caso.

Com o passar dos anos, soube-se que a acusação foi injusta, porém o mistério continuou. Falou-se muito, então, no nome do engenheiro russo Alexandre Haag, poliglota que percorreu todo o interior do Amazonas, tendo estado em Porto Velho e Rio Branco, sobre o qual escreveu um livro. Retirou-se de Manaus logo após o crime, viajando para a Europa.

2) A morte do Pensador

Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900), chamado por seus contemporâneos de "Pensador” — porque dirigira o jornal maranhense do mesmo nome —, foi uma das pessoas de maior expressão no nosso Estado, que chegou a governar em três ocasiões, duas em caráter provisório e a terceira, como candidato eleito para o quatriênio 1892/1896.

Aproveitou as rendas fabulosas do preço alto da borracha, com o orçamento sempre acusando superávit, e executou, em Manaus, as melhores e mais belas obras existentes. A passagem do século já o encontrou combalido das faculdades mentais, tanto que tinha estado com especialistas na Itália, porém, mesmo assim, gozava de enorme prestígio político e social.

A 14 de outubro de 1900, para imensa tristeza da cidade, o "Pensador" é encontrado morto, em sua aprazível chácara, situada diante do atual Hospício. O corpo de Eduardo Ribeiro estava sentado no chão, com uma corda fina de mosquiteiro atada no pescoço.
Houve, na época, laudos técnicos como causa mortis, mas o assunto, dado a importância da vítima, foi e vem continuando a ser objeto de especulações, considerando-se a dificuldade que haveria para suicídio na posição e nas demais condições em que o corpo se achava.

Prossegue a dúvida, sem solução satisfatória.

3) O monstro do igarapé

Na década de 1910, o igarapé dos Educandos era muito frequentado pelas lavadeiras, que ali se reuniam em conversas compridas, enquanto esfregavam, batiam e enxaguavam as roupas. Entre elas, era conhecida uma ainda bem moça, apelidada de Neca.

Um dia, contara ela a uma conhecida certo caso um tanto difícil de acreditar e, ante a expressão de dúvida que a ouvinte lhe fizera, acrescentou: "Que uma fera me mate se estou mentindo!". No mesmo instante um enorme jacaré surgiu veloz a seus pés e puxou a infeliz moça para a água; arrastou-a, diante da amiga e de numerosas outras pessoas, trucidando-a em minutos.

Atraídos pelos gritos dos que assistiam à cena, correram vários homens com espingardas, terçados e paus, conseguindo finalmente abater a fera. O caso chocou e comoveu toda a população de Manaus. Foi um dos maiores jacarés encontrados na região e sua cabeça faz parte do museu do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, onde permanece em exposição.



terça-feira, setembro 26, 2017

REBELIÃO DE RIBEIRO JUNIOR (2ª parte)

Capa do livro da 2ª edição, 2006
A Rebelião liderada por Ribeiro Junior, em 24 de julho de 1924, marcou em especial Manaus. Durante décadas foi festejada por aqueles que vivenciaram os dias de entusiasmo e de ardor cívico. 
Nos últimos anos, ninguém mais fala do episódio, não mais se ouve o foguetório que festejava a data.

Próximo do centenário, ainda se encontram duas ruas com a denominação de Ribeiro Junior, uma, no bairro de São Francisco (69063-150), e outra, em Flores (69028-290). Além dessas homenagens, temos o Conjunto residencial situado na Cidade Nova.

Por óbvio, restam as lembranças da família Ribeiro Junior. As últimas ocorreram em 1998, quando sua filha Eneida Ribeiro publicou o livro Ribeiro Junior: redentor do Amazonas; posteriormente, em 2006, foi a vez da neta Beatriz Ribeiro, com a 2ª edição da obra (foto), ambos com o suporte do Governo do Amazonas.

Participei da primeira festa com o texto paralelo, que narra a refrega perdida pela PMAM. No post anterior, encontra-se a primeira parte.

A Força Policial e a Rebelião de 1924

O ataque

No início da noite de 23 de julho, o capitão José Carlos Dubois, comandante do 27° BC, aquartelado na Praça General Osório (hoje Colégio Militar de Manaus), apetrechou o trem de guerra e marchou sobre o Palácio Rio Negro. Para tanto, desceu a avenida Eduardo Ribeiro, tomou à esquerda na rua Henrique Martins e assim alcançou a avenida Treze de Maio (em nossos dias, Getúlio Vargas), estacionando atrás do Colégio Estadual. Havia, porém, uma pedra no caminho a suplantar, a Força Policial instalada logo adiante no quartel da conhecida Praça da Polícia.

Houve então o ataque. Acerca desta ofensiva translado a Parte Especial do oficial de dia, extraída do Boletim Regimental n° 173 (25/VII/924):

Ontem, cerca de 19 horas, foi este quartel, inopinadamente atacado por forças do vinte e sete Batalhão de Caçadores, havendo forte tiroteio que durou mais ou menos trinta minutos; quando depois de se encontrarem feridos o coronel comandante Pedro José de Souza e o primeiro tenente Manoel Correa da Silva, combinamos parlamentar com os adversários, o fazendo por considerar imprudência uma resistência com forças bastante superior, pois, apenas contávamos com dezesseis homens contra duas companhias; resultando esta Corporação entregar-se em virtude dos motivos acima, pelo que aderimos, coagidos, ao movimento revolucionário, como nos ditou as circunstâncias do momento.
Quartel em Manaus, vinte e quatro de julho de mil novecentos e vinte e quatro. (a) Augusto Vaz Sodré da Costa, Capitão Oficial de Dia.  

Algumas digressões em torno deste prefalado documento. A Força Policial possuía o efetivo previsto de 344 policiais. Como existia o claro de 115 praças, "por não comportarem as finanças estaduais a integração do efetivo", segundo registra a Mensagem governamental, e subtraindo-se os destacados no interior do Estado, cerca de 160 policiais guarneciam a capital. Desse resultado, menos de duas dezenas deles encontravam-se no Quartel na hora do assalto.

Quartel e Praça da Polícia, ainda o Colégio Estadual, em foto de 1950 

Quanto era ridículo esse quantitativo, confrontado com o efetivo do Regimento estadual ao final do século XIX. Para conhecer a história amazonense, foi essa força do Regimento que assegurou ao governador Eduardo Ribeiro (1892-96) se contrapor à Guarnição federal, assegurando-lhe a manutenção do cargo injustamente exigido.

Em julho de 1924, com o Amazonas demonstrando sinais de decadência, o pessoal da Força Policial apresentava-se, além de depauperado, desestimulado por uma razão simples: o soldo aviltado e sem recebê-lo desde fevereiro! A lealdade ao comandante em momento tão crucial estava comprometida, quanto mais ao governador, que cuidava da saúde própria na Europa.

Outro pormenor: duas companhias de fuzileiros do 27° BC correspondiam a cerca de 180 homens, apoiadas por fração de material bélico de porte. A prudência aconselhava não se contrapor, como assentiu o oficial de dia.

Enfim, a presença no quartel do comandante da Força no horário do assalto, reforça-me a convicção de que os policiais conheciam da sublevação. Posto que, "desde o início de julho, corriam em Manaus boatos sobre um levante militar". Apenas a impunidade dos membros do Governo não permitia crer naquilo que a população (e os próprios policiais) propalava à boca pequena.  

O coronel Pedro de Souza não conseguiu, sim, arregimentar maior número de praças, seria porque, também essas, ansiavam por mudança no Poder Executivo?

Guarda cívica

Submetida a Força Policial, foi esta metamorfoseada em Guarda Cívica, sob o comando do capitão Arthur Martins da Silva, alçado ao posto de "coronel". Os Boletins dessa organização, relíquia do arquivo da Polícia Militar, registram a abnegação dos guardas em socorrer as mesmas Forças Federais, por ocasião do ataque ao Forte de Óbidos, no mês seguinte. Com este objetivo, foram repassados ao 27º BC 50 fuzis e 45 mil cartuchos, além de colocar à disposição 39 praças do capital e as destacadas em Itacoatiara, sob o comando do tenente Francisco Pio de Souza.

A consequência do engajamento à rebeldia foi funesta, pois foram presos juntamente com os insurretos pelas forças do Destacamento do Norte e, posteriormente, processados na Auditoria de Belém.

O Amazonas todo, é verdade, beneficiou-se desse trauma constitucional, ainda que à sublevação seguiu-se a intervenção federal. A Força Policial foi reabilitada, voltando a ser comandada por oficiais do Exército requisitados pelo interventor Alfredo Sá, alguns no próprio 27º BC. Esses ajudaram a refundir na Polícia Militar do Estado as vigas mestras do progresso castrense – disciplina e hierarquia.


Concluo, reescrevendo parte do discurso do orador oficial saudando na Câmara Municipal, em 1962, a revolução cognominada de Redentora. O vereador Evandro Carreira com sua capacidade orava “para que os campeadores de 23 de julho de 1924, redivivos, reacendam a chama sagrada do heroísmo nas gerações e advirtam com a anátema indefectível da História os que, por ventura, tentem fazer dos bens comuns do povo propriedade particular.” 

segunda-feira, setembro 25, 2017

REBELIÃO DE RIBEIRO JUNIOR

Ao tempo em que Eneida Ribeiro Ramos lançou em Manaus um livro (foto) sobre seu genitor – Ribeiro Junior – narrando a trajetória dele na história amazonense, escrevi um texto sobre a Rebelião de 1924. Movimento militar que, na esteira do tenentismo, desalojou o governador amazonense, que foi substituído pelo tenente Alfredo Augusto Ribeiro Junior (1887-1938).

Para escrever, tomei o testemunho de quem, naquele dia nefasto, se encontrava no interior do quartel da Praça da Polícia. Nessa noite, aconteceu: a Força perdeu sua força!

Minha apologia foi publicada na edição de 24 de julho de 1998, do Amazonas em Tempo, contígua à matéria sobre o lançamento da obra, que aconteceu no Palácio Rio Negro. A SEC ainda elaborou um folheto com este material que circulou nessa festa literária e até a conclusão do estoque.

Reproduzo neste espaço (em duas partes), admitindo ter realizado alguns oportunos reparos.      


A Força Policial e a Rebelião de 1924

O calendário das melhores reminiscências da Cidade reserva à Rebelião de 24 julho de 1924, chefiada por oficiais do lendário 27° BC, um lugar proeminente, a despeito de transcorrido, então, mais de sete decênios. Não intento relembrar o acontecimento apenas para repetir os encômios aos seus mentores. Com excelência, os pormenores do evento foram dissecados pela professora Mestra Eloina Monteiro, em seu livro de Mestrado.

Sou sabedor de que à mestra se juntaram nomes das letras de Manaus, bem como os privilegiados cidadãos que vivenciaram aquele momento de capacidade cívica, representado pela retomada do poder político. Melhor ainda, retomar o exercício da cidadania, para resumir em bordão hodierno.

Membro da Polícia Militar, tive unicamente este aprendizado: a milícia estadual, derrotada pelos insurretos, foi por um ato de bravata destes extinta e substituída pela Guarda Cívica.

Recorte do matutino Amazonas Em Tempo (24 julho 1998)

Ambiciono, no entanto, relatar a resistência imposta aos vitoriosos pelos ocupantes do quartel da Praça da Polícia, sob o comando do coronel Pedro José de Souza, nascido no Piauí, em 15 de agosto de 1866. Ainda que estivesse reformado por “asterio Scloraz” (nomenclatura de época, talvez a arteriosclerose moderna) exercia o comando da Força pela terceira vez (em todas foi destituído por movimentos insurrecionais), conduzido pela amizade com o governador César do Rego Monteiro (1921-24). Por essa singular razão, o comandante foi acusado de estar mancomunado com a oligarquia dominante.

Autoridades do governo

Somente para entronizar os demais personagens deste acontecimento. Governava o Estado interinamente o deputado Turiano Meira, na condição de presidente do Poder Legislativo. Era médico de profissão e da Força Policial, no posto de capitão. No outro extremo, os tenentes do Exército Ribeiro Júnior, Magalhães Barata e Aloísio Ferreira. Estes se consagraram: o primeiro no Amazonas; com o advento da Revolução de 1930, Barata no Pará (onde foi interventor e governador), em cuja capital recebeu de seus conterrâneos um Memorial; e Aloísio, no então Território Federal de Guaporé, hoje Estado de Rondônia.

Até os paralelepípedos da cidade sabiam que os tenentes chegaram na guarnição do Amazonas transferidos por "castigo", pelo cometimento de infrações disciplinares. Ao menos um, tenente Barata, já havia tentado semelhante proeza em outra praça militar. Portanto, a situação caótica reinante no Estado forneceu o pretexto para a tomada do Poder Executivo, reflexo da movimentação político-militar corrente no país, conhecida na historiografia pátria como tenentismo.

Juntou-se, pois, em Manaus — como a ilustrar o adágio — a fome do povo amazonense por liberdade e progresso, com a saciedade de militares em novas sortidas no campo político. (segue)