CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

terça-feira, março 31, 2020

HOSPITAL DA POLÍCIA MILITAR



Ao passar para a reserva na Polícia Militar do Amazonas (PMAM) em outubro de 1996, estava dirigindo o Serviço de Saúde da corporação. Aliás, fui o primeiro oficial combatente a exercer esse cargo e, desse modo, preciso explicar o evento: na época, diante de um desentendimento entre médicos e dentistas integrantes deste setor, o coronel Mael Sá, comandante-geral (1995-97), resolveu inovar nomeando-me chefe do Serviço de Saúde (SS). 

Principal serviço de saúde da PMAM, hoje abandonado
Com apoio no decreto 17.238/96, que efetuou uma reorganização na PMAM, estive naquela função entre junho e outubro desse ano. Apesar do tempo exíguo, produzi uma reforma dos prédios do SS, o hospital na rua Candido Mariano (atualmente aos pedaços, largado e ocupado por “invasor”), e o do Consultório Dentário, na rua Duque de Caxias, onde foi inaugurado a Companhia de Rádio Patrulha (desaparecido, após ser absorvido pela maternidade Balbina Mestrinho).
Além de melhorar as acomodações, consegui dar novo visual ao Hospital da Polícia Militar (HPM). E, devido minha aproximação com a imprensa, divulgar o feito. Veja a foto.
Mais: em busca de uma fórmula para que o HPM sobrevivesse, sem depender exclusivamente da Diretoria de Finanças, conversei exaustivamente com os oficiais médicos. Não alcançamos resultado positivo, mas intentamos com as seguintes sugestões: 1) receber  do extinto Ipasea, somente, 1% do nosso recolhimento; 2) estabelecer em diretrizes os dependentes dos policiais, a fim de que impedir que o “coronel” levasse até os vizinhos, para atendimento sem ônus; 3) melhoria das dependências, para permitir a recepção de clientes-particulares, mediante paga; 4) o pagamento simbólico (R$ 1,00) pelo atendimento, seja por consulta ou internação, pelos associados (lembrando que de graça, nada tem valor); 5) absorver o atendimento pelo SUS.
Enfim, o resultado desses procedimentos injetaria recursos financeiros no HPM, todavia, para que o gerenciamento desses valores fosse mais bem administrado, urgia que a corporação criasse uma Fundação (ainda continua necessária). Semelhante as que possuem as corporações militares federais e algumas policiais estaduais.
À fundação caberia, entre outras iniciativas, contratar médicos especializados, que atenderiam conforme normas administrativas e trabalhistas. Com isso, a corporação não se preocuparia com a seleção de oficiais médicos e de outras categorias. E, mais adiante, com a promoção desses e os desgastes que a hierarquia acaba gerando, tal como a que enfrentou o coronel Mael Sá, conforme explanado.

Da maneira que segue, lamentavelmente, a Policlínica não passará de uma UBS.


domingo, março 29, 2020

INVASÃO DA SHARP


A ocupação do terreno da Sharp no Distrito Industrial, hoje consolidada, se não estou mal informado, ocupa um terreno em declive. Teve início em 1994, e logo os dirigentes da empresa e da própria Suframa recorreram ao judiciário, a fim de evitar outra invasão.

No ano seguinte, em março, a Justiça determinou a reintegração de posse. Para a execução, seguiram os oficiais de justiça acompanhados de força estadual. Além de máquinas para agilizar a desocupação. Compartilhei de A Crítica (29 março 1995), circulada há 25 anos.
Chamada do jornal na 1ª página
Observando a reportagem, vejo que ainda em nossos dias esse tipo de operação repete três diretrizes: 1) os invasores sempre adotam o nome de político ou de santo para proteger o local. No caso, utilizaram o nome de Carlos Braga, pai do atual senador Eduardo Braga; 2) o pessoal da Justiça é sempre escoltado pela força policial, no caso, a PMAM. Todavia, a destruição autorizada dos bens acaba sob a “responsabilidade” dos policiais, ao menos sob a apreciação jornalística. Nesse fato, o título da reportagem incriminava aos policiais pela ofensiva. 3) os invasores nunca “têm onde morar ou para onde ir”. Basta ver o final da reportagem.
Recorte da publicação de A Crítica (29 março 1995)

Cerca de 200 famílias que moravam na invasão Carlos Braga, Distrito Industrial, Zona Leste, tiveram seus barracos destruídos ontem, por um trator, em cumprimento a um mandado de reintegração de posse, expedido pelo juiz da 4ª Vara Cível, Rui Morato, em favor da Sharp da Amazônia. Dois oficiais de justiça, Manuel Cardoso e Mariano Farias, escoltados por um grupo de aproximadamente 30 policiais armados, chegaram ao local - Av. Buriti com a Grande Circular - por volta das 12h, leram o mandado de reintegração de posse e iniciaram a derrubada das casas. Revoltados com a situação os moradores afirmaram não ter para onde ir e garantiram que iriam aguardar a saída dos policiais e oficiais de justiça para reerguer os barracos. 
A invasão Carlos Braga começou em novembro de 1994. No início do ano foi expedido o primeiro mandato de reintegração de posse e, inclusive, esteve no local um cidadão fazendo o cadastramento dos invasores para transferi-los para o bairro Jorge Teixeira.
Como as casas do bairro não foram liberadas, os moradores voltaram a ocupar os barracos no Distrito Industrial, contactaram um advogado e recorreram da decisão da Justiça alegando que o terreno que a Sharp dizia ser dela era, na verdade, de um senhor chamado Hidelbrando que não existe. "Nós ganhamos na justiça porque os representantes da Sharp não compareceram à reunião marcada pelo juiz. Não sei o que está acontecendo. Eles estão destruindo tudo o que é nosso", dizia indignada a invasora Márcia Gomes, que mora no local com dois filhos pequenos.
Aspecto da operação de reintegração (mesmo jornal)
O oficial de justiça, Manuel Cardoso, confirmou que aquele era o segundo mandato de reintegração de posse expedido pela Justiça. Garantiu que o documento havia sido assinado, há alguns dias, pelo juiz Rui Morato e que ele estava apenas cumprindo ordens. "Nós avisamos a todos que deveriam sair do local, caso contrário teríamos que derrubar os barracos para cumprir a lei. Eles não podem ficar aqui. O terreno pertence à Sharp. E preciso que essa gente procure uma outra área para morar", disse Cardoso, acrescentando que algumas casas não seriam destruídas porque estavam fora do terreno da Sharp. O juiz Rui Morado não foi localizado pela reportagem de A Crítica para esclarecer os fatos.
A derrubada de todos os barracos da invasão Carlos Braga durou cerca de duas horas e meia. Os invasores permaneceram no local sem saber o que fazer. A maioria deles não tem onde morar e nem para onde ir.

LEMBRANÇAS DE MANAUS

Ano de 1970. em 30 de março, o jornal A Crítica publicou, em homenagem ao 3º ano do governo de Danilo Areosa, a propaganda sobre a inauguração de reservatórios, que foram projetados pelo arquiteto Severiano Porto.À direita, também de março de 1970, o jornal A Notícia estampou a caricatura de Amadeu Teixeira (1926-2017), treinador do América FC,  por 53 anos, cuja longevidade nesta função deu-lhe o recorde inscrito no Guiness.


O caricaturista João Miranda integrava o jornal A Crítica que, em 19 de março de 1995,
publicou esta charge. A ideia básica era a polícia contra os carros com insulfilm,
cuja  modernidade - corriqueira em nossos dias - começava a incomodar a segurança. Daí o vexame
do guarda diante do impasse: que fazer com meu superior?


Quem não teve uma Barsa, deve ter consultado ou, na pior, sonhado com uma na estante de casa.
Atualmente, diante da expansão dos meios de comunicação, virou peça de arquivo. Este anúncio compartilhei de A Crítica, março de 1995.


sexta-feira, março 27, 2020

ANÍSIO MELO, POR SUA MORTE (2010) 2


Retorno com a minha homenagem ao saudoso artista plástico Anísio Mello, que faleceu há dez anos, em abril de 2010. 

Entre tantas atividades, Anísio praticou a poesia, engajado com os fenômenos e os personagens míticos da nossa região. Trata-se de um amazonense, nascido em Itacoatiara, de profundidade.
Capa da publicação


Compartilho um de seus trabalhos, editado em julho de 1983 pela Secretaria de Educação e Cultura (SEC), então sob a gerência da professora Freida Bittencourt, no governo de Gilberto Mestrinho (1983-87). O projeto gráfico coube ao Coordenador de Assuntos Culturais Sérgio Cardoso. As ilustrações são do próprio homenageado.
Desde o título - De Bubuia (flutuar sobre a correnteza; boiar) e de outros termos bem regionais (como boto e mapinguari), podemos observar a canoagem de nosso saudoso poeta pelo beiradão amazonense. Para avaliar, leia o poema abaixo: 













Marapatá roubou minha vergonha.
Misturou água negra com barrenta
e sacudiu canarana doida varrida
que acenava ao boto num desejo impossível...
Vi, parado na canoa,
a floresta destilar o seu silêncio
chicoteado e trêmulo pelo grito do Mapinguari.
Quatro luas de banzeiro
rezando fino frio de chuva
na proa que afunda nas águas escandalosas,
e o rio se encharca, se empanturra
na festa liquida.

A chuva pingava pingando baldes de rios
e a canoa parada olhava o desfile.
O boto molhado não conquista ninguém.
A cabocla volúvel foi passear seu sexo
nas calçadas enxutas da cidade
onde o boto arrisca uma conquista.
A chita era bandeira de tacacáe anunciava a sua presença na avenida grávida
onde caçotes espantados devoravam vitrinas.

A canoa parada o rio serenavao espelho agitado e negro
onde a noite dormia no perau
mostrava a casa da mãe d’água
que me esperava há quatro luas

onde eu morria de amores nos seus braços
no acalanto das horas transparentes
do amor que se renova no cicio das águas
e traz à tona para a bubuia do sol
o brilho bêbado de ondas indecisas
que se quebram no abraço das árvores da beira.
A canoa desfila solitária
onde o rio é testemunha
e o boto morre de ciúmes...

quinta-feira, março 26, 2020

PMAM: NOTAS HISTÓRICAS



A implantação da República no país, em 1889, originou uma série de alternância no Poder Executivo, tanto no âmbito Federal quanto no Estadual. No Amazonas, a luta pelo governo envolveu
Eduardo Ribeiro
essencialmente militares do Exército (Villeroy, Taumaturgo Azevedo, Nery, Adolpho Lisboa, Eduardo Ribeiro e outros menos) e demorou até 1892, quando o capitão Eduardo Ribeiro consolidou sua hegemonia. Para tanto, contou com o inestimável socorro da Força Estadual, sob o comando do major PM Afonso de Carvalho.

No início do seu governo, Ribeiro recebeu de uma comissão nomeada para averiguar a administração financeira de Taumaturgo de Azevedo, o Relatório “de exame no Tesouro Estadual [atual secretaria de Fazenda] em abril de 1892”, do qual compartilhei o tópico sobre a Polícia Militar. Chamo atenção para a relevância do último paragrafo desse documento (destacado).

Tomei a iniciativa de atualizar a ortografia e acrescentar algumas observações, onde cria ser necessário. Do quanto olvidei ou desconhecia nestas anotações, deixo à critério de futuros historiadores sobre esta corporação.


BATALHÃO DE POLÍCIA
Por decreto nº 5, de 5 de janeiro último [1892], foi reorganizada a força pública do Estado, sendo por oficio n° 86, de 1° de fevereiro, declarado ao Tesouro que os vencimentos dos oficiais e praças do batalhão de polícia a contar de 1° de janeiro último em diante, fossem pagos pelas tabelas enviadas por cópia, devendo a despesa ser considerada como Crédito legislativo por serem insuficientes as verbas dos 4, 81 e 82 do art. 2° da lei orçamentaria vigente, sendo em oficio de 23 do mesmo mês mandado anular daquela para estas verbas as despesas com tais pagamentos.
Semelhante reorganização criou a necessidade de serem aumentadas as respetivas verbas, trazendo com isso embaraços ao serviço público, o que já não teria sucedido sendo ela feita respeitado o disposto no art. 5° da lei nº 27, de 12 de dezembro de 1891.

§ 82. Vencimento das praças de pré.
Afonso de Carvalho
Pela verba acima foi mandada pagar vencimentos aos indivíduos armados e aquartelados no edifício do Liceu Amazonense para defesa da autonomia do Estado ameaçada pelo Governo Federei ao que o Estado tenha entrado em sua vida normal. (Ofício da presidência nº 123, de 13 fevereiro 1892.
Pela mesma averba foi irregularmente entregue pelo Tesouro ao Quartel-mestre do Batalhão de Polícia, vencimentos tirados em pré especial a favor de uma praça falecida a 14 de janeiro último, sendo o referido pré datado e apresentado a 20 do dito mês. À semelhante pagamento não podia o Tesouro deixar de opor-se, porquanto dependia sua autorização de habilitação dos legítimos herdeiros e isto nunca em pré do Batalhão e, sim, mediante petição de quem de direito.

§ 83. Prêmios a voluntários.
Ainda a 23 de janeiro foi igualmente entregue, por conta da verba supra a importância de Rs. 200$000 como prêmio de voluntário devida a mesma praça acima referida. Achando-se em idênticas condições a entrega da dita importância nada mais a respeito tem a dizer a comissão.

§ 85. Fardamento e equipamento.
Por esta verba foi autorizado o pagamento a título de meio soldo mandado abonar aos oficiais e praças do batalhão de polícia visto terem prestado todo o apoio ao governo legal, passando noites em claro estragando seu fardamento, merecendo tão bons servidores da pátria e amigos do povo uma gratificação para reparar seu fardamento. (ofício da presidência nº 12, de 22 de janeiro último).

Ainda por esta verba foi mandado entregar a José Cláudio de Mesquita representante da casa J. H. Andresen a quantia de 68:000$000 [sessenta e oito contos de réis] por ofício reservado sob o nº 67, de 25 de janeiro último, mediante saque a vista contra London H. Bank Limited, para ser ali entregue ao encarregado de fazer na Europa a compra de armamento e instrumental para a banda de música do batalhão de polícia.


quarta-feira, março 25, 2020

ANÍSIO MELLO: POR SUA MORTE (2010)

Anísio Mello (2009)

Em abril próximo, dia 11, completa-se o primeiro decênio da morte do multiartista Anísio Melo. Tentei com amigos dele executar algum movimento que pudesse lembrar a efeméride, todavia, não deu por variados motivos. O principal – o coronavírus, que escorraçou todos das ruas e praças, impedindo agrupamentos, para os imobilizar em casa.
Vou aproveitar este espaço, ainda que singelo, para divulgar certo material do Anísio Mello; material que, condenado ao entulho pela desídia de familiares, adotei quando de seu falecimento. Almejo, até a data mencionada, cumprir o prometido.
Dou início a esse desfile com a notícia sobre evento patrocinado pelo ateliê Esther Mello, fundada pela genitora do mencionado. Sob a denominação de Liceu de Artes do Amazonas Ester Mello, funcionou até a morte do filho (2010), na avenida Joaquim Nabuco. A notícia circulou na edição de A Crítica (18 março 1995), exatos 25 anos. 

Recorte do jornal A Crítica (18 março 1995)

A exposição Novos Talentos do Liceu de Artes do Amazonas “Esther Mello" inicia hoje no Centro de Artes Chaminé, e segue até o próximo dia 31 do mês, apresentando obras dos artistas plásticos Arnoldo Cagi, Geny Bezerra Cordeiro, Clio Baraúna de Carvalho e Natália Brígido Nobre.
São ao todo quarenta e três quadros que reproduzem a cultura amazônica. Entre as 13 telas de Natália Nobre, estão na exposição “Paisagem Espatulada”; “Lago”; “Igapó” e “O Bailarino”. 
Nas obras de Arnoldo Cagi estão incluídas “Paracuúba”; “Águas Barrentas”; “Porto de Canoas”; “Flutuante”; “Adoção” e “Pulmão do Mundo” e entre os quadros apresentados por Geny Cordeiro estão “Paisagem Igapó”; “Anoitecer”; “A Festa dos Botos”; “Natureza Morta" e "O Calvário da Tartartiga”.
Quanto a Clio Baraúna de Carvalho, sua participação na exposição se restringe aos quadros “Paisagem”; “Natureza Morta com Flores”  (foto) e “Natureza Morta de Frutas”.

segunda-feira, março 23, 2020

10 ANOS DESTE BLOG



Quando iniciei este Blog, há dez anos, não pensava chegar tão longe. Desejava somente, como afirmei no vestibular e reafirmei pelo trajeto, expor o material que havia recolhido nas minhas andanças pelos arquivos. As coleções na cidade de Manaus e tantas outras que consultei pelo Brasil.


Comecei esta peregrinação pelos arquivos ainda quando estava no serviço ativo da Polícia Militar do Amazonas, até mesmo para divulgar alguns detalhes da história desta corporação. Escrevi alguns livros: o que mais tempo me consumiu foi Bombeiros do Amazonas (2012). Todavia, o mais festejado foi a biografia do coronel Adolpho Lisboa – Administração do coronel Lisboa – que me deu um prêmio da Prefeitura de Manaus (2007).
Placa comemorativa do Prêmio pelo livro Administração do
coronel Lisboa

Tentei investir em um Site, que até funcionou, porém, por pouco tempo. Não me adaptei ao avanço tecnológico, pois exigia conhecimento próprio e a idade não me ajudou. Desisti, de bom gosto. Seguindo na minha jornada, ultrapassei dia dessas 2.000 mil postagens.

Não que fosse efetuar uma festa pela data, queria somente registrar este fato com respeito. Todavia, o Covid19 roubou-me a satisfação. A idade impõe-me a quarentena, mas isso não me incomoda. Tenho repetido que estou em retiro, lembrando os velhos tempos juvenis quando passei pelo Seminário.

Em frente, Blog do coronel Roberto.

domingo, março 22, 2020

QUARENTENA & FESTA

Aproveito o retiro imposto pelo vírus para rearrumar meus arquivos. Hoje, porque amanhã se completam 10 anos de atividade no Blog do Coronel Roberto, foi expor algumas fotos próprias, que me agradam. Perdão pela pavulagem.
 
Pela ordem: a família; os cabelos, ainda; no Sete de
Setembro (1978), e ao lado do governador Henoch Reis.

Já reformado, nos jornais da cidade e os livros lançados;
e comemorando o 64º aninhos.

sábado, março 21, 2020

MORRO DA LIBERDADE: HÁ 50 ANOS


De quarentena, revi ontem um texto cinquentenário sobre o Morro da Liberdade, portanto, ainda da infância do bairro. O motivo de minha curiosidade sobre este bairro prende-se ao fato de ter ali residido por seis anos, a partir de 1959. E o segui visitando, enquanto meus familiares lá moraram.

O texto foi escrito para preencher a página dominical. Nele, bem se vê o intento de denegrir, de fazer gracejos com a periferia e seus habitantes. Incrível, mas a reportagem nada encontrou de positivo. Somente lama e prostituição predominam.
Encartado em A Crítica (30 março 1970), conheci os autores da reportagem: Irandy Souza, que escreveu o texto, foi meu concunhado. Aposentado, hoje mora em Curitiba (PR). Se voltasse a ler esse texto, certamente se envergonharia. Pinduca era o apelido do competente fotógrafo, do qual ignoro o destino.
 
Título e foto inseridos em A Crítica, 30 março 1970
 
Antes era só a rua Ceará, que abrigou os primeiros pobres vindos de Educandos. Depois um becozinho, que mais tarde foi transformado em rua Amazonas. O Morro começa ali onde morreu Marlene Paiva, num conflito entre a polícia e muitas pessoas. Subindo aparece o Mercadinho, onde a sujeira caracteriza bem o modo de vida daquele povo.
O macete pela sobrevivência é de dia e de noite. A alimentação é o peixe barato. A malária e outras doenças infectocontagiosas campeiam no lugar. O Morro não tem sistema de esgoto próprio: fossas de pequenas profundidades permitem a aglomeração de insetos transmissores de epidemias
Era um barranco alto, em que ninguém se atrevia a escalar. Já deu até onça no lugar. Depois apareceram os maus elementos, que matavam como o tifo na época. O Morro da Liberdade já teve a sua tradição, o bumba “Tira-Prosa”, uma escola de samba e a tribo dos “Irupixunas”.

VENDE-SE ÁGUA
A igrejinha não foi concluída. O distrito policial foi transferido para o campo do Olaria. Hoje o Morro da Liberdade paga por existir. As ruas promessas demagógicas dos falsos representantes. O problema tende a se agravar com as passadas chuvas. A erosão ameaça muitas famílias, já houve até desabamentos de casas. O Morro da Liberdade nunca viu asfalto, tampouco as plaquetas tradicionais: “Obras da Prefeitura”. Promessas para a solução dos problemas de água e esgoto já são comuns. (...)

MORRO DO FUXICO
Oitenta por cento das residências no Morro da Liberdade são de madeira ordinária e palha de coqueiro. Toda a área é precipitada e doentia. Enfrentar a lama no inverno, a poeira no verão e o carapanã todas as noites.

Só nasce hoje em dia no Morro quem já é predestinado a pagar um castigo. Contudo, vai-se passando no bairro da Liberdade. Com fuxico, confusão, fome, prostituição e doença. Adolescência anêmica e subnutrida é o retrato fiel de todo o sofrimento.


CHIQUEIRO DE PORCOS
Dona Francisca Gomes, uma mexeriqueira do beco do Paraiso, cria porcos no meio da rua, por isso já brigou até com a Raimundinha, mulher do seu Tibúrcio. No beco Santa Rosa há tanta sujeira que lembra até o “Forno do lixo”. Um dia, o “Mirandolino”, um porquinho jitinho e amarelado, saiu da casa da dona Conceição Cruz e se perdeu no meio do lixo.
Subindo, mais adiante, tem um armazém. Aparência bonita, que vende carne e peixe. Varejeiras se misturam com o ar que se respira no ambiente. "Leve, madame, tá amarelinha de gorda. — É carne boa, sabe!", berra o magarefe ladrão, de olhos esbugalhados em direção ao mirrado trocado da dona Nazinha. A carne nada em lama, em consequência da poeira lançada pelos heroicos ônibus que ainda se atrevem em cobrir aquela área.

BURACO DENTRO DE BURACO
As ruas são totalmente esburacadas. O Morro da Liberdade dá-se ao luxo de não registrar qualquer acidente automobilístico nas suas vias, uma vez que nem carroça pode mais subir ao local. A “Lora”, uma mocinha que serve a uma padaria do lugar, tem um calombo no meio da canela, desde a noite em que caiu numa vala na rua Brasil, onde foi falar com o namorado.
As ruas São Benedito, por onde trafegam os coletivos “Ana Cássia”, Ceará, Amazonas [onde morei], Brasil, Santa Rosa e São Vicente estão em situação deprimente. Tem buraco que chega a cobrir um homem em altura, sem levar-se em conta o lamaçal que aumenta à medida em que o inverno chega. (...)

Ilustração inseridas na reportagem de A Crítica, 30 março 1970

JÁ TEM TELEVISÃO
Apesar disso tudo, o Morro da Liberdade tem a sua vida noturna, porém perigosa. Lidermorro [?] e Libermorro são as duas agremiações que comandam o entretenimento da juventude morrense. No carnaval, o embalo é bastante pesado e as brigas se sucedem nos saiões.
Durante o dia dá mais porco e cachorro nas ruas que mocinhas se agarrando no escuro das noites. Muita gente já enricou e conseguiu arranjar posição política à custa daquela gente do Morro. Sofrer já é tradição no bairro, que até agora só tem uma faísca do progresso: energia elétrica. De todos os bairros de Manaus, o Morro é o único que ainda preocupa os serviços de erradicação de Malária. A média de visita às casas é de 6 em 6 meses. Todavia, aquela gente mudou resignada ao sofrimento.
Carregando água dia e noite, passando privações e perigo de vida, crianças, velhos, adolescentes já se acostumaram à vida do Morro. E ninguém vai enjoar, porque a vida é assim, cheia de altos e baixos. Um aparelho de televisão serve a toda uma rua, e quase diariamente surgem brigas de meninos e mulheres solteiras. (...)

SOFRER POR VOCAÇÃO
No igarapé do Quarenta se comprimem lavadeiras, pescadores, banhistas e curiosos. É um foco de piranhas famintas, mas todo mundo do Morro gosta. Aos domingos é o ponto preferido pela moçada. Muitos preparam carrinhos-de-mão e saem em fileiras portando latas d’água. Aquele sistema de lata d’água na cabeça foi modernizado. A gente do Morro, pela coragem e modo de viver, lembra muito bem os favelados do Pasmado. Esqueleto, Cantagalo e outros da Guanabara. A Severina, uma mocinha escura e franzina, lava roupas para a gente de São Jorge, Cachoeirinha, Boulevard e Vila Municipal. Ela passa o dia no Quarenta e tira os sábados para passar roupa. Assim vivem centenas de pessoas, esquecidas e mal alimentadas no Morro da Liberdade. O progresso poderia chegar pelas estradas, mas é bastante perigoso falar agora nisso.

UM BURACO
Espinha na garganta de muito motorista de praça, o Morro da Liberdade tenderá a desaparecer. Pois o mato, a buraqueira e o lixo tomam conta das suas ruas. Os táxis têm horror à palavra Morro, e as desculpas saem com razão: “Meu, me perdoa, lá não dá para ir”. E, com isso, tenderá também a desaparecer o único meio de transporte que são os coletivos. (...)

CARREGAR ÁGUA É UM HÁBITO
Nas ruas do Morro da Liberdade, meninos, moças, rapazes e até velhos se misturam naquele já tradicional ritual da “lata d'água na cabeça.” Ninguém reclama no Morro, pois quem é de lá não enjoa de sofrer. A noite é perigoso ter-se que andar pelas vias escuras e cheias de abismos. Cantigas de sapos vão noite adentro. O Morro lembra um interior brabo, onde a civilização se mistura com porcos, cachorros, cavalos e vacas magras que desfilam lado a lado. Contudo, é até interessante o bairro da Liberdade.
Em junho o bumbá desce à cidade e as índias entoam o cântico indígena das Irupixunas. O Morro só existe durante as festividades folclóricas. No mais é isso que se vê todo dia: buraco, mato, lama, poeira e doença.

quinta-feira, março 19, 2020

PADRE NONATO PINHEIRO (1922-94)


Na véspera da festa da Padroeira do Amazonas, 7 de dezembro de 1994, desapareceu o padre Raimundo Nonato Pinheiro, aos 72 anos de idade. Cultor primoroso da língua portuguesa, exerceu esse dote em todos os jornais de nossa cidade. Escreveu apenas um livro, em tributo a dom João da Matta, que foi bispo do Amazonas.
Quando Nonato Pinheiro faleceu, ele ocupava espaço no matutino A Crítica. Calderaro – dono do jornal – necessitava substituir o respeitável articulista, desse modo foi em busca do substituto. Quem descreve esse assédio é o próprio sucessor, José Ribamar Bessa Freire, que conhecemos por Táqui pra ti, título de sua coluna jornalística, em nossos dias encartada no Diário do Amazonas.

A publicação de Bessa Freire ocorreu em A Crítica (17 março 1995), aqui compartilhada.

Recorte extraído de A Crítica (17 março 1995)

Durante muitos anos, nós nos habituamos a encontrar, aqui neste espaço, todas as sextas-feiras, o artigo do padre Nonato Pinheiro. O padre nos deixou e fui convidado a ocupar o seu lugar. A tarefa não é fácil. Padre Nonato tinha os seus leitores cativos, entre os quais, desde já, eu me coloco. Dono de uma prosa elegante, ele dominava a chamada norma culta da língua portuguesa como o Romário — o Romário não, o artilheiro Túlio — domina a bola. Tinha intimidade com a sintaxe, manejava a gramática com extrema habilidade e conhecia profundamente os grandes mestres do idioma, com quem convivia através da leitura sistemática de suas obras.
Perfeccionista, padre Nonato era muito exigente com as questões do idioma, nos seus mínimos detalhes. Não perdoava os vícios de linguagem. Uma vírgula fora do lugar, para ele, era como um chute fora do gol para o torcedor fanático de futebol. Um erro de concordância, então nem falar! Padre Nonato saía em campo, brandindo sua espada invisível contra o agressor do idioma. Ele era uma espécie de xerife da língua portuguesa, guardião da sua pureza, vigia do seu uso correto da sua graça e encanto.
E como era erudito, esse padre Nonato! Era bom ler em sua coluna resenhas sobre os livros que recebia ou comentários sobre questões polêmicas de filologia. Talvez, com sua morte, tenha sido enterrado o último amazonense que escrevia e falava latim e ainda traçava o grego antigo. Mesmo sem compartilhar plenamente a sua visão sobre a língua e o seu uso, qualquer um de nós é obrigado a reconhecer que o Amazonas ficou mais pobrezinho com a morte do padre. Intelectuais com esse tipo de formação não existem mais.
Existiam antes, porque havia quem os formasse. Eis o que eu queria dizer: o padre Nonato teve a felicidade de ser filho da dona Diana Pinheiro. A minha geração, ainda de calça curta, aprendeu a ouvir com uma mistura de respeito e veneração o nome de educadoras como dona Natália, no Cônego Azevedo, e dona Diana Pinheiro. Com elas, até mesmo quem comia caroço de tucumã aprendia. Várias gerações aprenderam com Diana Pinheiro não apenas o ABC ou os conteúdos dos programas oficiais. Aprenderam princípios, valores éticos, formas de comportamento, posturas. A escola da dona Diana era uma escola de vida. Foi aí, neste berço, que começou a formação erudita do padre Nonato.
Pois é, leitor! Como eu ia dizendo, a tarefa de ocupar o espaço deixado pelo saudoso padre Nonato não é nada fácil. Por isso, começo hoje rendendo-lhe esta homenagem sincera e carinhosa. Requiescat in pace, padre Nonato!

quarta-feira, março 18, 2020

BANDA DE MÚSICA: MAESTRO JOSÉ ARNAUD


Ainda estou empenhado em produzir uma retrospectiva da Banda de Música da PMAM. Para tanto, para complementar este trabalho, há anos venho buscando familiares daqueles que dirigiram ou apenas integraram este corpo musical. De um desses contatos recebi, por intermédio do amigo dr. Antônio Loureiro, a carta aqui compartilhada.

Quem a escreveu foi dona Lacy Arnaud Soares, moradora do Rio de Janeiro, filha do saudoso José Arnaud (foto), que foi regente da Banda entre 1945 e 1948.


Rio, 20 de agosto de 2013
Prezado amigo Antonio José Loureiro.

Conforme conversamos estou remetendo os dados que consegui coletar sobre meu pai. Muita coisa terá se perdido no tempo, a quantidade de sua obra musical é muito mais vasta sem dúvida, mas estou remetendo o que restou.
José Arnaud nasceu em Sobral (CE), em 27 de fevereiro de 1895. Seus pais: Henrique Manoel Arnaud e Maria de Jesus Castro. Em Sobral viveu até os 15 anos, quando foi para a capital Fortaleza, e de lá para Manaus, onde permaneceu até 1950, quando se mudou para acompanhar os dois últimos filhos em seus cursos universitários. Primeiro para Belo Horizonte (MG), depois para o Rio de Janeiro, até seu falecimento em 11 de junho de 1978, no Hospital Central do Exército, aos 83 anos. Casou-se a primeira vez com Luzia Menezes Arnaud e foram seus filhos: Wanda Arnaud Gonçalves, Maria do Socorro. Arnaud Rocha e Carlos Alberto Menezes Arnaud.
Viúvo, casou-se com minha mãe, Caetana de Magalhães Arnaud, em 30 de junho de 1931. Seus filhos: Vandyr de Jesus Magalhães Arnaud e Lacy Arnaud Soares (eu).
Pelo que contava minha mãe, sei que entrou para o Exército em 1913. Participou do movimento tenentista de [julho] 1924 e mudou-se com a família para o Território Federal do Rio Branco [atualmente Boa Vista (RR)] até ser anistiado e reconduzido ao Exército, onde ficou até o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945.
Anúncio sobre o trabalho do
regente José Arnaud

Profundamente religioso, meu pai, era membro de uma confraria que fazia a vigília do Senhor Morto, na quinta-feira santa, na Igreja Matriz [Irmandade do Santíssimo Sacramento]. Era amigo dos padres da Igreja São Sebastião, os Capuchinhos, que iam à nossa casa, tomar um café e conversar. Eu tinha um medo grande de um deles, frei Ambrósio, que me parecia o Barba Azul. Certa ocasião em Tabatinga (AM), acampados, meu pai, com a devida autorização do comandante, organizou o “Natal de Jesus dos Soldados”, que ele descreveu, emocionado, em carta à minha mãe.
Por essa época, já residíamos na casa da Praça [Largo] São Sebastião [esquina da rua 10 de julho], em frente ao Teatro Amazonas e meu pai chefiava a Banda de Música do 27 BC, sendo a primeira figura a aparecer nas paradas militares, em sua farda de oficial, garboso e feliz por conduzir sua banda de música.

Lecionava, também, a cadeira de música nas principais escolas de Manaus Instituto de Educação do Amazonas, Colégio Maria Auxiliadora e Colégio Santa Dorotéia (onde escreveu várias músicas para as letras da diretora, madre Olívia Dias), fazendo parte da Associação dos Professores do Estado do Amazonas. Talvez o Colégio Santa Dorotéia possua alguma coisa a respeito, em seus arquivos. Lembro, particularmente de uma, por ocasião da visita do arcebispo do Pará, D. Mário de Miranda Villas Boas: “Viva o Papa / Deus o proteja / o Pastor da Santa Igreja”. Sei, por que fazia parte da apresentação, como aluna do colégio.
Correto, um profundo senso de dever, e apreciado no meio que convivia, meu pai foi convidado pelo comandante para fazer um curso de armamento e passou a examinar todas as armas e munições que entravam na cidade de Manaus, sendo chamado, durante a Segunda Guerra à Base Aérea de Natal (RN), até a guerra acabar. Já em Belém (PA), recebeu um comunicado para que continuasse a viagem até Natal de avião. E livrou-se assim, de perecer no naufrágio do navio que foi à pique em águas brasileiras.

Registro sobre o maestro em livro de alterações, existente no Museu
Tiradentes, Palacete Provincial

Voltando à Manaus e passando para a reserva, não abandonou seu amor pela música. Organizou sua própria orquestra, com membros da sociedade local. Lembro de alguns nomes: pianista Jacy Madeira, Celani, prof. Lyra (meu professor de Física e Química, no Instituto de Educação do Amazonas). E das partituras de cada instrumento, espalhadas pela sala, no sofá, poltronas, cadeiras, para secar. Escrevi-as na mesa da estante, com caneta tinteiro e tinta nanquim. Passava, levemente, um mata-borrão abaulado com um botão em cima, e colocava para secagem.
Tocavam no Teatro Amazonas, abrindo os espetáculos, no Rio Negro, no Ideal Clube, no Luso, no Olímpico. Em nossa casa, no Carnaval, faziam blocos de “assustados” e os amigos eram sempre presentes.

Na reserva do Exército, José Arnaud foi chamado para reorganizar a Banda de Música da Polícia Militar, que passava por certa dificuldade na contratação de músicos competentes, tanto que seu antecessor, tenente Albino Ferreira Dantas, teria ido ao Nordeste em busca de novos músicos. Como regente da Banda de Música da Polícia Militar do Amazonas, permaneceu durante os anos de 1945 a 1948.


(...) Espero ter contribuído para atender o convite que me foi feito, e sinto-me honrada pela lembrança de meu pai, num acervo de tal importância. Estou enviando os originais devido o tempo dos documentos, para não prejudicar a impressão. É uma honra entregá-los ao acervo da Polícia Militar do Estado do Amazonas, onde serão, sem dúvida, mais bem aproveitados.
Infelizmente a maioria de suas partituras se perderam e não passaram pelas minhas mãos. Certamente as teria conservado, com o maior carinho.

atenciosamente
Lacy Arnaud Soares