CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

terça-feira, setembro 30, 2014

ILHA DE MARAPATÁ



A ilha de Marapatá é um acidente geográfico situado em frente a cidade de Manaus. Sua condição de ser submersa durante o período da enchente, trouxe-lhe diversas lendas. Antonio Loureiro, médico e estudioso da história do Amazonas, registrou o mais conhecido desses mitos em publicação no Suplemento Literário Amazonas (edição de dezembro de 1986). A ilustração é de Rosha (hoje chargista).

Quem sobe o rio Negro, na demanda de Manaus, à margem esquerda, logo acima do Encontro das Águas, tem a oportunidade de observar a ilha do Marapatá, separada da terra firme por um profundo e estreito canal. Na sua parte voltada para o leito principal, é flanqueada por um verdadeiro abismo, onde o sonar assinalou uma fossa de mais de cem metros de profundidade, indicando uma altitude negativa de dezenas de metros abaixo do nível do mar.

É uma característica ilha de várzea de rio de água negra, indo ao fundo todos os anos, durante a enchente, nela desenvolvendo-se uma floresta de igapó, de cor verde azulada, idêntica a de outras ilhas do mesmo tipo, existentes no rio Negro, como a dos Cachorros, a do Camaleão, e as incontáveis Anavilhanas, na baía do Boiaçu, mas diferente do verde claro da mata de igapó das ilhas dos rios de água barrenta.
Em todas as minhas passagens por ela, sempre ao largo, tenho recolhido interessantes relatos, contados pelos caboclos, sobre a aura mágica que a envolve. Uns citam as suas constantes mudanças de lugar. Outros informam, ali, existir um lago onde mora a velha Cobra Grande, que desde os tempos coloniais vagueia diante do Lugar da Barra, do Tarumã às Lages. Todos concordam ser ela um acidente geográfico encantado. 

No tempo em que o transporte fluvial era o único ligando Manaus ao resto do Mundo, gaiolas, vaticanos, transatlânticos, chatas, chatinhas, lanchas, escunas, saveiros, alvarengas, batelões, canoas, todas as embarcações trazendo passageiros para a cidade, passavam por esta estranha ilha do Marapatá, o que ocorre até hoje, pois, apesar da lenda, ela continua firme, no mesmo lugar. Nessa passagem obrigatória, marinheiros, retirantes, seringueiros, seringalistas, comerciantes, funcionários destacados para a região, governantes provinciais, militares, artistas, médicos, advogados, gerentes, professores, emigrantes e imigrantes, todos ou quase todos, com honrosíssimas exceções, ali deixavam, dizem os antigos, as suas consciências, ou as suas vergonhas, ou ambas, escondidas numa loca de ariramba, num buraco de piranheira, debaixo de uma sapopemba ou penduradas num galho qualquer de árvore. Até Macunaíma ali esteve antes de se tornar o herói do Modernismo Brasileiro.

Livres delas chegavam a Manaus e aí..., o seringalista perdia o seu solitário, o seringueiro gastava o seu saldo de anos, de trabalho na selva, os funcionários, os governantes e as demais autoridades esqueciam os seus deveres, em suma, todos, sem consciência e sem vergonha, desmandavam-se em desatinos nesta cidade de Nossa Senhora da Conceição.
Terminadas as suas "missões", de volta às origens, dizendo cobras e lagartos da terra que os enriquecera lícita ou ilicitamente, todos saltavam, novamente, na ilha do Marapatá, e recolhiam as suas consciências, ou as suas vergonhas, ou ambas, onde as tinham deixado, e iam viver em outras paragens, como honestos senhores. Muitos, porém, jamais as recuperaram, perdidas para sempre no emaranhado do igapó ou carregadas pelas enchentes, Amazonas abaixo. Os gemidos dessas consciências perdidas talvez sejam os escutados na assombrada ilha. 

Hoje, passados tantos anos, os que vêm de fora poucos usam o navio como transporte. O avião e o automóvel não passam por Marapatá. A Zona Franca está aí. Onde é que este pessoal todo está escondendo a sua consciência, a sua vergonha, ou ambas? Isto é uma estória para outra oportunidade.

domingo, setembro 28, 2014

SETE COM EDUARDO RIBEIRO




A famosa esquina de Manaus -- avenidas Sete de Setembro com a Eduardo Ribeiro, pela ordem: 1) no início do século passado, 2) meio século depois, e 3) vinte anos mais, quando o comércio da Zona Franca começava a despertar a capital amazonense.

Início do século XX


Anos 1950
Agosto de 1970

sábado, setembro 27, 2014

FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA




A FEB (Força Expedicionária Brasileira), que atuou na II Guerra (1939-45), contou com brasileiros de todos os quadrantes do país. Um amazonense, excepcionalmente, destacou-se, apesar de ter sido morto no conflito. A Revista Amazônia nº 5 – setembro 1998 – publicou o artigo abaixo, lembrando com detalhes a participação de nosso digno representante: Manuel Freitas Chagas, sargento. por ato de bravura.




Todos os Estados brasileiros estavam representados na FEB

(Força Expedicionária Brasileira) que foi combater na Itália na 2ª Guerra Mundial, e só um estado, o Maranhão, não teve um único morto na campanha.
Entre julho de 1944 e fevereiro de 1945, foram enviados, num total de cinco escalões, 22.445 expedicionários brasileiros, entre oficiais e soldados, para Nápoles, na Itália. A grande maioria desses soldados era formada por jovens de menos de 20 anos, ainda envoltos na audácia e empolgação características da juventude. Alistavam-se como voluntários para ir combater pelo país que pouco ou nada lhes dava. Do total de homens enviados, quase três mil sofreram ferimentos, com muitos ficando mutilados e 443 não voltaram com vida.
Os Estados amazônicos também choraram seus mortos, com exceção de Rondônia, Roraima e Amapá, ainda não criados e pertencentes ao Amazonas. Foram mortos quatro paraenses, um acreano e um amazonense, Chagas, o soldado que não voltou.
A tropa de amazonenses seguiu no último escalão e chegou a Nápoles no dia 21 de fevereiro de 1945, combatendo até 8 de maio e regressando ao Brasil em 20 de setembro.
O herói Chagas - Manuel Freitas Chagas nasceu no dia 2 de outubro de 1920 e era filho de Francisco André Chagas e Raimunda Nascimento Chagas. Teve uma única irmã, Regina, mais nova que ele cinco anos. Ainda criança, Chagas e Regina ficaram órfãos. Ela foi trabalhar e morar na Santa Casa de Misericórdia e ele foi morar com parentes, na av. Joaquim Nabuco (Vila Pedrosa), nº 38.
Talvez por não ver perspectivas de melhora de vida em Manaus, Chagas resolveu, quando contava 17 anos, alistar-se como voluntário, num navio da Escola Militar que aportara em Manaus com aquela finalidade, indo servir no Rio de Janeiro, prometendo à irmã levá-la junto, assim que tivesse condições, porém, isso nunca aconteceu. Quando estava para dar baixa do Exército, quebrou uma arma e foi obrigado a permanecer mais tempo servindo. No ano seguinte, 1939, teve início a 2ª Guerra Mundial e, é muito provável que ele não tenha mais podido dar baixa, permanecendo na ativa até a entrada do Brasil na guerra, em 1944. Quando os demais amazonenses rumaram para a Itália, Chagas já estava lá, pois havia embarcado no dia 2 de novembro de 1944, no 2º escalão da
FEB.
Da classe de 1920, Id. IG-305272, Chagas serviu no 1º Regimento de Infantaria. Em sua biografia, constata-se,
sua bravura e ousadia.

" Ex cabo de Infantaria, Manuel Chagas em combate no dia 23 de fevereiro de 1945, nas vizinhanças de La Serra, Itália. O cabo Manuel Chagas mostrou frieza e coragem debaixo de fogo inimigo no cumprimento do dever. Avançando sobre terreno montanhoso, chegou à observação de um ninho inimigo de posição vantajosa.
Organizou uma emboscada, conseguiu assaltar o mesmo, logo depois, dois alemães caíram na sua emboscada, os quais foram rapidamente presos.
O cabo Manoel Chagas rechaçou todas as investidas e tentativas de socorro e retirando-se debaixo de pesado fogo de
fuzis e armas automáticas, trouxe os prisioneiros às linhas amigas.
Com o resultado deste feito de bravura, foram obtidas muitas informações sobre posições inimigas".

Apesar de terem convivido pouco tempo juntos, as cartas de Chagas, da Itália, à irmã, em Manaus, são melancólicas e tristes. As palavras demonstram uma quase incerteza de retorno com vida, embora não quisesse demonstrar isso, tentando apegar-se à irmã como único ponto de segurança. Os lamentos de solidão são constantes.
Ato de bravura - Na manhã de 13 de abril de 1945, em Castel D'Aiano, o então sargento Chagas saiu junto com uma patrulha de reconhecimento rumo ao Monte D'Aiano. Afoito, afastou-se do resto da patrulha e descobriu um ninho de metralhadoras nazistas. Imediatamente voltou ao grupo, informando do acontecimento ao comandante.
Sem demora, a patrulha partiu na direção do ninho de metralhadoras e pegou de assalto um grupo de soldados alemães. Mais uma vitória de Chagas.

A morte - No dia seguinte, ainda com a mesma patrulha de reconhecimento, Chagas avistou uma casa abandonada
e não titubeou em aproximar-se. Desavisados, dois alemães saíram da casa e foram metralhados por ele. Foi então que o
destino se fechou para o amazonense. Empolgado com a sua sorte, penetrou na casa. Três alemães estavam lá dentro e fuzilaram-no com suas metralhadoras. Ali mesmo Chagas tombou morto. Quando o resto da patrulha chegou ao local, era tarde demais. Monte D'Aiano cairia, em seguida, em mãos brasileiras com a rendição dos soldados alemães.
Chagas foi sepultado no Cemitério Militar Brasileiro de Pistoia, na quadra D, fileira 1, sepultura nº 8, marca: lenho provisório, de onde sairia, dez anos depois, rumo ao Rio de Janeiro, para ser enterrado no Monumento aos Pracinhas, junto com os demais combatentes mortos.
Em Manaus, Regina receberia a notícia da morte do irmão através de um vizinho que ouvira no rádio o nome dele incluído na lista dos mortos. Dias depois, receberia o comunicado oficial através de um emissário do Ministério da Guerra.
Hoje, Regina está com 73 anos e, plenamente lúcida, ainda lembra de fatos de sua infância órfã, do irmão indo embora, de suas notícias do Rio de Janeiro e depois da Itália, guardando com carinho todas as cartas recebidas dele, seus diplomas e medalhas de guerra e, emocionada, diz não saber se valeu a pena ele ter ido lutar e morrer pelo país. O único busto do herói que existia em uma das praças de Manaus foi destruído e sumiu, e nenhuma rua leva o seu nome.

Condecorações recebidas:
Em reconhecimento aos seus serviços, o chefe do Governo brasileiro, o então presidente Getúlio Vargas, o promoveu post mortem à graduação de 3º sargento.
Condecorado pelo 5º Exército Norte Americano, ao qual a FEB estava subordinada, com a Medalha de Bronze. Uma comissão militar americana veio até Manaus, para entregar a medalha.
Condecorado com diploma e medalha Cruz de Combate de 1ª Classe da FEB, descrevendo seu ato heroico. Entregue em 1º de fevereiro de 1946, quase um ano após sua morte.
Condecorado com diploma e Medalha de Campanha da FEB, entregue na data acima. Reconhecia Chagas como integrante e participante das ações da FEB.
Condecorado com medalha Sangue do Brasil, entregue em seguida a sua morte. Os soldados feridos ou mortos em combate recebiam essa medalha.