Ontem, o dia foi consagrado à lembrança do poeta Luiz Bacellar (1928-2012) por dois motivos: seu desaparecimento, há oito anos, e o lançamento do livro em sua homenagem escrito por Elson Farias. Farias também é poeta, porém, que ele me desculpe, quero relembrar ao saudoso poeta Djalma Passos (1923-90). Luiz Bacellar
Buscava subsídios para um trabalho literário, quando encontrei a apreciação de Luiz Bacellar sobre a poesia de Djalma Passos, inserido no livro deste - Tempo e Distância, publicado em 1955. Foram jovens da mesma geração, enquanto Bacellar estudou em São Paulo, Passos veio do Acre para se notabilizar em Manaus. Vamos ao texto de Luiz Bacellar.
é o terceiro livro de Djalma Passos. O segundo – As Vozes Amargas – publicado pela Casa do Estudante do Brasil em 1952, inaugurou a poesia social no Amazonas. Nele, o poeta nos transmite sua mensagem através dos ritmos largos e ondulantes de uma poesia cheia de inquietude pelos destinos do homem.
Ao seguir, As Vozes Amargas não teve da crítica a atenção que
merecia, em face da desconceituação da poesia moderna, então chama
"futurista" pelos maiorais da crítica e das letras provincianas, mas,
embora tratado com tão clamorosa injustiça, firmou-se no conceito da nova
geração. (Um grupo de novos, no qual se destacavam elementos ligados a círculos
literários de outros estados, como Sebastião Norões, de poesia marcadamente
social, surgia então para reivindicar o direito de renovar os cânones da poesia
no Amazonas).
Embora sem contatos prolongados, Djalma Passos acha-se integrado a esse
grupo, do qual fazem parte: Freitas Pinto, o mais velho dos novos, Jorge Tufic
e Carlos Farias, poetas diferentes entre si mas coesos quanto à necessidade de
renovação dos valores poéticos; e nele toma parte, destacando-se como o
pioneiro da poesia social, além de ser o único desses poetas que já estreou em
forma de livro.
Djalma Passos, que é também contista ainda inédito, é um dos mais
brilhantes oficiais da nossa Polícia Militar, atualmente no posto de major,
tendo exercido a elevada função de comandante da Guarda Civil de Manaus,
durante o período de 31-01-51 a 17-11-54, quando escreveu, em defesa do guarda
civil Manuel Carlos de Melo, acusado de causador da morte do cidadão conhecido
nos meios boêmios pela alcunha de “Caroço”, o opúsculo Entre o Dever e o
Cárcere (Manaus 1953). Foi, por certo, nesse cargo, que Djalma Passos teve
a oportunidade de entrar em contato mais direto com o homem da rua, o que marca
profundamente sua expressão de poeta e contista.
Poeta cheio de profunda ternura pelos desajustados sociais, Djalma
Passos é uma das mais puras vozes líricas da poesia planiciária; possuidor de
uma linguagem despojada e simples, galvaniza e marca, com o estigma de sua
poesia, o leitor mais desinteressado; senhor de uma fluidez límpida e clara,
transporta-nos aos redutos de seu espírito observador do homem da rua, através
da “fonte perene” de uma expressão profundamente individual.
Pertencendo à categoria dos que têm os olhos voltados para o futuro, sob
o signo da pergunta, Djalma Passos domina, com tôda a maestria, a expressão
larga e a ênfase do verso withmaniano.
DJALMA PASSOS
dá-nos neste volume uma continuação à temática social de As Vozes
Amargas. E, até mesmo, podemos ver no seu “Poema do Feto” um complemento do
“Poema aos que hão de vir” de As Vozes Amargas.
O homem, entidade no tempo mais que no espaço, é, como se vê, a
constante genérica na poesia de Djalma Passos, onde avultam ainda as
subconstantes da Infância, da Noite e do Mar.
O Futuro sempre aparece como maior preocupação do poeta: “Poema aos que
hão de vir” e “Poema do Feto”. Caracterizando-se como poeta de ritmos livres
(quase sempre tão traiçoeiros para os que se deixam dominar pela sua aparente
facilidade sem se submeterem ao rigor sutil e sem manter consciente obediência
aos autênticos movimentos interiores), Djalma Passos atinge maior pureza lírica
e riqueza expressional nas composições que intitula simplesmente Poema.
Em TEMPO E DISTÂNCIA, por
pura condescendência para com o presente surto de reatualização do soneto, ao
que parece, o poeta realiza alguns, entre os quais se deve destacar o que tem
por título "Nossas Mãos".
Sem preocupações de afetar sua autêntica modernidade, Djalma Passos
exclui, muito acertadamente, o problema da unidade em sua obra, tendo antes a
preocupação da transmissão de sua mensagem. E consegue plenamente seu objetivo!
Vale destacar, por exemplo, entre os poemas de As Vozes Amargas, os de
títulos: “Poema do Moleque Brasileiro”, “Poema do Olhar Extinto”, “Estranhas
Vozes”, “Procedência”, “Anjo Noturno”, “O Homem Só” e “Despedida do Viajante
Noturno”. No “O Poeta de Branco” há uma interessante correspondência de
sentimento com “O Poeta Come Amendoim” de Mário de Andrade.
A função de sua poesia carrega-se do mais intenso significado nos dias
cheios de angústia e expectativa que estamos passando. Poeta dos mais
autênticos e expressivos, surpreende-nos de vez em quando com “pulos de gato”
de poesia no mais cristalino estado de pureza: “A noite lá fora é um mistério,
o vento derrubou todas as estrelas...” (Despedida do Viajante Noturno). Sua
penetrante naturalidade realiza no leitor aquilo que chamaremos de “comoção
lírica totalmente independente de qualquer intenção ideológica”, não se
podendo, portanto, classificar a poesia de Djalma Passos de “dirigida”.
Resta-nos chamar a atenção do leitor, neste livro, para a extraordinária
potência poética de Djalma Passos que é, sem favor, o fundador da poesia
social, “do povo e para o povo”, no Amazonas. Que os novos que se estão
agrupando agora sob a denominação de Clube da Madrugada lhe façam justiça.
Luiz Bacellar
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