CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

segunda-feira, setembro 30, 2013

PADRE NONATO PINHEIRO


Padre Nonato Pinheiro
No artigo abaixo, datado de 10 de maio de 1958, o saudoso padre Nonato Pinheiro lembra  pequenas passagens de sua vida jornalística. Os primeiros momentos de A Crítica, o veículo de comunicação  que hoje domina o jornalismo local. E ainda saúda o proprietário, seu amigo Umberto Calderaro.

O Clarão da Imprensa 

Padre NONATO PINHEIRO
(da Academia Amazonense de Letras) 
 

muito tempo que prometia ao meu amigo Umberto Calderaro, operoso e esclarecido diretor de "A Crítica", que dotou a imprensa amazonense de um órgão moderno, envolto num halo de fulgentes qualidades, enviar colaborações para o seu vitorioso jornal. Segundo acertamos, sua simpática folha estampará trabalhinhos de minha lavra nas edições de sábado. 

 
Para algum leitor novo, de poucos janeiros, mal saído da infância para a adolescência, parecerá que este trabalho é minha estreia neste jornal. Nada mais falso. Sou velho colaborador de "A Crítica". Querem a prova? Percorram as coleções do jornal. Mesmo nas instalações da rua Lobo d’Almada, "A Crítica" tem publicado artigos de minha forja. Parece-me que o último foi sôbre o grande Péricles Moraes, sob a epígrafe "Estilo de Clarões".

Minha colaboração frequente, contudo, foi na velha casa da avenida Eduardo Ribeiro. Ali colaborei com mais assiduidade. Fui eu que fiz a cobertura completa do SEGUNDO CONGRESSO EUCARÍSTICO REGIONAL, e os exemplares (permitam que fira a modéstia!) eram disputados pelos próprios prelados que compareceram àquele brilhantíssimo certame de fé. Os bispos tomavam seu desjejum na residência confortável do Sr. (Tales) Loureiro, na praça do Congresso, e ali mesmo devoravam "A Crítica".

Dom Helder Câmara e monsenhor João Ferrofino, que se hospedaram na residência do desembargador André Araújo, também não dispensavam a leitura diária do jornal. O noticiário era completo.

Como se vê, não se trata de estreia. Agora, porém, é com satisfação que registo o progresso sempre crescente do jornal de Umberto Calderaro, que há pouco festejou seu primeiro decênio de lutas incruentas e vitórias consagradoras. O jornal está bem instalado. A redação é das melhores. As oficinas bem montadas. Tudo isso é o prêmio que Deus deu a esse moço inteligente e dinâmico, que no mar azul de sua adolescência lançou as redes douradas de um sonho: dirigir um jornal moderno, que apresentasse os sintomas de uma imprensa sadia e progressista. Parece que o ideal foi atingido.

"A Crítica" nasceu. Primeiro era "onzerino". Circulava às onze horas, na primeira fase. Hoje é um matutino que entra em circulação logo cedo, como os demais. O diretor, ainda na primavera da mocidade, já colhe os frutos opimos da semeadura. As bençãos divinas jorraram a flux sôbre o jornal, que é hoje um patrimônio respeitável da família Umberto Calderaro e um justo orgulho da imprensa do Amazonas. 

Umberto Calderaro é um diretor esclarecido. De quando em quando vai ao Sul: examina, observa e assimila o que vê de novo e vantajoso para melhorar o seu jornal. Rasgam-se-lhe sempre novos e iluminados horizontes. Enviou seu secretário, o jornalista Gutemberg Omena, para fazer um curso de jornalismo.

Na redação e nas oficinas há sangue novo e gente competente. E mesmo os mais velhos, como o seu dileto genitor e o professor Glomyer, têm espírito de moços, que demonstram pela capacidade de trabalho.

Assinalo com júbilo a vitória do jornal. A imprensa é sempre um clarão. Mentora da opinião pública, é o grande facho que penetra nos lares, nas oficinas e nas instituições, levando o "plat du jour", a novidade do dia, e também o contingente da ilustração. Voltaire afirmou que os jornais são os arquivos das futilidades. Não é verdade. São os lustres que iluminam o povo. A imprensa é clarão. É a sagrada locomotiva do progresso, na frase lapidar de Victor Hugo!

quinta-feira, setembro 26, 2013

APARIÇÃO DE SANTA TEREZINHA

Santa Terezinha de
Lisieux
Milagre acontece? Sim. Manaus já experimentou alguns, esse, de caráter religioso, envolveu a aparição de Santa Terezinha de Lisieux e aconteceu há 70 anos. Três meninas, de sete anos, tiveram esse suposto privilégio. O fato logo se espalhou pela redondeza, tomou a cidade e ofereceu assunto por dias à imprensa baré.
Unicamente para situar o endereço para as novas gerações, o cine Popular existiu na esquina da rua Silva Ramos com  a rua Barcelos, onde hoje abriga uma casa de materiais de construção. O Alto Nazaré virou praça Santos Dumont. Ponto de referência? Basta ligar o GPS.  

Recorte do extinto matutino O Jornal, 26 de junho de 1943
De há muito tempo que o noti­ciário da imprensa local, não se ocupa de fatos de natureza a ar­rastar a curiosidade pública a verificar de perto a autenticidade da notícia, principalmente em se tratando de milagres. Hoje, te­mos para o grande publico que lê os nossos diários, ávido de sen­sação, a nova de uma aparição, que desde ontem, às 12 e meia, vem revolucionando os moradores do Alto de Nazaré, avenidas Barcelos e Apurinã, transeuntes, passageiros dos bondes de Cir­cular, Flores e Bilhares, que àquela hora passavam próximo ao Cinema Popular, no trecho que demanda a avenida Barcelos can­to com a avenida Apurinã.
E' que, à avenida Barcelos, canto com a avenida Apurinã, no alto de um terreno onde tem sua resi­dência o Sr. João Figueiredo, jun­to a 3 estacas, por tras de um frondoso pé de jurubéba, foi vis­ta por 3 crianças, que brincavam em frente ao cinema, a figura de Santa Terezinha, de braços dis­tendidos, linda como nunca.

Ma­ria Júlia, de 7 anos de idade, foi a primeira a avistar a Santa, sentindo uma forte impressão, a pon­to de sofrer um ligeiro desmaio, enquanto as suas duas coleguinhas, Francisca Fátima e Carmelita Figueiredo, ambas de idade igual à de Maria Júlia, ao verem também a Santa milagrosa, salta­ram de contentes, tendo Francis­ca Fátima dado um grito de ale­gria, para, em seguida, chamar os que por ali passavam, para ver também a aparição, reunindo-se logo grande massa de curiosos, que foi aumentando à proporção que a notícia se espalhava, fican­do, dentro de alguns minutos, aquele pequeno trecho completa­mente intransitável, pois todos queriam ter a suprema felicidade de ver a milagrosa Santa, para pedir-lhe uma graça, para cum­prir uma promessa.

Avisada a nossa reportagem, para lá seguimos, na intenção de colher informes seguros, para tra­zer ao conhecimento do nosso público, o que, de fato, se estava passando.

Depois de um trabalho exaus­tivo, com muito sacrifício de pi­sões, de cotoveladas, consegui­mos vencer aquela massa huma­na, onde encontramos uns ajoe­lhados, outros rezando, outros com velas acesas, todos em di­reção à descida do barranco, para subir outro, com uma escadaria cavada no próprio barranco, caminho que levaria à onda de curiosos para assim mais de perto poderem ver, a olho nu, a aparição da querida Santa.
De­pois de trabalho extraordinário, acotovelando uns e outros, conse­guimos chegar ao alto do barran­co, onde deparamos com a casa do Sr. João de Figueiredo, que, àquela hora, ainda se encontrava em casa com sua familia, com­posta de 10 pessoas.

Ainda cansados e suados, avis­tamo-nos com a dona da casa, a quem interpelamos a respeito, respondendo-nos, amavelmente, que nada vira, mas que várias pessoas atestavam a veracidade da afirmativa das 3 crianças, que antes já haviam sido interpeladas por nós. Depois de alguns minu­tos para o repouso, descemospelo mesmo lugar, com o mesmo sacrifício para romper a massa ávida de sensação, para receber o favor de poder ver o milagre.
A nossa reportagem continua a postos, sendo revesada de duas em duas horas, para não perder o mo­mento supremo de poder também ver a milagrosa Santa, e para trazer melhores informes aos nos­sos leitores.

quarta-feira, setembro 25, 2013

BANDA DE MÚSICA DA PMAM: 120 ANOS (9)

Tenente músico do Exército
José Arnaud
Prosseguindo com meu trabalho sobre esta corporação musical, lembro neste espaço o 2.º tenente José Arnaud, que integrou esta Banda em duas ocasiões: como músico iniciante (1913-17) e como regente (1945–48).


Outro adventício, José Arnaud nasceu em Sobral (CE), em 27 de fevereiro de 1895, filho de Henrique Manoel Arnaud e de Maria de Jesus Castro. Certamente já iniciado na arte musical, aos 15 anos alcançou Fortaleza, e naquele porto embarcou para a capital do Amazonas, que assistia aos derradeiros resplendores do período áureo da borracha. Em Manaus permaneceu até 1950.

A meu ver, deve ter desembarcado em Manaus, no final de 1912. Um pouco antes de sua inclusão, aos 18 anos e, ainda, solteiro, na Polícia Militar do Amazonas, na condição de músico de 2.ª classe. Seu ingresso ocorreu em 24 de janeiro de 1913, na abertura do governo de Jonatas Pedrosa, quando este governante impôs uma reorganização à Força Estadual, levado pela rebelião promovida por oficiais desta corporação, em dezembro de 1912.

Arnaud foi elevado a músico de 1.ª classe, em 2 de janeiro de 1915. Nesse nível permaneceria mais dois anos, sendo “excluído por conclusão de tempo”, em 1.º de março de 1917.  Desse modo, nessa primeira etapa, Arnaud integrou a Banda de Música do então Batalhão de Segurança, hoje Polícia Militar do Amazonas, por mais de quatro anos. Voltaria mais tarde como oficial, para exercer a regência da mesma.

Certamente trocou a Banda da Polícia pela do Exército, ao se engajar no 27.º BC, então a unidade da Força Terrestre mais representativa em Manaus. Nela prosseguiu exercitando a arte musical, e tanto prosperou que a deixou na condição de oficial (2.º tenente músico da reserva do Exército).

É fato, pois compartilhou com os camaradas na Rebelião de Ribeiro Junior, em julho de 1924. Também é de conhecimento geral, que os rebelados foram punidos. Ao tenente Arnaud coube o exilo na cidade de Boa Vista (atualmente, a próspera capital do Estado de Roraima), então sede do município amazonense esquecido nas dobras do rio Branco. Ali permaneceu por anos, junto com a família do primeiro casamento (do qual nasceram três filhos), consumado com Luzia Menezes Arnaud, até ser alcançado pela anistia. Anistiado, conta sua família, recebeu da União uma “indenização” que lhe permitiu adquirir residência própria em Manaus.

O segundo casamento ocorreu em junho de 1931, com Caetana de Magalhães, com a qual gerou os filhos: Vandyr de Jesus e Lacy Arnaud Soares. Foi esta sua filha, residente no Rio de Janeiro, quem me forneceu parte destes dados, talvez os mais destacados. Lembrou a atividade do professor Arnaud, que ensinou a arte musical tanto em escola pública (Instituto de Educação do Amazonas), quanto particulares (Colégio Santa Doroteia e Nossa Senhora Auxiliadora), incluídas as aulas em sua residência, localizada a rua Dez de Julho esquina da rua Costa Azevedo, no largo de São Sebastião, onde hoje temos um restaurante japonês.

Da produção musical deste maestro, quase nada existe. Para o trabalho sobre a Banda de Música da PMAM, a própria Lacy Arnaud efetuou uma garimpagem entre os familiares para descobrir poucas fotos e duas obras completas. Indicou-me ela o Santa Doroteia como um dos locais de possível “descoberta”, porque seu pai havia musicado alguns poemas e hinos escritos pela diretora desta escola, nos idos de 1940. Minha primeira tentativa, porém, foi amarga. Nada. Mas, ainda não me confrontei com a diretora atual, que sei vai me ajudar.

Semelhante empecilho, a ausência de subsídios, também eu encontrei junto aos arquivos da Banda da PMAM. Aliás, nada encontrei, porque sequer foi-me permitido pesquisar. Somente fui informado pelo mestre atual que, da lavra do tenente Arnaud, nada existia! Minha próxima parada ou local de busca será a Banda do CMA, cuja origem repousa nos músicos pertencentes à Banda do 27º BC, e em cuja regência esteve o tenente Arnaud.

Tenente Arnaud voltou à Força Policial trinta anos depois. Em 4 de julho de 1945, ele aceitou o convite do interventor federal, Álvaro Maia, para dirigir a Banda de Música da corporação, “sendo-lhe conferidas as honras de 2.º tenente desta Força”. No dia imediato assumiu o encargo. Contudo, somente a 29 de janeiro seguinte foi nomeado para “o cargo de 2.º tenente mestre de música”. Era comandante da Força Policial o capitão do Exército Manoel Expedito Sampaio, no posto de tenente-coronel PM.

Como sempre fizera, este regente cumpriu seus deveres com determinação, pois vibrava com a sua posição de Mestre, a frente da Banda, abrindo os desfiles, em especial o do Dia da Pátria.  porém, não chegou a completar o terceiro ano de atividade na Banda. Solicitou dispensa e foi “dispensado da comissão que vinha exercendo”, em 11 de março de 1948. Em 1950, retirou-se de Manaus, para acompanhar seus filhos em cursos universitários. Passou primeiro por Belo Horizonte, para depois se fixar no Rio de Janeiro, até seu falecimento no Hospital Central do Exército, em 11 de junho de 1978, aos 83 anos.

terça-feira, setembro 24, 2013

NPOR - PRIMEIRA ETAPA (2)


Mais uma contribuição de aluno do NPOR, órgão do Exército que funcionou nesta cidade durante a Segunda Guerra Mundial. Esta, o tema do artigo publicado há 70 anos, em O Jornal, 12 de agosto.
 
 
Quando da deflagração da guerra atual, e dos sucessos obtidos a princípio pelos nazifascistas, o mundo teve ocasião de assistir a derrocada de vários países. Os povos que se deixaram iludir pelos propósitos de paz, mantidos nos aplausos dos representantes das nações em Genebra, quando os países que representavam, às escondidas preparavam-se para o trágico 2 de setembro de 1939, data em que novamente se pôs em choque o poderio militar das potencias mundiais, sentiram a necessidade de um preparo maior, a fim de defenderem o que de mais precioso haviam conquistado no terreno social, político, econômico e religioso.
A mesma Alemanha que em 1914 fizera estalar (sic) o conflito mundial, atravessando a fronteira polonesa, naquele dia levou a fome, a destruição e a morte à infeliz Polônia. Não parando aí as suas investidas, cedo a guerra atingiu todas as partes do mundo, vindo até nós, trazida pela felonia malsã dos piratas germânicos, afundando navios nacionais e ceifando vidas preciosas de patrícios nossos.
O Brasil soube repelir a afronta sofrida, declarando guerra ao nazismo e a seus asseclas, ao mesmo tempo em que lançou um apelo aos seus filhos, chamando-os ao cumprimento do dever, nos campos, nas fábricas, nas oficinas e nos quarteis. O Brasil mobilizou-se militar e economicamente. E a guerra foi recebida por todos nós, como uma medida extrema, porém, necessária, dada a nossa índole de povo pacífico.
Sempre fomos uma nação consciente e respeitadora da soberania alheia. Não se queira com isso, ver na formação nacional de nossa pátria, uma atitude inversa a que sempre ditaram os postulados cívicos do Brasil. Ao contrário, nunca nos esquecemos do dever a cumprir nos instantes precisos, não diminuindo a resistência e o valor próprios quando necessários, ao mesmo tempo que não deixávamos relegado ao esquecimento o preparo moral e material de  nosso Exército.
A prova concreta disso tivemos agora, quando da nossa mobilização. Enquanto não se desencadeava a borrasca, no Brasil pensava-se em dotar o nosso país de um preparo técnico militar. Devemos os benefícios advindos desse grandioso plano da defesa nacional ao ilustre tenente-coronel Correia Lima, militar consciente e de raras virtudes, que previu a necessidade de um dia o nosso Brasil chamando os seus filhos à luta, contar com valiosos meios de defesa. Possuíamos uma reserva considerável, é verdade, dado o serviço militar obrigatório, mas, que não satisfazia uma circunstância premente, como a atual pela deficiência do número de oficiais.
As necessidades da guerra moderna exigem forças capazes e dotadas de um preparo, sem que nada se pode realizar no teatro das operações bélicas. O Exército brasileiro é dotado de ótimos elementos, formando uma elite de homens devotados, capazes intelectual e profissionalmente, mesmo assim não se poderia dar uma rápida solução que o caso exigia. O número de oficiais seria pequeno em relação às convocações. Faltava, portanto, para o Brasil uma reserva de oficiais. Dessa forma, a ideia de Correia Lima foi aplaudida e a nação brasileira teve a satisfação de ver milhares de brasileiros, que hoje são oficiais, acorrerem aos Centros de Preparação, visando no oficialato a defesa da honra, da dignidade e do território nacional, quando para isso a Pátria precisasse.
Cedo se colheram os frutos dessa grande obra. Com a declaração de guerra, difundiu-se em vários Estados do Brasil, a formação desses elementos. O Amazonas também foi dotado de uma escola desse gênero, e a mocidade amazonense preocupada com os destinos do nosso país, ingressou no Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva, escola de civismo, técnico-profissional, onde se ensina a defender a Pátria, ministrando os conhecimentos necessários a um oficial, incutindo nos cérebros jovens, o respeito, a obediência, a camaradagem e a disciplina sob a orientação de oficiais competentes.

segunda-feira, setembro 23, 2013

NPOR - PRIMEIRA ETAPA


O Núcleo ainda existe, e teve início com a formação de jovens para a Segunda Guerra, com sede no GE Marechal Hermes, que existiu na rua José Clemente, na lateral do Teatro Amazonas. Nessa primeira etapa foram matriculados 100 alunos. Muitos e muitos escreveram respeitáveis páginas na sociedade amazonense. Hoje tomo o artigo de um aluno, que era filho do inesquecível Agnello Bittencourt, prefeito de Manaus e fundador do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas.
Uchoa Bittencourt passou ao Rio de Janeiro, onde completou sua formação e viveu até sua morte. Apesar da distância, pertenceu à Academia Amazonense de Letras. 

NPOR, ESCOLA DO CORPO E DO CARÁTER (*)


Aluno  nº 61 – Agnello Uchoa Bittencourt

Findo este ano de instrução e trabalho, não estou arrependido. É claro que ninguém espera viver por lá entre o carinho maternal dos instrutores. Não creio que alguém aguarde receber mimos em vez de travar conhecimento com as asperezas naturais da vida militar. Por lá nem tudo sorri. Um severo programa de instrução foi rigorosamente executado.
Grupo Escolar Marechal Hermes, sem data
Doutores ventrudos afinaram. Meninos pálidos tomaram aveia para aguentar o rojão. O rigor e a honestidade profissional dos examinadores constituíram e constituem um crivo – duro de passar. Afinal de contas o NPOR não é um bombom. Mas os fins para que foi criado estão sendo plenamente atingidos.
A primeira turma, a sair em junho de 1944, já evidencia o cuidado e a dedicação de que estiveram possuídos os encarregados de seu preparo, todos eles profundamente adestrados nas técnicas do ofício. Professores não apenas de assuntos militares, professores, sobretudo, de civismo e probidade funcional, não decepcionaram absolutamente o idealismo dos moços que, em setembro de 194 2, ocorreram à matricula.
Esses moços – é a voz dos entendidos --, findo o segundo período letivo, estarão perfeitamente aptos à futura condição de oficiais da reserva, a que se destinam. A sua eficiência foi plenamente revelada em várias oportunidades, já no período do recente acampamento, já em árduas operações figuradas, já em quantas provas os tenham submetido os seus instrutores.
Mas o alcance do Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva não se resume no exercitamento técnico dos seus rapazes. Vai mais dentro. A aproximação cordial que veiculou entre o elemento militar e o civil, polindo arestas, reformando conceitos infundamentados, esclarecendo atitudes, foi talvez a sua melhor obra. Este último, aliás, retemperou-se de saudáveis virtudes da caserna. Noto, na vida de muitos alunos do Núcleo, uma integração num sentido de ordem e produtividade, aprendido no exemplo dos superiores e na sabedoria dos regulamentos.
Cérebros entorpecidos por uma malandragem intelectual viciosa adquiriram hábitos de trabalho, ganhando expressão e utilidade. O impenitente espírito de botequim de alguns se curou, em certos aspectos. Um banho de disciplina banhou-os, beneficamente. Eu mesmo usufrui, e agradeço algumas melhoras. Em verdade, cada um de nós, individualmente, logrou inúmeras vantagens. E, se em algum dia reclamamos, fizemo-lo tão somente excitados pela emoção contrafeita de algum exercício mais puxado.

Agora, em férias, já se pode fazer um juízo tranquilo. Daí, creio, não receberá o comando nenhum pedido de trancamento de matrícula. Até porque, sem as atenuantes de alguma circunstância imperiosa, esse ato de renúncia assumirá um sabor de fraqueza, recuo e fuga. Por outro lado, documentando a exata compreensão da excelência e virtude de suas finalidades, há muitos rapazes ansiosos por matricular-se. Como há, também, alguns hesitantes. Para esses, um conselho apenas, que não sou eu quem dá, nem os meus colegas do Núcleo, nem os seus dirigentes, mas a sua própria consciência: Mete a cara!
Não é conselho de urso. Senão, autopsiemo-lo nos seus motivos práticos, imediatistas, reverenciadores do egoísmo de cada um. Fala-se, cada vez com maior insistência e sob crescentes visos de realismo, no envio dum Corpo Expedicionário Brasileiro para operar na arrancada culminante da guerra. Pois, faça uma pergunta acaciana: Que é melhor – ir como soldado ou como oficial?

De ambas as maneiras, serve-se ao Brasil, é claro. Mas, como oficial, parece que a gente serve melhor.   E aí estão, para isso, os Núcleos e os Centros de Preparação. Ademais, não tardará muito e novo lote de “cartas de chamada” é distribuído, em desenvolvimento de alguma nova convocação. Ainda há pouco advertiu o ministro da Guerra, Gaspar Dutra, da possibilidade de procurar o Brasil atingir os limites de sua capacidade normal de mobilização.
Isso, para não falar em razões de são idealismo patriótico, a cujos apelos imperativos nenhum moço digno se recusará.

O NPOR abriu as suas matrículas desde o dia 2 (de agosto). Ainda há tempo.
(*) O Jornal, 10 de agosto de 1943.