CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

terça-feira, novembro 30, 2010

PM AMAZONAS: SERVIÇO DE SAÚDE (2)

Antes de prosseguir, uma observação que parece pertinente. Ao final do século XIX, os entendimentos sobre a cura de doenças possuíam outros entendimentos. Uma das crenças era de que a transferência de doente para local mais propício, quase sempre fora de seu domicílio, traria benefícios. Nesse sentido, a cura da tuberculose, para ficar apenas nessa moléstia, recomendava levar o afetado para locais com ares mais sadios. Nesse sentido, são muitos os casos bem ou mal sucedidos na literatura médica.

Governador Silverio Nery
A crença em tal principio levou o governador do Amazonas, Silvério Nery (1900-1904), no início do século XX, a implantar na cidade de Itacoatiara (AM), distante de Manaus (AM) cerca de 300 km, um sanatório militar. Detalhe importante é que à época o hospital era alcançado, a partir de Manaus, apenas por navegação fluvial, de barco regional. A estrada que hoje liga os dois municípios foi inaugurada em 1965.
Esse hospital (já desaparecido) passou a ser dirigido por um médico da PM, doutor Lima Verde, em função da prosperidade amazonense. O período, usufruindo a riqueza da borracha, permitiu ao governo manter um corpo policial com estrutura de Regimento: dois batalhões de infantaria, além de artilharia, cavalaria e outros serviços, incluindo-se o de saúde. Sem esquecer a presença de duas bandas de música. O pessoal engajado era de mais de 600 homens, e bem menos que os 900 previstos.

Assim, o atendimento médico ao pessoal da Polícia Militar seguia a fórmula: a visita médica efetuada pelos oficiais médicos, pertencentes aos quadros da corporação. Essa visita permitia apenas o atendimento ambulatorial com indicação dos primeiros cuidados e diagnósticos. Não havia sequer enfermaria. Um nome deve ser lembrado: Dr. Nemézio Quadros, que se associou ao prefeito Adolpho Lisboa em algumas maracutaias.

As lesões mais graves ou moléstia de cura prolongada, o único recurso era baixar o policial na Santa Casa de Misericórdia, a mesma que se agora se encontra com as portas cerradas. Esta estrutura permaneceu até o final da primeira década do século passado.

Após a derrocada da borracha, o Amazonas e, consequentemente, sua Polícia encurtaram. Foram minguando, até que em 1930 o governo intervencionista de Álvaro Maia decreta a extinção da Polícia Militar estadual, alegando não possuir recursos financeiros para mantê-la. Ao retornar a atividade, em 1936, a PMAM viu-se contemplada com um modesto Serviço de Saúde, sob a direção do doutor Ramayana de Chevalier, que preferia escrever (muito bem) crônicas à receita médica.

segunda-feira, novembro 29, 2010

POLÍCIA MILITAR DO AMAZONAS (XIX)

Novembro, 29

1930 – Consolidada a revolução getulista, no Amazonas, com a posse de Álvaro Botelho Maia, na condição de Interventor Federal, a Força Policial do Estado foi extinta. O Ato (a maneira simplificada de denominar as leis e os decretos) nº 52, dessa data, fez desaparecer a Força e, junto por dependência, foi-se a Companhia de Bombeiros.

Anteriormente, em 1924, a rebelião de Ribeiro Junior destinou semelhante tratamento a Polícia Militar. Não fora tão grave, pois o desaparecimento durou poucos meses e, em verdade, apenas esta corporação trocou de nomenclatura, passando a Guarda Cívica.
O Jornal, fev. 1934
A0 de outubro, Álvaro Maia (1893-1969) assumiu a função de Interventor Federal. (...) Aproveito, sim, para rememorar o aproveitamento do bacharel Álvaro Maia, graduado pela Faculdade de Direito Livre do Rio de Janeiro, na Auditoria Militar da Força Policial, logo ao regressar a Manaus entre 1917-1920. No exercício desta função, possuía a dignidade do posto de capitão.
A despeito da distinção, a 29 de novembro, o “velho capitão” expediu o Ato 52, com meia dúzia de palavras em seu único artigo: “Fica dissolvida a Força Policial do Amazonas”. Estava imobilizada a corporação. O Ato, a inusitada denominação instituída pelo governo revolucionário para os abolidos decretos e leis, demolidor para os policiais estava subscrito por Francisco Pereira da Silva (1890-1973), na condição de Secretário Geral da administração estadual. Aqui, o infortúnio dos “sem farda” foi dilatado, tão dilatado que o regresso demorou seis anos. (Parte do livro sobre Os Bombeiros do Amazonas, em preparação)

domingo, novembro 28, 2010

PM AMAZONAS: SERVIÇO DE SAÚDE (1)

A descrição desse ofício será tão longa quanto a vida da corporação, devido a diferença de atuação dos profissionais, ao longo do tempo. Por isso, vou distribuir essa descrição por períodos, para melhor entendimento.

Em princípio, recordando um coronel colega de quartel, não havia médicos em Manaus, quando falamos da fundação da Polícia Militar, ocorrida em 1837. Para minha sorte, a polícia foi extinta no final da década de 1850. Assim, somente é possível listar os facultativos (uma das formas provincianas para designar o médico) a partir de 1876, quando se reconta a história da Polícia Militar.

Diante da exiguidade de policiais e de médicos, e até de hospitais, o serviço era realizado por médico contratado. Normalmente, era o mesmo que cuidava do pessoal militar estadual e dos presos.

Enfim, o Governo contratava aquele profissional disponível na praça de Manaus. Esclarecendo que esse não era incorporado à tropa, para ocupar um posto hierárquico, e auferir vencimento deste, mas, apenas com o salário estipulado pelo contratante. Apesar de esdrúxula, a modalidade de atendimento perdurou por décadas. Penso que se encerrou com a extinção da Polícia Militar em 1930.
Dr. Pedro de Alcantara Bacellar

O primeiro médico da Guarda Policial, nome com que foi reinaugurada a Polícia Militar em 1876, foi o Dr. Aureliano Macrino Pires Caldas, de quem pouco se sabe.             
Dois médicos, porém, mais adiante - Jonathas Pedrosa (1913-1917) e Pedro Alcantara Bacellar (1917-1921), depois de atenderem ao pessoal da Polícia Militar, foram governadores do Estado.

Em 29 de novembro de 1886, prorroguei por mais três meses a licença, em cujo gozo se acha o médico da Guarda Policial Dr. Jonathas de Freitas Pedrosa. Em 30, designei o Dr. Joaquim Mariano Bayma do Lago, para substituir aquele médico (Exposição com que o Dr. Ernesto Adolpho de Vasconcelos Chaves passou a administração do Amazonas ao 1º vice-presidente da mesma, em 10 de janeiro de 1887).
Como se vê a listagem é longa e profundamente grata a corporação da Praça da Polícia. A nossa pesquisa segue.

sábado, novembro 27, 2010

Confraria dos coronéis da reserva

Ontem, na última sexta-feira, reuniu-se a confraria dos coronéis da Polícia Militar para o almoço mais que festejado. A comilança ocorreu no Emporium Roma, e teve uma presença bem ampla.
Na primeira parte do encontro, entretanto, tratou-se da situação do colega José Moreira Nunes, o coronel Nunes. Bastante conhecido por sua atividade política e a ampla camaradagem dispensada aos camaradas.
Doente, gravemente enfermo, Nunes batalha contra um cancer e, por isso, uma ajuda financeira foi o motivo da conversa e iniciativa primeira. O clube dos oficiais vem coordenando uma campanha nesse sentido, com atuação especial de seu presidente, coronel Gilson.
Coronel Gilson expõe aos colegas a campnha em favor
do coronel Nunes
Participaram da mesa: Ruy Freire, Abelardo Pampolha, Osorio Fonseca, Pedro Câmara, Celio Silva, Franz Alcantara, Amilcar Ferreira, Ewerton Amaral, Romeu Medeiros, Cardoso Pereira, Odorico Alfaia, José Cavalcanti, Edson Matias, Helcio Motta, Silvestre Torres, Fernando Andrade, Roberto Mendonça, Eber Bessa, Fernando Valente, Gilson Moreira e José Paulo (21).
Oficiais assistem a exposição do presidente do clube
A comemoração do Natal será realizada no Hotel Comfort, no Distrito Industrial, com um jantar oferecido às digníssimas.

quinta-feira, novembro 25, 2010

BOMBEIROS DO AMAZONAS (XV)

Convite expedido para a solenidade
Amanhã, o Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM) reune seu efetivo para assistir a formatura do Curso de Habilitação a Oficiais Administrativos (Choa), ao tempo em que comemora o 12º aniversário de sua "emancipação".
A liberdade a que se refere a nota da corporação foi, apesar de pouco esclarecida, obtida da Polícia Militar do Amazonas. Não foi fácil essa conquista, a disputa no braço levou anos.

A promulgação da Constituição Federal em 1988 permitiu, entre outros, um duelo ferrenho em busca da desvinculação, emancipação como querem os bombeiros, entre os corpos de bombeiros e as polícias militares. No Amazonas, o processo foi extenso, se considerarmos que outros Corpos alcançaram essa prerrogativa muito antes.
A “Constituição-cidadã” permanece marcada, entre outras facetas, pela enorme lista de privilégios conferidos a diferentes organismos do Estado. Nesse elenco, incluiu-se o serviço de extinção de incêndios que, especialmente durante o Governo Militar, com exceção do Rio de Janeiro e Distrito Federal, foi submetido às polícias militares. O art. 144 da CF teve o condão de permitir a separação deste primordial serviço.

Séria controvérsia, no entanto, permeava a questão: a Carta Magna permitia, não orde-nava. Por isso, uma peleja surda, muitas vezes dramática, ocorreu no interior de quartéis de bombeiros, a fim de viabilizar este anseio da classe. O empenho, a arregimentação da categoria era imprescindível, mas vez outra esbarrava na deliberação do comando superior, na ausência de apoio político, na indiferença de governantes, entre outros obstáculos.
A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
(...) V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.
É preciso escrever que a novidade traria múltiplas cargas: a separação importava em novos gastos a abertura de mais uma estrutura operacional e administrativa no Estado. Tanto estimularia quanto poderia atingir interesses, anseios pessoais de dirigentes. Como conciliar todos estes entraves?
O tempo, certamente, foi o real mestre, mostrando as iniciativas bem sucedidas de outros Corpos e aplainando as dificuldades. Por fim, doutrinando os bombeiros locais sobre a maneira como outros perpetraram a separação.

Escudo do Corpo de Bombeiros Militar
do Amazonas
Desde o primeiro Corpo de Bombeiros Militar a usufruir da vigente Constituição Federal, em 1989, ao desiderato amazonense decorreu exato uma década. No Amazonas, o primeiro passo foi amplo, alterando a Constituição Estadual, com a aprovação da EC n.º 31, de 26 de novembro de 1998. A legislação seguinte veio complementar a deliberação do Poder Legislativo local, pois competia ao governo disciplinar essa passagem.
Como deve ter ocorrido pelo Brasil afora, aqui também não foi desigual, questiúnculas sobrepuseram-se ao correto desdobramento.

No entanto, o Corpo de Bombeiros avantajou-se, em especial sob o comando do coronel Marinho Alcantara. E, passado doze anos de emancipação, os bombeiros do Amazonas merecem os elogios.  

quarta-feira, novembro 24, 2010

Sexto mês

Sofia aprontando
Completa hoje o sexto mês de vida a Sofia Mendonça. Até agora tudo corre como manda o figurino, ou melhor, a orientação médica. Apesar dos bons fluídos, agradecemos a quantos nos tem ajudado a domar a ferinha.
Para saudar a data, reproduzo um haikai de Anísio Mello, também no sexto mês de seu falecimento. Vida e morte se aproximando.

Nas mãos de uma fada
e na magia da sua luz
a graça e a ternura.

terça-feira, novembro 23, 2010

Clube da Madrugada

Ontem, poucos se lembraram do nascimento do Clube da Madrugada. Tentei escrever e ilustrar a postagem mas, devido minha pouca habilidade com a informática ou sabe Deus o quê, não consegui concretizar minha lembrança. Faço agora, com o mesmo fervor de ontem.
Livro de Jorge Tufic
Assegurei que poucos lembraram, porque certamente os fundadores ainda vivos pararam u momento para recordar a madrugada daquele dia.
A narrativa que segue, para festejar os 56 anos do CM, recolhi do livro Clube da Madrugada: 30 anos, escrito pelo poeta Jorge Tufic, que presidiu o Madrugada em diversas ocasiões.
"Era bem o princípio da luta. Certa noite - o relógio da igreja de São Sebastião anunciara uma nova madrugada". Sob o "mulateiro" da Praça da Polícia, contava-se entre os fundadores, com Saul Benchimol, Francisco Ferreira Batista, Carlos Farias de Carvalho, José Pereira Trindade, Humberto Paiva, Teodoro Botinelly, Luis Bacellar, Celso Melo, Fernando Collyer, João Bosco Araújo. Entre outros, talvez, prossegue o poeta JT.
Conjecturavam sobre um nome que exprimisse a ideia de uma associação de homens de letras sem qualquer protocolo. Saul conseguiu aprovar a ideia de Clube. Mas, clube de quê? Da Madrugada. Uns dizem que a resposta veio do próprio Saul, outros, que do poeta Luiz Bacellar.
Aqui, uma ponta de mistério começa a insinuar-se na história do movimento. Diante da presença atuante da madrugada deve ter tido o poder de envolvê-los. Clube da Madrugada, pronto.
"Mulateiro" existente na Praça da Polícia, sede do Clube da Madrugada
Tufic encerra dessa maneira: "Além das palmas, o alvorecer ainda remoto azulando nas copas. Mas não foi lavrada, por supérflua, a competente ata de fundação. Sabe-se apenas que amanhecia o 22 de novembro de 1954, para todos os efeitos a data oficial do nascimento do Clube da Madrugada." 

segunda-feira, novembro 22, 2010

Memorial Amazonense XXXIX

Novembro, 22

1950 – O prefeito de Manaus, Chaves Ribeiro, concedeu a José de Brito Pina, cidadão português, uma área de terra situada na então praça Gonçalves Dias (hoje integrante da praça Heliodoro Balbi), para a construção de um estabelecimento comercial. Nele, o Pina construiu o Pavilhão São Jorge, destinado a venda de café e outras guloseimas da época, inaugurado em maio de 1951.
Pavilhão São Jorge, cerca de 1970
Em lembrança ao sobrenome do proprietário, o local ficou mais conhecido por Café do Pina. Era bem frequentado, pois çocalizado em frente ao Cine Guarany e fronteiriço ao Quartel da PMAM e ao Colégio Estadual do Amazonas.
Pavilhão São Jorge ou Café do Pina, em 1974
Quando prefeito de Manaus, Jorge Teixeira, em 1976 demoliu o Pavilhão para ampliar a artéria. Concedeu, em reparação, novo espaço ao final da praça Heliodoro Balbi (ou da Polícia), junto a rua Marcilio Dias.
Dez anos depois, novo prefeito, Manoel Ribeiro, devolveu o agora Café do Pina ao espaço original, apenas com uma arquitetura modernizada, um tanto ridícula. Foi esta edificação que foi ao chão no ano passado, antes da inauguração do Palacete Provincial.

Mas ainda não acabou o Café do Pina, ele agora integra a estrutura do Palacete.
Café do Pina sendo demolido, em 2009

domingo, novembro 21, 2010

Memorial Amazonense XXXVIII

Novembro, 21


1889 – Na tarde desse dia, passado uma semana, a cidade de Manaus tomou conhecimento da Proclamação da República. A notícia foi trazida por uma delegação paraense que viajava no vapor Manaus, da Companhia Brasileira de Navegação, depois Lóide Brasileiro.

1936 – Assume a direção da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, depois de Direito do Amazonas, o Dr. Feliciano de Souza Lima.

Lucy Mariano e Mendonça, 1994
1941 – Morreu na cidade do Rio de Janeiro, onde foi sepultado no cemitério São João Batista, o Dr. Cândido José Mariano que, na condição de oficial do Exército, comandou a tropa da Polícia Militar amazonense contra Canudos, em 1897. Nascido em Alfenas (MG) em 1870, desembarcou em Manaus em 1896. No início do ano seguinte, casou-se com Fanny Ribas, de família riograndense do sul, com quem teve dois filhos: Lucy e Floriano, em homenagem ao Marechal de Ferro, ambos em Manaus. Alcancei, em raro privilégio, entrevistar sua descendente Lucy (94 anos), no Rio de Janeiro.

1949 – Estabelecida a federalização da Faculdade de Direito do Amazonas.

Ponte JK. Jornal do Commercio. Manaus, 7 set. 1958.
Detalhes: o suíno (à esq.) e o Studbaker (ao fundo)
1957 – Realizada concorrência para a construção de nova ponte ligando o bairro de Educandos ao de Cachoeirinha. A vencedora foi a firma Otavio Bittencourt Pires. A ponte leva o nome de Juscelino Kubitschek, então presidente da República. JK esteve em Manaus para inaugurar esta ponte, além da Refinaria de Petróleo, de I.B.Sabbá, e o conjunto residencial que também leva seu nome,na Cachoeirinha.

2009 – Lançamento do livro Uma tela na parede, de Renato Augusto Farias de Carvalho, na Livraria Valer.

CRÔNICA DE L. RUAS

Ontem, na Universidade Federal do Amazonas, ocorreu a manhã lembrando o padre Luiz Ruas, saudoso professor da instituição. Para cumprir minha participação, voltei aos tantos recortes e livros vários, os editados e os inéditos. Nesse retorno ao L. Ruas, selecionei a peça abaixo incluída em seu livro Linha d´água: crônicas (Rio: Artenova, 1970). Não adianta buscar em livraria, talvez algum "sebo" possa atendê-lo.

Crônica

Luiz Ruas, na RG
Não vamos percorrer o caminho perdido pelos pássaros já mortos. Deixemos que apaguem os rastros das manhãs enobrecidas pelo perfume das mãos enlevadas pelos sonhos que fugiram das pálpebras vazias.
É muito cedo ainda. É muito cedo.
Não estamos de partida para a guerra. Esperemos que as corolas se abram com paciência e sem nos angustiarmos pelos frutos que colheremos sob a luz tranquila das tardes lilases.
Não. Não percorramos os caminhos perdidos.
Deixemos que as barcaças retornem, como pássaros flutuantes, de suas longas viagens, de suas noturnas fadigas, repleta dos dons que o mar lhes oferece. Aguardemos, de mãos vazias e simples, as pérolas e os peixes. Sentemo-nos nas praias. Vigiemos o mar. Abandonemo-nos ao vento que as espumas frias nos ofertam. Beijemos o vento com mansidão enquanto ele nos acaricia os cabelos.
É ainda muito cedo. Ainda estamos muito antes da hora fixada para a guerra.
Acompanhemos, sem fadiga, o caminho dos rios, dos córregos, das fontes. Abracemo-nos como irmãos aos troncos antigos das velhas árvores.
Há quem diga palavras de ternura com muito medo. Ouvi, certa vez, uma noiva dizer tantas palavras de ternura ao seu noivo e ele não teve medo de se comover. Ele não se julgava mais criança.
Embora tenhamos de partir muito cedo, é preciso guardar com ternura os ninhos não amadurecidos. Os pássaros virão depois do luar. Antes disso, acendamos a lareira, estendamos a toalha de linho branco sobre a mesa tosca, coloquemos os pratos de cerâmica, sirvamos o pão, o vinho, e, em silêncio, meditando nas chamas que sobem e descem e dançam como esbeltas bailarinas, comamos o peixe tenro que apanhamos nas águas tépidas do lago imóvel.
Ora, dir-se-ia que nos resta muito tempo para esperar. No entanto, muitos séculos decorreriam até que pudessemos nos sentar, de novo, à mesa e comer tanto silêncio.
Não sejamos fátuos. Mas não sejamos sôfregos, também.
A ternura tem sua medida. Mas só ela sabe a sua medida.
Sinto, agora, o ruflar das asas fenecidas. Elas se desdobram sobre o meu rosto e me fazem sonhar um sonho de tranquilas manhãs. Este é o desejo de todo o guerreiro no campo de batalha.
Quando brotarão as manhãs que eu plantei nos meus gestos apenas murmurados? Vejo as tardes, as manhãs e as noites como o agricultor examina com cuidado, os frutos pendentes das árvores plantadas por suas mãos de argila.
Eu apenas semeei o tempo. Ele me dá sonhos e fadigas.
Não percorramos apressados os caminhos perdidos pelos pássaros já mortos. Esperemos, com mansidão, que o tempo nos devolva os frutos e as flores que as manhãs, as tardes e as noites nos roubaram para sempre.
Depois, então, partamos para os campos de guerra.   

sábado, novembro 20, 2010

MANHÃ CULTURAL PADRE LUIZ RUAS

Assim mesmo, foi sob esta denominação que alunos do curso de Psicanálise da Universidade do Federal do Amazonas (Ufam) passaram a manhã deste sábado. Para abrilhantar a festa, convidaram a psicanalista e doutora em Comunicação e Cultura, autora dos livros Voz na luz e Vazio iluminado: o olhar dos olhares, Dinara Machado Guimarães que dissertou sobre o tema: "Os elos entre o cinema e a psicanálise". Se desejar mais informações, acesse http://www.apsicanaliseocinema.blogspot.com/

Estive presente, na condição de "curador" da massa literária do patrono da matinal. A comissão organizadora (Fabiane Aguiar, Paulo Victor e Fernanda Priscilla) deu-me nova oportunidade para revelar o saudoso mestre de Psicologia da Ufam, e de outros estabelecimentos de ensino, enfim, mostrar a participação daquele padre-poeta na vida de nossa Cidade, entre 1954 e 1992, quando parou gravemente atingindo por um AVC.

Dinara Guimarães (de branco), sendo entrevistada pelos ouvintes
Além da participação de L. Ruas (sua assinatura literária) no ramo das ciências humanas, teve atuação no Cinema, como mestre de tantos cineclubes que povoaram Manaus na década de 1960, e o Teatro, como diretor do Auto da Paixão, e ator no Auto da Compadecida, em nosso Teatro Amazonas.
Padre Luiz Ruas, identidade sacerdotal
No início deste ano, a Editora da Universidade (Edua) fez o lançamento de um livro por mim organizado, no qual reproduzi textos de padre Ruas publicados nos jornais de Manaus, que denominei de Cinema & Crítica Literária.
Devo também recordar a atuação dele como membro do clero amazonense, quando da instalaçao da Faculdade de Filosofia pela Igreja de Manaus, depois incorporada à Ufam. Nela, foi professor e diretor. Foi professor da Ufam até sua aposentadoria.
Estes predicados, certamente, impulsionaram aos jovens alunos de Psicanálise a dedicar a manhã de hoje ao finado professor de tantos alunos de nossa Casa de Ensino Superior.
Encerro com as palavras de um ex-aluno, o poeta Zemaria Pinto, lembrando um fato bem caracteristico do comportamento do mestre L. Ruas.


Zemaria Pinto
L. Ruas é um ícone da literatura amazonense. Figura controversa, suas aulas de Filosofia, no velho seminário transformado em Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), ao final dos anos 70, eram das poucas a manter a audiência em alta entre os futuros economistas, no meio dos quais eu, tímido por natureza e intimidado pela figura do mestre: a tez acobreada contrastando com a branca e densa cabeleira, o cigarro sempre entre os dedos e a língua permanentemente afiada. Diziam-se coisas do mestre: no mínimo, que era um padre comunista... Numa ocasião, alguém ousou tecer um comentário desairoso sobre a Teologia da Libertação. Se um pombo dos muitos que voejavam errantes pelo ICHL entrasse naquele instante, diria que era o próprio Espírito Santo que fora assistir ao mestre defender a luta de classes e o socialismo sob uma perspectiva cristã. Naquele momento, lamentei não ser cristão. Aliás, por muito pouco não me converto.

quinta-feira, novembro 18, 2010

MAESTRO NIVALDO SANTIAGO


Coral João Gomes Junior, regência do maestro Nivaldo Santiago

O programa  apresentado hoje pelo Coral João Gomes Junior cumpriu três partes bem distintas: na primeira, o maestro Nivaldo Santiago, fundador deste grupo, fez a regência. Na segunda, foi apresentado um video com indicações dos personagens que povoam o livro sobre o coral. Na terceira, o maestro Eli Soares, atual regente, conduziu o concerto com apresentação de um repertório clássico, acompanhado dos solistas Maria Augusta Bacellar, Priscila Vianna e Humberto Vieira.
Após a realização deste programa, o acadêmico Elson Farias, autor de Coral João Gomes Junior: uma aventura musical no Amazonas, passou a autografar o livro.

Nivaldo Santiago  havia completado a sua formação musical, quando desistiu de uma bolsa de estudos no Canadá para formar este coral. A Manaus dos 1950 era de uma grave pobreza. Mas aquele corajoso músico decidiu enfrentar.
Em seu discurso de agradecimentos, lembrou os quantos emprestaram ajuda ao empreendimento, dos governantes às pessoas simples, mas decididas. Alguns ainda coralistas atuantes.
Um desses colaboradores foi o padre Luiz Ruas. A participação deste sacerdote se fazia pelo jornal, onde suas publicações repercutiam. Amigo de Nivaldo Santiago, L. Ruas acreditou no amigo e seu projeto, e pode sentir com prazer a explosão musical produzida por esses abnegados coralistas.

Maestro Nivaldo Santiago, em Manaus
A 23 de abril de 1961, padre Ruas abriu o verbo em O Jornal e,  sob o título: Em torno de uma reportagem cínica, defendeu o Estado e seu amigo Nivaldo Santiago. Por outro lado, rebateu com fortaleza a reportagem cínica, publicada em O Cruzeiro, uma revista semanal já desaparecida, que vez ou outra cobrava para publicar.
Escrevo estas linhas no sentido de um protesto. Está claro que o meu protesto não vai sanar o mal que foi feito. Mas fica o meu protesto. E muito satisfeito eu ficaria se soubesse que ele teria despertado alguém ou alguns, pelo menos aqueles que se empenham verdadeiramente no seguimento do nível cultural do nosso Estado. Refiro-me aos homens de letra e de artes do Amazonas e, em particular, Manaus.

A “terra defraudada” de que falava Araújo Lima referindo-se ao Amazonas ou à Amazônia parece continuar no cumprimento do seu destino. Agora, porém, a defraudação toma novos rumos. Quando o Amazonas surgiu aos olhos dos aventureiros famintos de riquezas o roubo se processou nos tesouros de seu solo. A borracha encheu a mão de muitos de dinheiro que saindo daqui foram gastá-lo ou empregá-lo em outros lugares. (...)

Falo daqueles que têm ficado, embora muitas vezes lutando com feracidade e heroísmo contra as tentações dos grandes centros culturais onde fervilham as “panelinhas” que se outorgam o direito de determinar e impor valores que se colocam em relevo à custa de certas condições. Falo daqueles que têm acreditado nas possibilidades da inteligência amazonense e por conseqüência, numa cultura e numa arte amazonense, que hão de se impor daqui mesmo sem precisar pedir a bênção dos donos da cultura brasileira nem se integrar num outro qualquer campo cultural e artístico. É neste sentido que falo da nova cultura do Amazonas. (...)

E, ultimamente, a reforma do Teatro Amazonas, obra grandiosa do Governador, vem confirmar de maneira deslumbrante o que afirmamos. Porque a reforma do Teatro mais do que o valor real do empreendimento se reveste, para mim, de um significativo valor simbólico. Um governo que se volta para a arte e se preocupa com os valores artísticos de um povo é realmente um governo que sabe o que está fazendo. Entre esses testemunhos autênticos da nova cultura amazonense há uma iniciativa que merece especial relevo.

É a obra do maestro Nivaldo Santiago. Nivaldo chegou a Manaus há uns dez anos, podemos dizer, só com a cara e a coragem. Um músico querendo fazer música no Amazonas, quando já não se pensava aqui em coisas dessa espécie. Na época em que o Nivaldo chegou, uma atmosfera de descrença, um ceticismo doloroso e sombrio, fundamentado na realidade de um Estado colocado levianamente à beira de uma desagregação sócio-político-econômico, tomava conta de todos os espíritos.

Ainda ninguém acreditava que o Amazonas pudesse reconquistar o equilíbrio. Falar em cultura artística na ocasião era um luxo ou não passava de estroinice. Este foi o ambiente que Nivaldo encontrou em Manaus vindo da Europa e do Sul do País. Dava para qualquer um arrumar de novo as malas e escorregar Brasil abaixo para o Rio ou São Paulo. Mas o Nivaldo é um desses privilegiados da loucura artística. Não pensou, não mediu, não calculou. Ele tinha vindo para fazer música. E começou.

Ano após ano, meses após meses, dias após dias, o Nivaldo, sem dinheiro, sem meios, com um piano e uma sala velha na [rua] Visconde de Mauá, escondido na sua toca, sem se preocupar quase com a sua subsistência, coadjuvado por uns poucos da mesma espécie dele, começou um coral, o João Gomes Junior. “É preciso que a semente morra primeiro.” E a semente esteve realmente sepultada, quase apodrecida entre as quatro paredes mofentas do irrisório Conservatório da Visconde de Mauá, em boa hora cedido ao jovem músico pelo cônego Walter Nogueira, de acordo com Dom Alberto Ramos.
Foi ali que a semente morreu e viu rebentar viridentes suas primeiras folhinhas tenras. Depois todos sabem, vingou. Atualmente a planta regada com o suor e lágrimas do Nivaldo e de seus cantores, esses jovens heróicos, já está taludinha. Seu tronco já está firme. Já há esperança de flores e de frutos. Pois bem, nessa altura dos acontecimentos surge uma reportagem safada por todos os títulos. Para roubar todos os méritos desses jovens. Para passar uma esponja num passado de lutas e sofrimentos e se apossar dos trabalhos realizados. Impudicamente. Torpemente. Cinicamente. Qualquer explicação para o caso não é explicação.

O fato não passa de uma tentativa de espertalhões. E a revista O Cruzeiro é o responsável por isso. Mas a coisa não parou por aí não. Eles conseguiram matar dois coelhos numa só cajadada. Também o trabalho governamental foi atingido pelos finórios. Reforma do Teatro, Coral João Gomes Junior, tudo iniciativa de O Cruzeiro. O Amazonas é uma terra de bobocas. Se não fosse O Cruzeiro, não havia coral e, certamente, o Teatro já seria um montão de ruínas. Já vi muito cinismo na minha vida, mas tanto assim, não.


Agora eu pergunto o que foi que esses mocinhos de O Cruzeiro fizeram pelo Teatro e pelo Coral? Nada, meus amigos. Nada. Não. Fizeram uma reportagem a cores no valor de três milhões de cruzeiros. Nivaldo, os seus sacrifícios, o seu suor, as suas lágrimas, suas vigílias, seu trabalho, seu esforço, sua luta, sua fome, seus e de seus cantores foram vendidos por três milhões de cruzeiros? Não.


Tenho certeza que você não os vendeu. Você não os vendeu porque sabe do que se trata e porque sabe o que está fazendo. Atualmente você faz parte da cultura do Amazonas e você não venderia essa cultura pela bagatela de umas fotografias coloridas que roubam, que exploram, que avançam no alheio. (...)

Já chega de defraudadores. Que estes fatos nos sirvam de lição.

Coral João Gomes Junior

Hoje, no começo da noite, o Coral João Gomes Junior receberá substancial e merecida homenagem. A festa será realizada no Instituto Cultural Brasil-Estados Unidos (Icbeu) e consta do programa o lançamento de livro de Elson Farias, a melhor música do coral e a presença de seu fundador, maestro Nivaldo Santiago.
O cinquentenário do Coral, no Teatro Amazonas
O grupo musical que já comemorou seu cinquentenário em 2006, está hoje sob a direção de Cleomar Feitoza (uma das fundadoras). A trajetória do grupo está revelada pelo acadêmico Elson Farias, no "Coral João Gomes Junior: uma aventura musical no Amazonas".
Acreditando na participção de alguma forma dessa aventura, transcrevo uma crônica do falecido padre Luiz Ruas (1931-2000), onde ele estimulava os "aventureiros", o maestro Nivaldo e convocava o povo ao Teatro Amazonas para a música.

Festival de Arte

Mais uma vez o Instituto Musical Santa Cecília vai oferecer ao público um festival de arte do Coral João Gomes Júnior. Hoje, à noite, o Teatro Amazonas estará vivendo um dos mais altos momentos artísticos de 1957. Digo isso e, à primeira vista, pode parecer com alguma coisa de semelhante à primeira qualidade das latas de manteiga. Não sei se o leitor já reparou que todas as manteigas são de primeira qualidade. (...)
Sem querer, lembrei-me agora mesmo de uma crônica que escrevi há muito tempo quando o Instituto estava sendo inaugurado, estava apenas nascendo e, no Teatro Amazonas, realizou o seu primeiro festival. Quando terminou o recital senti um alívio e uma espécie de euforia. Vi que estavam engatinhando, vi que estavam tentando caminhar, vi que um grande esforço fora feito e um esforço feito em um sentido de realizar arte autêntica.
Padre Luiz Ruas
E não tive dúvida. Na primeira oportunidade escrevi uma crônica na qual eu dizia aquilo que eu sentira. Os defeitos e as qualidades. Claro que eu falava como um simples espectador e não como crítico musical. Falava como alguém que se esforça para ver o que há de bom em tudo e ver tudo com objetividade dentro dos meus limites.
Escrevi a crônica e, confesso, tive receio de magoar, pois, até então, todas as notícias publicadas nos jornais haviam sido simplesmente elogiosas. No entanto, fazia ressalvas, tecia observações que não davam para fazer inchar muito. Pois um ou dois dias mais tarde tive oportunidade de me encontrar com o maestro Nivaldo. E ele, a primeira coisa que me disse foi:

- Li seu artigo. Foi o que li de melhor sobre a nossa apresentação.

Percebi então claramente que o maestro era alguém que estava querendo fazer coisa séria. Que ele não era um enfatuado e que tinha coragem de enfrentar uma crítica séria e construtiva. E isso é o que há de mais importante especialmente em nosso meio pequeno onde os críticos não têm boa acolhida. Ou melhor, onde a crítica está circunscrita aos confins de um punhado de elogios fáceis e rotineiros.
Pois vi logo que o maestro não era um desses que supõem que tudo aqui sai de suas entranhas é o que há de mais perfeito. É intocável. Percebi que Nivaldo Santiago estava consciente do caminho que se estende à sua frente. E que para continuá-lo está disposto a enfrentar tudo inclusive a indiferença e a apatia que nos domina aliadas a uma subcultura artística. Ou fruto dela.

Não fora isso, e o que daria crédito a este moço para apresentar o ousado programa que tenho aqui diante de mim? Se não fosse esta tomada de posição diante da arte e diante da sua arte, que coisa lhe haveria de dar forças para empreender mais esta iniciativa, a da orquestra sinfônica, a Orquestra Sinfônica do Amazonas? (...)
Agora uma coisa que pode parecer chocante: uma das finalidades deste festival é arranjar dinheiro. Dinheiro, sim. Dinheiro para fazer arte. Dinheiro para o belo. É preciso adquirir instrumentos. É preciso pagar os artistas. Compreendes, leitor?

Se não chegaste a compreender aconselho-te a ires ao Teatro Amazonas hoje à noite. E depois de ouvirdes Palestrina, Puccini, Handel, Villa Lobos ficarás convencido de que esta é, fora de qualquer roteiro de propaganda, manteiga de primeira qualidade.
O texto foi publicado em Ronda dos Fatos, em A Crítica, 23 dez. 1957. Mais de cincoenta anos depois, a festa de logo mais comprova a visão do padre Ruas.

quarta-feira, novembro 17, 2010

Rua Marechal Deodoro III

Em 21 ago. 1960, o saudoso cronista André Jobim, escrevendo para O Jornal, encerrou suas observações sobre as empresas e, especialmente, os amigos que desfrutou por anos naquela artéria. 



J. Dias Paes, agentes da Lamport Holt Line, com Raul Lopes e Joaquim Leite.
G. Defner & Cia., com George Defner, pai de Georgete e Irene, esposa de Von Jess, criaturas que formavam na fina flor da elite manauense; seus auxiliares destacados: Antonio Ferreira da Silva, chefe da atual firma Ferreira da Silva & Cia. Ltda., os catalões Antonio Graça e o simpático cabo Gomes, com o seu bigode à “la antiga” e infatigável torcedor do Luso. Em seu lugar está hoje a agência do Banco de Crédito da Amazônia S.A.
A Casa Semper, sucessora de Bernardo Bockris, dirigida pelo velho Hans Semper e seus auxiliares diretos: Kurt Kremer; nosso muitíssimo e dedicado amigo José Maia, filólogo brilhante, o revisor de A Planície, do infatigável Hildebrando de Oliveira, poeta primoroso; Antonio Caetano da Silva, o Kardeck; o simpático velho Soeiro; Paulo Semper, Rogério, que sempre levantava os braços quando falava, João Aleixo do Nascimento (Joca) e o atual Semper Faber.
General Rubber Co. of Brazil, sucessores de Gordon & Cia., com os senhores S.W.C. Russell, Anselmo Vinhas, Valentim e Napoleão Normando, velho Souza, Montenegro, Euclydes e o velho Manoel com o seu bigode sempre em forma, bem tratado e quase igual ao do cabo Gomes...

 Tudo isso passou e alguns sobrevivem como se fossem marcos da tradição e do bom gosto, desta Manaus fabulosa e boa, que o tempo atual com todos os “ismos” não consegue apagar a era abençoada que passamos...
Aproveitando essa recordação, vou colocar meu “pitaco”. A rua Marechal teve o privilégio de abrigar, ainda que por reduzido espaço, o primeiro supermercado da Cidade. Foi o Sumesa – Supermercados S.A., pertencente, entre outros, ao doutor Gebes Medeiros, e instalado no canto da Marechal com a Sete de Setembro, até pouco uma loja Esplanada.

O Jornal. Manaus, 27 jul. 1963
Inauguração do SUMESA, O Jornal, 27 jul. 1963
Grande Hotel em reparos, em Manaus
Lembro, na oportunidade, que na metade do ano este edifício sofreu um violento incêndio, estando em fase de reconstrução. E que, nesse endereço, funcionara no áureo tempo “bellepoqueno” o Grande Hotel.




terça-feira, novembro 16, 2010

Rua Marechal Deodoro II

Retorno com a segunda parte da memória de André Jobim, autor de Velhos Tempos, sobre a rua Marechal Deodoro. O saudoso Jobim escrevia sobre matéria variada em crônica dominical, mas sempre reportando antigas lembranças. Este texto foi publicado em O Jornal (já desaparecido), em 21 ago. 1960. 
Chefatura de Polícia
A Marechal permanece em sua extensão como antes, porém mudou totalmente no comércio praticado. As grandes empresas deram lugar ao comércio varejista, marcantemente de confecções e calçados.
Quando Jobim publicou esta crônica, na esquina desta rua com a Sete existia a casa Colombo, descrita pelo autor. Do outro lado da calçada, existia a Chefatura de Polícia. Mais adiante, onde agora comercializa a Marisa, funcionava o Banco Ultramarino, depois o Banerj. Na outra esquina, pela rua Quintino Bocaiuva, estava a loja Pernambucanas.
Recolhi alguns anúncios de época para ilustrar a descrição de André Jobim.
 
Na atual turbulência da propaganda política, onde todos se julgam com direitos de salvadores deste imenso Brasil, voltamos os nossos olhos ao passado para reviver nos “Velhos Tempos”, as firmas comerciais que pontificavam na rua Marechal Deodoro, onde começamos a nossa vida de comerciário humilde. Talvez pouca gente se lembre, por isso nos custa fazer algumas referências, trazendo à lembrança velhos amigos e nomes que até hoje se destacam no presente, face às inovações e o modernismo avassalador, que entusiasma e que estarrece...
A tradicional Casa Colombo, ainda hoje sobre a direção do dinâmico José de Souza Azevedo com as suas três seções, dentre elas a lembrada “Fogo sem fumaça”, onde de tudo se encontrava, desde o perfume francês até os brinquedos alemães que expunha à venda por preços que assombravam, mas que hoje, talvez, nos decepcionasse. De seus auxiliares ainda nos lembramos de Anquises Índio de Maués, Arnon Oliveira, Antonio Rebello, José Lima, Manoel Bentes Vieira, Egidio Scardine, Jacy Pinto Freitas, d. Alzira Braga e Áurea Freire, dileta filha de Antonio Nonato Freire, funcionário da Delegacia Fiscal.

Chapelaria Goulart do velho Goulart Coelho, irmão de Abdon Coelho, chefe fotógrafo da Polícia Civil, esposo de dona Márcia e pai de Cilene Coelho Gioia, e de seus funcionários Saturnino Ribeiro, Augusto Lira, Antenor e Edgar Monteiro de Paula, Jacauna Maia, Ângelo Cardoso e Cisne Nonato. É hoje dirigida pelo velho Glicério Vieira.
Esta casa nos faz lembrar o seu fabuloso estoque de chapéus de palhinha, de fitas pretas e laços para trás, que fazia o encanto da moda modernista de “la belle époque”.


Henrique Perdigao & Cia., dirigida por José Victor, Aurélio Gomes e o velho Simpatia, funcionando hoje, em seu lugar, a firma Figueiredo & Cia.


Anúncio do moderno automóvel, em O Jornal, abr. 1960


Matos Areosa & Cia. Ltda., dirigida pela figura respeitável e estimada do comendador Antonio Duarte de Matos Areosa, o incentivador do seguro e primeiro representante da Companhia Aliança da Bahia, para quem comprou o prédio atual, ex-depósito da firma Tancredo Porto & Cia., pai extremoso de nossos amigos Danilo e Antonio Areosa que mantêm a mesma linha de impecabilidade comercial.
Lembramo-nos dos seus auxiliares L. Perdiz (atualmente nos Estados Unidos), Hermínio Silva, Prudêncio Barreiros Garcia, Manoel Cunha, ex-sócio da firma Tancredo Porto e fundador de uma firma na rua Guilherme Moreira, chamada M. C. Monteiro Mesquita & Cia., e do velho chaveiro José Lindo que, apesar de aposentado e de cabecinha algodoada, ainda hoje se distrai e se contenta em abrir as portas do escritório do fabuloso Deusdeth Fernandes, de idealismo primoroso igual a nós...

Banco Nacional Ultramarino S/A, onde velhos amigos ainda hoje vivem na labuta diária, dentre eles o velho Matos, Gercino Cunha Melo, Aguinaldo Archer Pinto, Silva, Geraldes, José Adrião, Manoel Pinto, Armando Mesquita, hoje proprietário da Fábrica Baré, orgulho da indústria de refrigerantes de nossa praça, e tantos outros abnegados e merecedores de nossa homenagem.

Ourivesaria Cantisanti, hoje a Gasônia.

Tabelião Lessa, onde trabalhavam o Dr. Marcionilo e Albino Lessa. Era aí o ponto de reunião de Aristóteles Mello, pai de Washington e Wilson Melo; desembargador Faria e Souza, Crisanto Jobim que, para ganhar o sustento de sua família, lavrava escrituras, e tantos outros que gostavam das “piadas e prosas” do velho Albino Lessa, pai de Nenê Lessa, fiscal da Prefeitura Municipal.

Na esquina, o famoso Café Ultramarino dos irmãos Marques, tios do Marques, atual gerente do Banco Ultramarino Brasileiro S/A.
Depois do almoço, era obrigatório ouvir-se a palavra inflamada do finado Manoelzinho, da Capitania do Porto, amigo inseparável do nosso amigo Walter Rayol. Era o ponto do cafezinho e dos comentários sócio-político-comercial da época.
Grandi & Cia., com o velho Grandi e o saudoso Benjamin Alves. O outro lado, onde é hoje A Pernambucana, era o Tabelião Dias e a banquinha de selos do sogro do saudoso Aluisio Ramos.
Souza Arnaud vendia geladeira movida à gás
C. E. Campos Vinagre, dirigida por Augusto Soares da Cunha, irmão do nosso amigo Manoel Soares da Cunha, da firma J. A. Leite & Cia., Serafim Araujo (conhecido por Cicatriz Vermelha), Ivan Valente e João Soares Vinagre (o Careca) e Guilherme, o Acapu.
Souza, Arnaud vendia caminhão na Marechal, março 1960 
J. A. Leite & Cia., com o velho Leite sempre sentado em sua cadeira predileta e exercendo as funções de caixa, Abílio Silva e Sá, Antonio José de Almeida Leite Loureiro, Antonio Guedes, Ermindo Fernandes Barbosa e tantos outros, dando lugar hoje a firma Souza, Arnaud, do nosso amigo Euclides de Souza Lima e seus filhos James e Douglas.

segunda-feira, novembro 15, 2010

RUA MARECHAL DEODORO

O feriado de hoje motivado pela Proclamação da República, em 1889, trouxe à lembrança o marechal Deodoro da Fonseca, aquele idoso de barbas grisalhas e com ares de quem acha-se tomado de dores. O acontecimento já motivou livros e estudos de todas os escalões, da mesma forma ocorreu sobre o marechal alagoano, primeiro presidente do Brasil.
Apesar de tantos estudos e publicações, poucos se recordam do fato, e da motivação do feriado. Assisti a uma ligeira enquete na via pública promovida por uma emissora de TV. As respostas tão descabidas me autorizam afirmam o que registrei acima.
A presença do marechal Deodoro na direção do governo causou uma série de homenagens. Seu nome foi afixado em diferentes logradouros e instituições em todo o País. Seu busto, igualmente. O Amazonas não escapou da ladainha, tendo contribuido com uma rua, engrossando assim o cordão das louvações.
Trata-se da rua Marechal Deodoro, no centro histórico e comercial de Manaus. Esta rua começa na rua Marques de Santa Cruz e finda na avenida Sete de Setembro. Por ironia, ou a propósito, tomou o nome da rua do Imperador, e essa homenagem ocorreu no primeiro aniversário da República. Aqui, assim como na então Capital Federal, o imperador Pedro II foi exilado.

Rua Marechal Deodoro, Natal 2003
Esta artéria já teve seu tempo de esplendor, segundo cada autor. Nesse dia, para homenageá-la e lembrar o Marechal Deodoro, que conduziu a mudança do regime de governo no Brasil no final do século XIX, reproduzo uma crônica primorosa.
Esclareço que a mesma foi publicada em O Jornal, circulado em Manaus, em 28 ago. 1960. Nesse sentido, é preciso levar em consideração os 50 anos passados.
Hoje, a rua é mais conhecida por "bate palmas", devido seu comércio.


VELHOS TEMPOS
André Jobim

É com imenso prazer que continuamos com o propósito sadio de escrever, revendo, com a ajuda de nossa memória e dos velhos alfarrábios, fatos do passado para o presente congestionado pela politicalha, evocando assim a saudade e o avivamento da recordação, o tempo bom que passou e por este simples ensejo, voltamos a falar da rua Marechal Deodoro, a pequena “Wall Street” desta Manaus amiga; rua privilegiada do comércio amazonense, onde floresceu as grandes iniciativas de progresso, quer na industria, quer no comércio propriamente dito e ainda hoje, marcam com altivez, o apogeu de sua era de glórias.
Onde está a firma Figueredo & Cia., duas portas eram reservadas ao Cartório do Tabelião Raymundo Monteiro, pai extremoso de René e Yano Monteiro; era poeta primoroso, de fina sensibilidade e inteligente. Seus versos falam nas paginas dos livros que escrevera, dentre os quais, possuímos e guardamos avaramente um deles.
Vamos ainda encontrar na mesma rua, os vestígios de firmas que passaram e as que ainda existem a desafiar o tempo, vencendo a inflação criminosa da nossa moeda, na época atual.

Antonio Lamarão funcionou nos altos do prédio onde foi o J. Dias Paes, e o seu proprietário foi um dos fundadores do Cinema Avenida.
Matriz de J.G.Araújo, 1950 

Nos altos do prédio, onde está instalada a delegacia do Ministério do Trabalho, que foi da firma Tancredo Porto & Cia. Ltda., funcionou a Associação Comercial do Amazonas. E de seus chefes e auxiliares, dentre eles nos lembramos bem do velho Artur Ferreira, pai de nossos amigos Artur e Aluisio, este último até bem pouco tempo foi um cultuador do violino e que, conosco, fez parte dos “coros” da Igreja dos Remédios e da Catedral e também de varias serenatas; Osvaldo Viana, José da Costa Teixeira, José Mauricio Sales de Figueiredo, Diogo brasão e silva, filho do velho Brasão e Silva, um dos fundadores da praça da Liberdade nos Bilhares, atrás do Seringal Mirim, onde era morador, Manoel Antonio da Silva e nosso amigo João Jauapery.
Quanto à firma J. G. Araujo & Cia. Ltda., já falamos em crônicas anteriores, mas, mesmo assim, ainda é hoje o colosso, sem favor, dessa terra.
O Banco Popular de Manaus funcionava onde é hoje a firma Antonio M. Henriques, tendo ao lado o Café Moderno do velho Matias e seu irmão Antonio e que, posteriormente, pertenceu ao saudoso amigo José Seixas, e quem não se lembra do José na Leiteria Amazonas?!
Do Banco Popular nos lembramos de seus fundadores: Fenelon Bomilcar, Coronel Taurino, Ildebrando Sisnando, José Nunes de Lima (proprietário da fábrica Mimi) e seus auxiliares Aureliano, Alzira Hugo e Silva, ainda hoje se constitui uma das auxiliares destacadas; vem também a nossa lembrança Armando Bandeira, falecido em São Paulo, moço inteligente e trabalhador que, conosco, formou nos bancos escolares dos colégios de então.
A firma Henrique Pinto & Cia., dirigida até hoje pelo nosso amigo Henrique Pinto; no seu escritório, exercia a função de chefe e correspondente o senhor Jacob Sabbá,, como chefe dos pracistas, o saudoso José Travassos de Souza (o Careca), que, fora da vida comercial, era jogador chave do primeiro time da União Esportiva Portuguesa, e Vitorino Silva que até hoje constitui uma das molas principais da referida razão comercial.

O Jornal, dez. 1963

Ao lado, na parte térrea, era o escritório dos corretores Manoel Dias de Oliveira (dono da Vila Fany) e João Leandro Hermes de Araújo (também proprietário do prédio onde está o Pronto Socorro). Entre seus auxiliares formavam os nossos amigos José Marçal dos Anjos, José Oliveira, o Bebé, Demetrio e Adolfo Hermes de Araújo, hoje juiz do Tribunal de Contas do Estado, Marcelino Almeida (o Ventania), que depois se associou com o corretor e velho amigo Antonio Balbino dos Santos. (segue amanhã)