CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

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quarta-feira, maio 28, 2025

LUIZ BACELLAR (1928-2012)

Acabo de resgatar uma homenagem prestada ao saudoso poeta Luiz Bacellar, falecido em 2012, publicada no matutino A Gazeta (22 janeiro 1964), cinco anos após a conquista do Prêmio Olavo Bilac, da Prefeitura do Distrito Federal, hoje Rio de Janeiro, com o livro Frauta de Barro. A tertúlia teve o julgamento de poetas de maior expressão nacional. Não obstante a láurea, o amazonense Bacellar optou por viver na margem esquerda do Rio Negro, onde publicou inúmeros poemas e destacados livros, legando a tradição de excepcional mestre. 


“É NATURAL QUE O EFEITO AGRADE /

SEM LEMBRAR OS ANDAIMES DO EDIFÍCIO”

 ---- Todos cantam sua terra, disse um poeta. Luiz Bacellar não quis tanger as cordas da lira, preferindo uma “Frauta de Barro” para, em acordes maviosos, mostrar um cântico todo seu, em louvor à sua cidade. Com suas tradições, suas histórias e estórias. Com variações que encantam pela beleza dos sons.

“Em menino achei um dia / bem no fundo um surrão / um frio tubo de argila / e fui feliz desde então”. De Luiz Bacelar e de seu livro, disseram: “Frauta de Barro” revela-nos, desde o primeiro contato, eficiente domínio do poeta sobre as palavras. Não estamos diante de uma poesia “confissão”, de uma poesia “desabafo”, porém face a uma contida estruturação do poema, face a uma escolha “consciente dos vocábulos”.

E quem disse: Manuel Bandeira, Carlos Drumond de Andrade e José Paulo Moreira da Fonseca. Precisa dizer mais desse moço modesto, desse poeta autêntico, que se chama Luiz Bacellar? Que tem livro custando um mil cruzeiros distribuído pela livraria São José, do Rio de Janeiro. Olhem a cara do moço, na foto, e os que não sabem, fiquem sabendo: é um Poeta. “Seu topo toca no céu / e a sua base se firma / nos alicerces do sono”.

domingo, abril 27, 2025

POESIA DOMINICAL (5)

 O  poema deste domingo, último de abril, pertence ao Sergio Luiz Pereira (1966-2015), encontra-se em seu livro de estreia Cordas da Lira (Manaus: Ed. Valer/Prefeitura de Manaus, 2002). Sobre o autor escreveu o saudoso poeta Anísio Mello: "A arte do soneto é, sem dúvida, tarefa árdua, que exige do poeta profundo conhecimento da métrica e da rima. (...) Agora, recentemente, leio um volume inédito de Sergio Luiz Pereira, que o crismou de Cordas da Lira
Capa do livro
. (...) Ainda bem que as gerações não têm deixado no esquecimento o soneto, pois é a forma mais erudita de versejar, onde o poeta mostra realmente o seu talento." 

Assim foi o Sergio, que nos abandonou antes dos seus 50 anos de idade.  



sexta-feira, novembro 22, 2024

CLUBE DA MADRUGADA: 70 ANOS

Aproveito a efeméride de hoje para recordar a comemoração do Jubileu de Ouro deste clube, celebrada em 2004. O Largo de São Sebastião engalanou-se para abrigar a arena da celebração. Subiram ao palco músicos e literatos, jovens e remanescentes do movimento amanhecido em 1954, quando “um punhado de jovens, sequiosos por romper o isolamento da província, o isolamento geográfico”, resolveu “descobrir o verdadeiro comando de sua existência”, consoante o registro de um dos fundadores – Jorge Tufic, in Clube da Madrugada 30 Anos.

Teatro Amazonas e o palco dos festejos

Ainda em plena atuação, um dos fundadores, Luiz Bacellar (1928-2012), prestigiou o lançamento de livros de integrantes do Madrugada promovido pela Editora Valer. O autógrafo de Bacellar em Quatro Movimentos (1975) guardo o exemplar com religiosidade.

Personalidades presentes: músico Maury Marques;
poeta Max Carpenthier e o editor Tenório Telles (a partir da esq.)

Mais uma memória, do mesmo modo compartilhada do Tufic: em comemoração ao 7º aniversário do CM, a direção mandou confeccionar uma placa alusiva ao evento, com os seguintes dizeres:

Pois foi. Jovens se reuniram sob a fronde desta árvore; e aconteceu. Quando Madrugada, o Clube surgiu. Era novembro, 22, 1954.

 

terça-feira, novembro 05, 2024

ENCONTRO DE TRÊS POETAS AMAZONENSES

O encontro aconteceu nas páginas do Jornal de Commercio, em 14 de agosto de 1970, ocasião em que o poeta Anibal Beça (1946-2009) ilustrou sua página no jornal apreciando outro vate: Luiz Bacellar (1928-2012). Beça aproveitou o ensejo para incluir na conversa o parceiro desta arte Thiago de Mello (1926-2022). Convido a ler a postagem compartilhada da página do matutino. Detalhe: a fotografia foi realizada pelo artista Salgado. 

Recorte da página do periódico

UM POETA UM NOBRE

Luiz Franco de Sá Bacellar, considerado por muitos a figura mais expressiva do movimento modernista amazonense, nasceu em Manaus, na rua Saldanha Marinho, na casa de seu avô e padrinho, José Pinto Franco de Sá (Seu Zezé), a 4 de setembro de 1928. Descende de uma linhagem nobre e ilustre e toda sua gente é maranhense de quatrocentos anos. Seu avô paterno João Marinho Bacelar era filho do senhor das terras de Nossa Senhora da Conceição, da vila do Brejo de Anapurus [MA] na margem maranhense do rio Parnaíba. Estudou no Colégio de São Bento em S. Paulo, com os monges beneditinos que lhe deram uma formação cavalheiresca e teutônica. E é o poeta mesmo quem diz que até hoje é meio prussiano.

Começou a trabalhar na imprensa de Manaus em 1945, no jornal “A Gazeta”, que tinha como secretário Herculano de Castro e Costa. Bacellar já correu quase todos os jornais de Manaus. Em 1956, transferiu-se para o Rio de Janeiro onde cursou no Museu Histórico Nacional a matéria técnica de conservação de museu. No Rio, Bacellar trabalhou nos jornais: “O Globo”, “Correio da Manhã” e o “Dia”.

Voltando para Manaus, continuou a trabalhar na imprensa e recentemente lecionou no Colégio Estadual do Amazonas - História da literatura - e no Conservatório de Música, História da Música. Atualmente é conservador da Pinacoteca do Estado e membro do Conselho Estadual de Cultura. Começou a escrever poesia muito cedo, depois de ter lido Bandeira e Drumond para extravasar como ele diz sua veia humorista. Ainda hoje se considera mais humorista que poeta. 

FRAUTA DE BARRO  e SOL DE FEIRA A OBRA

Luiz Bacelar com relação à sua obra é sério, meticuloso e seus poemas são elaborados com a preocupação de comunicar, divertir e, procura em pesquisas, conservar, registrar as tradições populares e costumes estilizando a literatura oral do povo. Haja vista o livro Frauta de Barro na série de poemas do romanceiro suburbano, onde o poeta mostra-nos vários poemas coletados da nossa literatura oral: O caso da Neca, Santa Etelvina, Chiquinho das Alvarengas etc.Frauta de Barro foi seu livro de estreia com o qual venceu, em 1959, o grande prêmio “Olavo Bilac” da Prefeitura do Distrito Federal [hoje Rio].

A primeira tiragem do livro foi de 110 exemplares, o que tornou Frauta de Barro um livro raro, Bacellar vêm a mais de quatro anos lutando pela reedição, que já está reformulada e aumentada e sairá com orelha do poeta Thiago de Mello:

Sou completamente suspeito para escrever qualquer palavra sobre este grande poeta que é Luiz Bacellar. Mais suspeito ainda para dizer qualquer coisa sobre este Frauta de Barro, um dos mais belos e também mais importantes livros surgidos na literatura brasileira destes últimos anos. Minha suspeição se explica simplesmente: Bacellar é, já faz tempo, um dos meus poetas amados, junto com Neruda, Apollinaire, Drummond, Joaquim Cardoso, Lorca, Fernando Pessôa e Carlos Pena Filho. Frauta de Barro é um livro que viaja comigo e que me vem dando, companheiro bom, sua firme e transparente ajuda. Quando Frauta de Barro me ajuda? por exemplo, quando meu ser, mordido de escuridão, reclama o sol da poesia: e recordo em voz alta, o soneto de verão, e a claridade de seu mistério me fortalece. Por exemplo, longe do Brasil (quantas vezes recitei com Neruda sonetos de Bacellar). (...)

Bacelar é o verdadeiro poeta de Manaus. Ele soube captar, íntima e inteira, a alma da nossa cidade, que palpita, transfigurada, nas páginas deste belo livro. E mais: Luiz Bacelar, meu amigo, há quase vinte anos, amizade que é para mim uma festa e da qual tanto me orgulho, não é apenas um dos artistas brasileiros a quem mais respeito e admiro, é também uma das pessoas humanas a quem mais quero bem, e cujo convívio me inaugura, permanente o sortilégio colorido e profundo da alegria.

Sucede que Luiz, apesar da minha suspeição, me pede um texto para servir de orelha à segunda edição de Frauta de Barro. A um pedido seu não me posso fazer de rogado. Mas não lhe dou orelha. O que lhe mando é, no fundo, uma declaração de amor, publicamente. Ass. Thiago de Mello - Paris, Primavera. 

DOIS LIVROS DUAS PREMIAÇÕES

Sol de Feira, o segundo livro do poeta também foi premiado. Ganhou no ano passado [1969] o grande prêmio Estado do Amazonas. E vários dos seus rondeis serão musicados pelos compositores: Waldemar Henrique, Nivaldo Santiago, Emmanuel Coelho e Dirson Costa. O lançamento está previsto para este ano e terá ilustrações dos nossos melhores artistas plásticos. Tem ainda inéditas peças em teatro e conto - em teatro, a trilogia “Cesar Brando”, “Luar de mortos” e “A paz mora nas montanhas”. Em conto, “Os funerais do príncipe Baluba” (estória do enterro de um “soba” africano educado em Cambridge). 

BACELAR - CONDE DRÁCULA, O HOMEM E O MITO

Luiz Bacelar, também é, junto com Farias de Carvalho o poeta mais conhecido e mais popular de nossa cidade. Em torno de sua figura gira um sem fim de estórias e anedotas. Ser chamado de vampiro, conde sinistro, bruxo etc. o poeta recebe em tom de gozação e esportividade. Uma das anedotas mais conhecidas é a que o Bacellar chegou ao canto do Pina e um rapaz aproximou-se e perguntou:

 — O senhor é que é o poeta Bacellar?  — Sou sim. Por que?

 — É porque eu sou estudante e andava atrás de uma pessoa letrada para me dar uma informação a respeito dessa formiga, de que ramo e qual a sua família.

— Seu colega, confesso que eu não sei

 Como! uma pessoa como o senhor não sabe, então ninguém mais, sabe.

Bacellar saiu, cabisbaixo, desconfiado e foi para a casa. Passou uma semana ninguém via o Bacellar. 10 dias e lá vem o Bacellar. Encontra o rapaz no Pina e tira do bolso umas 20 folhas de papel datilografadas e começa a ler: BREVE ESTUDO DAS TANAJURAS, JIQUITAIAS E SAÚVAS, verdadeiro tratado científico à cerca das formigas.

Uma outra conhecida e que foi fato verídico, foi a parada com o Alfredo Belmont. O Belmont é um gozador emérito e sabendo que o Bacellar ficava chateado quando alguém mexia com seu nome, aprontou essa:

— Bacelar, hoje eu fiz uma descoberta sensacional. Remexendo nos papéis de família descobri a origem do teu nome. Meu bisavô que era um fidalgo em Portugal, tinha a seu serviço um cavalariço que ele sempre esquecia do nome. Certa feita, querendo o velho passear a cavalo começou a gritar: Oh! rapazito, bai selar, bai selar, bai selar... o meu cavalo. E daí, toda vez que o velho precisava do rapaz, dizia: vai chamar o bai selar.

O poeta Bacellar ficou olhando, sério e saiu-se com essa: — Engraçado! Alfredo, eu também descobri a origem do teu nome Belmont. Um dos meus ancestrais, o Visconde da casa castalda mira Y solar de Bacellar, tinha uma camareira que deu à luz a um menino que era tão feio, tão feio, que quando o velho foi ver, olhou, olhou e disse: mas, que belo monte, que belo monte de **** (asteriscos); e esse menino, Alfredo, era teu bisavô.

Estórias como estas correm aos montes e o poeta diz: O quê que eu posso fazer, inventam muitas mentiras, eu só faço achar graça, eu acho até que funciona promocionalmente, eu sou o único vampiro simpático do mundo.

segunda-feira, fevereiro 19, 2024

ANTHISTENES ANALISA BACELLAR


Enredado com a leitura de Suíte Crítica: estudos sobre a poesia de Luiz Bacellar, livro organizado por Allison Leão & Mariana Vieira, e editado em 2023, voltei aos meus papeis arquivados. Para meu gaudio, encontrei a análise que o falecido acadêmico Anthistenes Pinto elaborou sobre a poesia daquele poeta. A apreciação foi publicada no Jornal do Commercio, edição de 28 abr. 1974, aos vinte anos de criação do Clube da Madrugada.
Luiz Bacellar

Estamos diante de uma poesia rica de significados estéticos. Luiz Bacelar é o faber dessa matéria construída por sutilezas emotivas e artifícios verbais que a tornam, para muitos, um tanto inapreensível ao primeiro contacto. Surgiu de corpo inteiro na literatura amazonense ao ser laureado no Concurso de Poesia da Prefeitura Municipal do ex-Distrito Federal (1959), que premiou seu livro de estreia "Frauta de Barro" mediante parecer favorável da Comissão Julgadora constituída por Manuel Bandeira, Carlos Drumond de Andrade e José Paulo Moreira da Fonseca. A dificuldade encontrada na convivência com a sua poesia, decorre tranquilamente de ser o autor um poeta que exige de si mais do que lhe podem fornecer as meras circunstâncias do cotidiano poético, surgindo PARI PASSU a febre criadora de renovar palavras, de perquirição do ilógico no levantamento das possibilidades metafóricas de transformar o prosaico, a lágrima, o riso, o tédio, o gesto e o sonho, em versos que se instituem numa realidade proposta pelo artista.

O meu torpedo de tinta

que explode em versos singelos

-- vozes do povo, farelos

desta seara nunca extinta; 

Poesia fácil de entender, esta poderia ser a forma de classificá-la dentro do sistema -- um tanto quanto rígido, formal -- de comunicação poética do autor com a inteligência de um público exigente, cujo nível de sensibilidade se coloca numa escala fora dos sentidos comuns, por assim dizer, numa altura livre das interferências genuinamente epidérmicas. Mesmo assim, a quase totalidade do seu livro “Frauta de Barro” traz no seu bojo “as vozes do povo, farelos desta seara nunca extinta”; prevalecendo os temas simples do dia-a-dia poetizável sobre o jogo artificioso das imagens corroídas pela sarna do parnasianismo, cujos símbolos apanhados no celeiro comum das estrelas, servem apenas de equilíbrio na estrutura dos sonetos e poemas.

Jamais um poeta esteve tão fisicamente presente, com pés firmes nas ruas de sua comunidade, sentindo-a com tantas emoções, sensível ao toque do acordar exato com as vozes dos pregoeiros, integrado, finalmente, nos acontecimentos sociais que o circundam:

Há tanta angústia antiga em cada prédio;

em cada pedra, -- nua e gasta. E agora

em necessário pranto que demora,

o amargo verso vem como remédio

 

pelos sonhos frustrados de cada hora

da ingaia infância. Madurando o tédio

nos becos turvos, porque exige e pede-o

inquieta solidão que assiste e mora

 

em cada tronco e raiz, calçada e muro:

Chora-Vintém, o Pau-Não-Cessa. Impuro

se derrama em palor de luta morta

 

nas crinas tristes, no anguloso flanco:

memória e angústia fundem-se num branco

cavalo manco numa rua torta. 

O poeta que assim traduz seu conúbio com os limites do seu mundo externo, obviamente que fez à sua opção: estar umbilicalmente compromissado com os seus semelhantes, custe-lhe embora essa opção tropeços e desenganos ingênitos à natureza dos seres gerados do homem. Neste livro se incluem os primeiros mapeamentos de um espaço conquistado para receber as formas imutáveis de uma poesia que já nasceu madura, e que se faz no tempo com a mesma perseverança das ruas, prédios e telhados que urdem a solidão urbana dos seus temas prediletos. Não se pode mais ler o livro sem ligá-lo ao homem. Cada página sua revela o inefável dos mistérios que se dividem entre os bens do sangue e a rigorosa linguagem de amor que o poeta dedica aos objetos do seu cotidiano.

“Sol de Feira”, editado em 1973, dez anos depois do seu livro de estreia, escuda-se igualmente na chancela de um primeiro lugar (Prêmios Estado do Amazonas de 1968), em cujo relatório, o Conselho Estadual de Cultura depõe: “O poeta mostra neste livro que a poesia é tão fácil quanto a manga, o cacau, a tangerina, a melancia, a graviola, o maracujá, o murici, o fruta-pão”. E vai mais longe, pois enche seu cabaz (ou paneiro) de todas as espécies deparadas no caminho, para ofertá-las em sumo e canção aos famintos de corpo e espírito. São versos populares, e formam certamente ao lado daqueles que fazem hoje do cancioneiro popular, um veículo que aproxima a cultura do povo, numa constante permuta de costumes e sentimentos que o poeta refunde e transfigura.

Apesar das comparações eruditas, através das quais ele invoca os mitos gregos e a história asteca, seu emprego não tem de abusivo ou pedante, não chega, por isso, a constituir obstáculos “ao leitor comum”. Apesar do julgamento proferido pelo relator do prêmio, descobre-se em “Sol de Feira” uma poesia bastante laboratorial, erudita mesmo e até certo ponto distanciada do povo e de sua origem simples no pomolário amazônico, dando a impressão de ter sido modificado durante os cinco anos que mediaram de sua publicação. Seja, no entanto, válido arriscar que do ponto de vista técnico Luiz Bacelar, atingiu um nível bem acentuado, ombreando-se com o que existe de mais apurado na arte poética dos nossos dias. Prosseguindo na linha formal de “Frauta de Barro”, não se deteve o poeta diante das exigências dos rondós populares de “Sol de Feira”, afinando seu instrumento regional pelos acordes de Apolo e o capricho dos deuses astecas.

Conclusões: saboreou as frutas no pomar e fechou-se depois numa torre de marfim. Enriqueceu o volume de notas, sugestões musicais e um glossário dos pomos, mas, no contexto poemático propriamente dito, reduziu seu universo de audiências e uma pequena elite que, ao invés das frutas louvadas, prefere sempre a maçã, a pera e as uvas importadas. Assim, vejamos:

da bruta mata

na área trilhe

vens em perfume

grata vanilha

de parda fava

olente filha

em verde berço

de alada quilha

pólen de prata

fúlgida poalha

de brilhos magos

que o luar refrata

sobre a toalha

fria dos lagos

Salvo razões dessa ordem, a cargo naturalmente de uma crítica menos impressionista, presenciamos neste poeta uma experiência contínua no domínio do seu instrumento criador de belezas, com uma técnica pessoal sem dúvida merecedora dos aplausos que tem arrancado dos nossos melhores escritores.

sábado, maio 06, 2023

POEMA DO SÁBADO

 De autoria do poeta Luiz Bacellar, que dispensa apresentação, circulado no Jornal Cultura, órgão da Superintendência Cultural do Amazonas, em outubro de 1982.



sábado, abril 29, 2023

POEMAS DO SÁBADO

 Compartilho a produção de dois poetas amazonenses - Alencar e Silva e Luiz Bacellar - encontrada no Jornal Cultura, circulado em outubro de 1982. 




domingo, julho 17, 2022

TRÊS ARTISTAS NO DIA DOS REIS

 No Dia dos Reis de 1963, domingo, o matutino O Jornal que circulava com a página do Clube da Madrugada, colocou nas mãos dos leitores três artistas: Afrânio de Castro (1931-81), Getúlio Alho e Luiz Bacellar (1928-2012). Cada qual com sua aptidão, dois poemas, um deles com ilustração do Alho, e havia muito mais nas páginas do jornal dos Archer Pinto.

Afrânio (acima) Bacellar (abaixo)


quinta-feira, novembro 18, 2021

CRÔNICA DA SEMANA

 A crônica foi escrita pela Tainá Vieira, em agradecimento a um presente singular que a enviei, sabedor da idolatria que ela dispensa ao saudoso Poeta Luiz Bacellar. 

Capa do livro e foto do autor

Depois de um fim de semana agitado, comecei essa semana pra baixo, às vezes isso acontece.   Fico assim quando tento ler poesia, não é fácil ler poesia, eu não gosto de ler poesia, porém, preciso ler poesia, se quero escrever poesia, preciso conhecer muita poesia e de boa qualidade.  Na segunda, comecei a folhear alguns livros de poesia, de Baudelaire a Penafort, procuro ler com calma, depois em voz alta, mas não funciona, eu prefiro ler um romance inteiro num dia, é bem melhor, nossa, eu amo. 

Passei a tarde de hoje tentando ler poesia, às 16h já estava bem chateada, então larguei o livro que estava lendo e quando estava me preparando para sair da biblioteca vejo o "Quatuor" (ou Quatro movimentos) do Luiz Bacellar, começo a ler e logo tudo fica calmo e feliz, porque a poesia bacellariana me deixa muito feliz, não tem jeito, o Bacellar é o melhor. Daí eu fiquei tão bem que comecei a ajeitar um poema que havia escrito na semana passada, ele estava amadurecendo rsrs (sempre faço isso), gostei do resultado. 

E disse para mim mesma que isso era um sinal (porque na minha cabeça se eu não gosto de ler poesia, então não posso escrever poesia), coisa minha, sei disso. Por fim, mandei o texto por e-mail para o meu professor, ele aprovou, disse que estava bom. 

Passado um tempinho meu marido (o professor kkk) chega do trabalho e me entrega esse presente.  A primeira edição (separada, antes já tinha saído junto com o Frauta de barro) de Quatro movimentos, gente do céu, eu fiquei tão imprechocada que quase choro de emoção, ainda veio essa foto linda do meu poeta maior. 

Obrigada, meu querido Roberto Mendonça.

Obrigada por ter lembrado do meu amor pelo Luiz Bacellar, você salvou uma vida, rsrsrs 🥰

Cuidarei dessa raridade com muito amor.

domingo, outubro 17, 2021

DO FUNDO DO MEU SURRÃO

Em menino achei um dia

bem no fundo de um surrão

um frio tubo de argila

e fui feliz desde então;

Luiz Bacellar

Variações sobre um prólogo

in Frauta de Barro

 

e os primeiros achados são obras de Jorge da Silva Palheta (1953-2015). Palheta, com era bem conhecido, legou-me estas caricaturas de de alguns de nossos presidentes:

João Baptista Figueiredo

José Sarney

Tancredo Neves


segunda-feira, outubro 04, 2021

DOIS EXCEPCIONAIS LUIZ

 Inicio pelo Bacellar, autor do livro de poemas Quatro Movimentos, (em outra edição foi intitulado de Quatuor), cujo trabalho gráfico coube a Artenova (Rio). Nesta edição, com capa de Van Pereira, a Apresentação competiu ao outro Luiz... Ruas promove autêntica aula, datada de agosto de 1975. Sem comentários: melhor é sua leitura.



 

APRESENTAÇÃO

 

Não raros foram os grandes mestres da música que, forçados pelas circunstâncias, tiveram de recorrer a textos de poetas médios ou mesmo medíocres para, sobre esses desfigurados e empalidecidos textos, compor as suas obras extraordinárias. E só o conseguiram devido à força dos seus gênios. Poucos foram aqueles que, como um Debussy, tiveram a sorte de encontrar um L'Après Midi d'un Faune.

O poeta Luiz Bacellar nos oferece um novo livro de poemas titulado Quatro Movimentos e tem como subtítulo "Sonata em si bemol menor para quarteto de sopro".

Digo que um alegre sobressalto de mim se apossou, à medida em que avançava na leitura dos poemas enfeixados em Quatro Movimentos e uma pergunta me alvoroçou o espírito e me perseguiu durante as leituras que fiz do livro: o que está acontecendo? Verlaine, Rimbaud, Baudelaire estão de volta? (...)

Neste sentido é que em toda a poesia simbolista encontramos uma presença do obscuro, do indizível, do ilógico ou, melhor, do alógico que se manifesta, principalmente, em duas atitudes comuns a todo poeta simbolista (repito que não me refiro aqui a simbolismo no sentido puro e simples de "escola" que já passou, que não tem mais sentido de existir, mas no sentido de "tendência" do espírito humano): a loucura ou a religiosidade.

Quando Paul Claudel chamava Rimbaud de "místico em estado selvagem" afirmava de maneira lapidar o que estamos querendo dizer. Sabemos que o simbolismo foi, antes de tudo, um movimento de revolta contra o naturalismo de um Flaubert, de um Zola, de um Maupassant e, em poesia, uma revolta contra o parnasianismo de Leconte de Lisle, de um Sully-Prudhomme, de um François Coppée, de um Heredia.

O aparecimento de Les Fleurs du Mal, em 1857, é, sem dúvida, o ponto de partida definitivo da rebelião literária contra as escolas que se deixaram dirigir pelas filosofias racionalistas e mecanicistas que arrancavam do mundo e da existência todo e qualquer significado de transcendência.

Por este motivo é que Claudel dizia que devia tudo a Rimbaud e que fora ele que o salvara "do inferno e da Universidade". É essa busca do mistério, da fuga de uma realidade imanentista, sem qualquer tipo de transcendência, que se revela na linguagem poética dos simbolistas de todos os tempos.

Santo Agostinho afirmava que toda vez que nos aproximamos da realidade misterial, a palavra perde toda sua força, torna-se incapaz de traduzir a experiência interna que é essencialmente intuitiva e a alma abandona a palavra e recorre ao canto, à música. Daí a musicalidade ter sido, ao lado da religiosidade, do mistério, do obscuro, da magia, da loucura, uma das características essenciais da linguagem simbolista. Eles não queriam dizer a coisa, as coisas, a realidade, mas, apenas, sugeri-la.

Aí está o livro de Luiz Bacellar. De todos os poetas que conheço, aqui do Amazonas, nenhum tem mais sentido do mistério do que ele. Os seus poemas de Quatro Movimentos, já são em si mesmos pura musicalidade. Não vamos nos deter, agora, em uma análise mais detalhada da obra.

Afirmo, porém, uma coisa: qualquer grande mestre da música sentir-se-ia feliz em ter em mãos estes poemas. E acrescento que os poemas, feitos para serem musicados, são de uma tal riqueza musical que até mesmo um músico medíocre seria capaz de arrancar deles a mais bela sonata em si bemol menor para quarteto de sopro.

Dedicatória a D. Carmen Marinho,
esposa de Jauary Marinho, Reitor da Ufam 


quinta-feira, setembro 30, 2021

DOIS SAUDOSOS ARTISTAS

 A Poesia - Haicais que circulam entre Londres, Paris, São Paulo e Manaus e outras cidades -  pertence a Luiz Bacellar e a ilustração ao multiartista Anísio Mello, em trabalho circulado no Amazonas Cultural, publicação trimestral da então subsecretaria de Cultura do Amazonas, em dezembro de 1992.



sexta-feira, março 26, 2021

"O GALO" DE LUIZ BACELLAR

Envolvido com os Estudos sobre a literatura amazonense, de Tenório Telles, retornei ao meu “surrão”, como aprendi com Farias de Carvalho. Nele encontrei o poema aqui compartilhado, de Luiz Bacellar, sobre o qual consultei ao poeta Zemaria Pinto, que me assegurou se tratar de uma obra inédita do saudoso autor de Frauta de Barro.

Bacellar, em pé, 1983

Outro pormenor aqui já revelado, que faço questão de repisar: Bacellar encomendou-me uma pesquisa dos poemas que ele publicou em jornais de Manaus. Almejava com eles editar um livro, cujo título seria Calhaus. Fiz o que pude, entregando a ele certo número deles, porém, o poeta não teve tempo de realizar sua aspiração. Aqui vai mais um, mestre Luiz Bacellar.

Nota: no original, como se lê, está A GALO, no entanto, a incorreção presumo cabe à falha de revisão ou outra iniquidade existente nas oficinas. 


 O GALO

Luiz Bacellar

(na volta de Áureo Melo à terra manauara)

Eu hoje 

tomei emprestada a pluma

de Neruda,

voltei aos tempos do paganismo

e sacrifiquei

um galo ao deus Apolo.

Não a Apolo retornei

Mas a ti Sol,

próton do infinito,

fonte da vida

que me fizeste nascer

na Terra.

Por ordem de Meu Senhor

era um galo

guerreiro como eu, guerreiro e cantador.

 

Tinha um peito de oiro

macio e brilhante,

a cauda de esmeralda,

a crista do mais rubro

coral.

Joia de plumas

de macheza

e canto,

grande produtor de ovos

e de alguns frangos,

multidões de frangas.

Ao sacrificá-lo

sacrifiquei-lhe o canto

porque sou cantor

do meu Senhor.

Mas também sacrifiquei-lhe a vida

porque devo a vida

ao meu Senhor.

Senti-lhes os estertores

nas minhas mãos implacáveis

quando torci-lhe a cabeça

para separá-la do corpo,

depois rompi-lhe o peito

e arranquei-lhe o coração

ainda palpitante,

e ofertei-o na palma de minha mão direita

ao Sol,

fonte da vida,

da Alegria,

da Saúde.

 

(Sacrifiquei o galo

como o ritual

litúrgico

dos flâmines latinos

de Apolo).

 

Quando as últimos palpitações

do seu pequeno coração

cessaram

na palma imóvel da minha mão

cobri o rosto com ambas

para que o meu rosto

se tingisse de atinjo

como o do Sol, e o Sol me reconhecesse

como seu filho.

Sacrifiquei o galo

com lágrimas nos olhos.

Que me perdoe o meu Senhor

que me proibiu

sacrifícios cruentos.

Pagaste o teu galo a Asclépios. 

quinta-feira, setembro 10, 2020

ENCONTRO DE DOIS POETAS

Luiz Bacellar
Ontem, o dia foi consagrado à lembrança do poeta Luiz Bacellar (1928-2012) por dois motivos: seu desaparecimento, há oito anos, e o lançamento do livro em sua homenagem escrito por Elson Farias. Farias também é poeta, porém, que ele me desculpe, quero relembrar ao saudoso poeta Djalma Passos (1923-90). 

Buscava subsídios para um trabalho literário, quando encontrei a apreciação de Luiz Bacellar sobre a poesia de Djalma Passos, inserido no livro deste - Tempo e Distância, publicado em 1955. Foram jovens da mesma geração, enquanto Bacellar estudou em São Paulo, Passos veio do Acre para se notabilizar em Manaus. Vamos ao texto de Luiz Bacellar.

é o terceiro livro de Djalma Passos. O segundo – As Vozes Amargas – publicado pela Casa do Estudante do Brasil em 1952, inaugurou a poesia social no Amazonas. Nele, o poeta nos transmite sua mensagem através dos ritmos largos e ondulantes de uma poesia cheia de inquietude pelos destinos do homem.

Ao seguir, As Vozes Amargas não teve da crítica a atenção que merecia, em face da desconceituação da poesia moderna, então chama "futurista" pelos maiorais da crítica e das letras provincianas, mas, embora tratado com tão clamorosa injustiça, firmou-se no conceito da nova geração. (Um grupo de novos, no qual se destacavam elementos ligados a círculos literários de outros estados, como Sebastião Norões, de poesia marcadamente social, surgia então para reivindicar o direito de renovar os cânones da poesia no Amazonas).

Embora sem contatos prolongados, Djalma Passos acha-se integrado a esse grupo, do qual fazem parte: Freitas Pinto, o mais velho dos novos, Jorge Tufic e Carlos Farias, poetas diferentes entre si mas coesos quanto à necessidade de renovação dos valores poéticos; e nele toma parte, destacando-se como o pioneiro da poesia social, além de ser o único desses poetas que já estreou em forma de livro.

Djalma Passos, que é também contista ainda inédito, é um dos mais brilhantes oficiais da nossa Polícia Militar, atualmente no posto de major, tendo exercido a elevada função de comandante da Guarda Civil de Manaus, durante o período de 31-01-51 a 17-11-54, quando escreveu, em defesa do guarda civil Manuel Carlos de Melo, acusado de causador da morte do cidadão conhecido nos meios boêmios pela alcunha de “Caroço”, o opúsculo Entre o Dever e o Cárcere (Manaus 1953). Foi, por certo, nesse cargo, que Djalma Passos teve a oportunidade de entrar em contato mais direto com o homem da rua, o que marca profundamente sua expressão de poeta e contista.

Poeta cheio de profunda ternura pelos desajustados sociais, Djalma Passos é uma das mais puras vozes líricas da poesia planiciária; possuidor de uma linguagem despojada e simples, galvaniza e marca, com o estigma de sua poesia, o leitor mais desinteressado; senhor de uma fluidez límpida e clara, transporta-nos aos redutos de seu espírito observador do homem da rua, através da “fonte perene” de uma expressão profundamente individual.

Pertencendo à categoria dos que têm os olhos voltados para o futuro, sob o signo da pergunta, Djalma Passos domina, com tôda a maestria, a expressão larga e a ênfase do verso withmaniano.

DJALMA PASSOS

dá-nos neste volume uma continuação à temática social de As Vozes Amargas. E, até mesmo, podemos ver no seu “Poema do Feto” um complemento do “Poema aos que hão de vir” de As Vozes Amargas.

O homem, entidade no tempo mais que no espaço, é, como se vê, a constante genérica na poesia de Djalma Passos, onde avultam ainda as subconstantes da Infância, da Noite e do Mar.

O Futuro sempre aparece como maior preocupação do poeta: “Poema aos que hão de vir” e “Poema do Feto”. Caracterizando-se como poeta de ritmos livres (quase sempre tão traiçoeiros para os que se deixam dominar pela sua aparente facilidade sem se submeterem ao rigor sutil e sem manter consciente obediência aos autênticos movimentos interiores), Djalma Passos atinge maior pureza lírica e riqueza expressional nas composições que intitula simplesmente Poema.

 Em TEMPO E DISTÂNCIA, por pura condescendência para com o presente surto de reatualização do soneto, ao que parece, o poeta realiza alguns, entre os quais se deve destacar o que tem por título "Nossas Mãos".

Sem preocupações de afetar sua autêntica modernidade, Djalma Passos exclui, muito acertadamente, o problema da unidade em sua obra, tendo antes a preocupação da transmissão de sua mensagem. E consegue plenamente seu objetivo! Vale destacar, por exemplo, entre os poemas de As Vozes Amargas, os de títulos: “Poema do Moleque Brasileiro”, “Poema do Olhar Extinto”, “Estranhas Vozes”, “Procedência”, “Anjo Noturno”, “O Homem Só” e “Despedida do Viajante Noturno”. No “O Poeta de Branco” há uma interessante correspondência de sentimento com “O Poeta Come Amendoim” de Mário de Andrade.

A função de sua poesia carrega-se do mais intenso significado nos dias cheios de angústia e expectativa que estamos passando. Poeta dos mais autênticos e expressivos, surpreende-nos de vez em quando com “pulos de gato” de poesia no mais cristalino estado de pureza: “A noite lá fora é um mistério, o vento derrubou todas as estrelas...” (Despedida do Viajante Noturno). Sua penetrante naturalidade realiza no leitor aquilo que chamaremos de “comoção lírica totalmente independente de qualquer intenção ideológica”, não se podendo, portanto, classificar a poesia de Djalma Passos de “dirigida”.

Resta-nos chamar a atenção do leitor, neste livro, para a extraordinária potência poética de Djalma Passos que é, sem favor, o fundador da poesia social, “do povo e para o povo”, no Amazonas. Que os novos que se estão agrupando agora sob a denominação de Clube da Madrugada lhe façam justiça.

Luiz Bacellar 

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domingo, julho 19, 2020

POESIA PARA O DOMINGO

Ilustração de Getúlio Alho

De retorno à atividade, depois de impedido pelo vírus que atingiu meu notebook,  compartilho um achado em jornal de Manaus. Trata-se um poema do saudoso Luiz Bacellar, inserido em O Jornal (24 janeiro 1965). 



As duas flautas (Apólogo)
Sobre a mesa poenta do antiquário
veio a réstia de sol brincar leviana.
E qual garota num sótão sozinha
ficou-se deslumbrada e pensativa
entre dois objetos muito antigos:
uma flauta de barro e uma flauta de cana.

Eram dois instrumentos pertencentes
à coleção privada do argentário,
entre cornes, alaúdes e violas,
velhas trompas de caça e alguns violinos
desencordoados, célos sem cravelhas,
desolados fagotes, bombardinos,
contrabaixos, pistões, liras, ceslestas
e alguns azinhavrados velhos sinos.

Então, como tocados de magia,
pela réstia de sol que ali se estava
estremeceram... Por alguma fresta
das janelas fechadas da mansarda
entrou um buliçoso golpe de ar
que, com a réstia de sol, vinha brincar.

Como um longo gemido suspirado
de quem acorda de um profundo sono
veio a interrogação: “Aonde estou?”

Para o golpe de ar. Queda-se a réstia
de sol surpreendida. E, na poeira
levantada naquela brincadeira,
se deixaram ficar muito quietinhos.
Mas antes, um soprou à companheira:
— “Foi a flauta de cana quem falhou...”
E assim os dois ouviram o diálogo
que me contaram e que aqui vos dou:

Disse a flauta de cana de bambu:
“Onde é que vim parar?... Oh! quanto pó!...

Não conheço ninguém, como estou só.