CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quarta-feira, fevereiro 28, 2024

PMAM: SEUS PRIMÓRDIOS (28)

 Mais um capítulo sobre a história da Guarda Policial, ora Polícia Militar do Amazonas, no período provincial, compartilhado do meu almejado livro Guarda Policial (1837-1889).



Relatório Silvério Nery (foto)

No comando da Guarda Policial desde fevereiro de 1878, a 20 de julho, o major Silvério Nery endereça ao presidente barão de Maracaju consistente Relatório, tanto que foi anexado à Falla presidencial, que abriu a 14ª Legislatura Provincial (25 ago. 1878). O documento traz ampla apreciação sobre os diversos setores da instituição. Sublinha a falta de pessoal – quatro cabos; 41 soldados e um corneta, e quantifica o efetivo: major comandante; capitão (um); tenente (um); alferes (dois); 1º sargento (um); 2º sargento (dois); furriel (um); cabos de esquadra (quatro); soldados (41) e corneta (um). Total existente – 4 oficiais e 50 praças.

Página do Relatório

O armamento usado na corporação é do sistema Minié (importante rifle do século XIX, fabricado na França a partir de 1849, cujo sobrenome do criador – Claude-Étienne Minié – cunhou a identificação), adotado no Exército e que tem servido com proveito na Guarda. O correame, confeccionado de couro branco há bastante tempo, por isso bastante ressequido, “não se presta ao uso da Guarda”. Precisa ser substituído, requeria o comandante.

Nery expôs a situação do fardamento encontrado no almoxarifado, e foi implacável – simplesmente imprestável. Depois de periciado por uma comissão de oficiais estranhos ao corpo, foi dado “como consumido”. A fim de fardar os novos alistados, o comando teve que recorrer ao armazém dos Artigos Bélicos (do Exército), que “supriu esta Guarda com 30 calças de brim branco, 30 gorros de pano e 30 gravatas de couro”. Não cabe estranhar a composição deste uniforme, nem o socorro federal, pois, em nossos dias os recrutas usam calças jeans e camiseta básica, pior, adquiridas com o próprio bolso.

Ao abordar a situação do quartel situado na esquina da rua Governador Vitório, esclarece que “é um prédio particular que não tem e nem podia ter as divisões ou departamentos próprios para um corpo de tropa regular”. E conta sua iniciativa:

À vista do parecer da comissão e que tive ocasião de observar, deliberei transferir o quartel para outra casa, o que só se pôde realizar em abril, quando se obteve o prédio que serve agora de quartel, à praça de Pedro II canto da rua Governador Vitório. Remeti então ao inspetor do Tesouro Provincial o parecer da comissão, a fim de promover por motivo de força maior a rescisão do contrato da casa de onde saiu a Guarda Policial.

Enfim, o novo endereço da Guarda trouxe benefícios, pois a casa possuía maiores acomodações, apresentava-se asseada e “em perfeito estado de segurança”. O local é bem melhor que o anterior, além disso, o aluguel custa 120$000 réis mensais.

Nery destaca sua preocupação com a disciplina, com o castigo aos guardas transgressores; para conter qualquer desvio disciplinar recomenda a preparação de “um dos quartos inferiores da dita casa para servir de célula ou solitária para castigo dos praças”. Era correção, de fato!

Em Considerações Gerais, finalizando, o comandante analisa “o desânimo de indivíduos em se alistarem”, ou seja, o principal motivo que impede a Guarda de completar seu efetivo. Trata-se do “diminuto vencimento de mil-réis diários” pago ao soldado. E justifica com esses argumentos: 1) quantia insuficiente para um soldado se manter, nessa província, “onde tudo se vende por alto preço”; 2) a facilidade de alcançar maior salário “em qualquer serviço particular”; e 3) outras gratificações oferecidas, sem ter que enfrentar a penosa vida militar.

Para sanar essa penúria, Nery sugere à presidência que “aumente o dito vencimento” e que conceda uma gratificação ao recruta, pagável a metade no ato da inclusão e o restante “quando for excluso”, como pratica o Exército. Também os oficiais precisam de aumento de vencimentos, suplica o comandante.

terça-feira, fevereiro 27, 2024

RELÍQUIA POLICIAL MILITAR AM (2)

 A postagem recolhe a contribuição do saudoso mestre Mario Ypiranga Monteiro (1909-2004). Os folhetos em homenagem à PMAM lhe pertencem de dois modos: o do sesquicentenário da Independência do Brasil (1972) encontrei no acervo de sua biblioteca no CC Povos da Amazônia. Em 1973, no aniversário da Polícia Militar estadual, Monteiro escreveu o texto de Vida e Gloria da Polícia Militar e leu no palco do Teatro Amazonas, em sessão de homenagem à corporação. 

São passados 50 anos destas acalentadoras produções. A fotografia do à época quartel da Praça da Polícia  é do acervo pessoal.

Quartel da Praça da Polícia, c1972

domingo, fevereiro 25, 2024

RELÍQUIA POLICIAL MILITAR AM (1)

 A fotografia, aqui postada, foi impressa em um banner que esteve exposto no Museu Tiradentes da corporação. Com a transferência do acervo para a Secretaria de Cultura, este material foi descartado. Esta cópia pessoal realizei no hodierno quartel do CPM (Comando de Policiamento Metropolitano), quando o material do Museu aguardava mudança para a “nova casa” (Palacete Provincial).

Certamente a foto foi realizada no pátio interno do Quartel da Praça da Polícia, devido a arquitetura das janelas ao fundo. Apresenta o comandante da corporação entre 1941-45, major Gentil João Barbato. Convém destacar, no período da II Guerra.

Oficiais e praças da Força Policial do Amazonas, 1941

Empregando os policiais, coube-lhe administrar no Porto, o embarque e desembarque de passageiros e cargas; diante da escassez de gêneros alimentícios, foi gestor do cumprimento da tabela de venda no comércio; além desses encargos, a PM amparou com afinco a construção do prédio do Escola Normal, depois IEA (Instituto de Educação do Amazonas), visto que esta escola funcionava nos altos do quartel da Praça.

Na imagem, são vistos oficiais e praças devidamente fardados. Ressalto que somente há identificação do comandante, oficial do Exército, nascido em Santa Catarina. Todavia, é possível distinguir pelo fardamento alguns membros do Corpo de Bombeiros, à época incorporado à Força estadual.

sexta-feira, fevereiro 23, 2024

RELÍQUIA POLICIAL MILITAR AM

 As imagens refletem tópicos da minha passagem pela Companhia de Rádio Patrulha, em 1978, destacando a estrutura original da edificação.

Bernardo Almeida (dir.)

1.Minha recepção a um camarada que foi meu vizinho no Morro da Liberdade – Bernardo Almeida. Almeida, como era conhecido, foi proprietário de uma empresa de taxi, antes, no aeroporto de Ponta Pelada (hoje Base Aérea) e, adiante, no Eduardo Gomes. Ainda, foi o genitor de dois oficiais da PMAM, os coronéis Júlio Cesar e Walter Almeida, e tio do atual prefeito de Manaus – David Almeida.

Competição na quadra esportiva

2.Aqui mostra uma competição de voleibol entre unidades policiais na quadra ainda existente no aquartelamento, ocorrida em agosto. A foto, tomada do alto da caixa d’água, permite diversas leituras: poucas viaturas, com a garagem vazia; ausência de árvores junto ao prédio do corpo da guarda; deficiência de veículos particulares; e a diminuta casaria defronte ao quartel, na rua Dr. Machado.

Portão centenário

3. Enfim, a marca da efeméride, o registro de final de ano, exposta no portão centenário existente no pátio à entrada da edificação. Este portão foi implantado neste local em 1972, na inauguração à época do quartel da Rádio Patrulha, hoje CPM (Comando de Policiamento Metropolitano).

quinta-feira, fevereiro 22, 2024

RELÍQUIA MANAUARA (2)

Compartilhada da revista RIONEGRINO, circulada em 1939, pertencente ao arquivo da Biblioteca Mário Ypiranga, no CC Povos da Amazônia.


A foto reúne sem muitos detalhes os treinadores de voleibol e basquetebol do Clube Barriga Preta, o Atlético Rio Negro Clube. Da tríade, é fácil distinguir ao Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Filho (1921-87), genitor do prefeito de Manaus e senador do Amazonas Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto (1945-). 

RELÍQUIAS MANAUARAS (1)

Pertencem ao acervo do IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro), sediado no Rio de Janeiro. E alcançadas quando ali passei uma temporada de pesquisas, em outubro de 2001.

A foto do 1º bispo do Amazonas – dom José Lourenço da Costa Aguiar (1894-1905).

Dom Lourenço Aguiar

As demais fotografias: o Álbum de lembranças de José de Freitas Passos, ofertado pelo pai, Astrolábio Passos, fundador da Escola Universitária Livre de Manaus (1909), sucessivamente chamada de Universidade de Manaus (1913) e ora Universidade Federal do Amazonas.

Capa e páginas do Álbum 



segunda-feira, fevereiro 19, 2024

ANTHISTENES ANALISA BACELLAR


Enredado com a leitura de Suíte Crítica: estudos sobre a poesia de Luiz Bacellar, livro organizado por Allison Leão & Mariana Vieira, e editado em 2023, voltei aos meus papeis arquivados. Para meu gaudio, encontrei a análise que o falecido acadêmico Anthistenes Pinto elaborou sobre a poesia daquele poeta. A apreciação foi publicada no Jornal do Commercio, edição de 28 abr. 1974, aos vinte anos de criação do Clube da Madrugada.
Luiz Bacellar

Estamos diante de uma poesia rica de significados estéticos. Luiz Bacelar é o faber dessa matéria construída por sutilezas emotivas e artifícios verbais que a tornam, para muitos, um tanto inapreensível ao primeiro contacto. Surgiu de corpo inteiro na literatura amazonense ao ser laureado no Concurso de Poesia da Prefeitura Municipal do ex-Distrito Federal (1959), que premiou seu livro de estreia "Frauta de Barro" mediante parecer favorável da Comissão Julgadora constituída por Manuel Bandeira, Carlos Drumond de Andrade e José Paulo Moreira da Fonseca. A dificuldade encontrada na convivência com a sua poesia, decorre tranquilamente de ser o autor um poeta que exige de si mais do que lhe podem fornecer as meras circunstâncias do cotidiano poético, surgindo PARI PASSU a febre criadora de renovar palavras, de perquirição do ilógico no levantamento das possibilidades metafóricas de transformar o prosaico, a lágrima, o riso, o tédio, o gesto e o sonho, em versos que se instituem numa realidade proposta pelo artista.

O meu torpedo de tinta

que explode em versos singelos

-- vozes do povo, farelos

desta seara nunca extinta; 

Poesia fácil de entender, esta poderia ser a forma de classificá-la dentro do sistema -- um tanto quanto rígido, formal -- de comunicação poética do autor com a inteligência de um público exigente, cujo nível de sensibilidade se coloca numa escala fora dos sentidos comuns, por assim dizer, numa altura livre das interferências genuinamente epidérmicas. Mesmo assim, a quase totalidade do seu livro “Frauta de Barro” traz no seu bojo “as vozes do povo, farelos desta seara nunca extinta”; prevalecendo os temas simples do dia-a-dia poetizável sobre o jogo artificioso das imagens corroídas pela sarna do parnasianismo, cujos símbolos apanhados no celeiro comum das estrelas, servem apenas de equilíbrio na estrutura dos sonetos e poemas.

Jamais um poeta esteve tão fisicamente presente, com pés firmes nas ruas de sua comunidade, sentindo-a com tantas emoções, sensível ao toque do acordar exato com as vozes dos pregoeiros, integrado, finalmente, nos acontecimentos sociais que o circundam:

Há tanta angústia antiga em cada prédio;

em cada pedra, -- nua e gasta. E agora

em necessário pranto que demora,

o amargo verso vem como remédio

 

pelos sonhos frustrados de cada hora

da ingaia infância. Madurando o tédio

nos becos turvos, porque exige e pede-o

inquieta solidão que assiste e mora

 

em cada tronco e raiz, calçada e muro:

Chora-Vintém, o Pau-Não-Cessa. Impuro

se derrama em palor de luta morta

 

nas crinas tristes, no anguloso flanco:

memória e angústia fundem-se num branco

cavalo manco numa rua torta. 

O poeta que assim traduz seu conúbio com os limites do seu mundo externo, obviamente que fez à sua opção: estar umbilicalmente compromissado com os seus semelhantes, custe-lhe embora essa opção tropeços e desenganos ingênitos à natureza dos seres gerados do homem. Neste livro se incluem os primeiros mapeamentos de um espaço conquistado para receber as formas imutáveis de uma poesia que já nasceu madura, e que se faz no tempo com a mesma perseverança das ruas, prédios e telhados que urdem a solidão urbana dos seus temas prediletos. Não se pode mais ler o livro sem ligá-lo ao homem. Cada página sua revela o inefável dos mistérios que se dividem entre os bens do sangue e a rigorosa linguagem de amor que o poeta dedica aos objetos do seu cotidiano.

“Sol de Feira”, editado em 1973, dez anos depois do seu livro de estreia, escuda-se igualmente na chancela de um primeiro lugar (Prêmios Estado do Amazonas de 1968), em cujo relatório, o Conselho Estadual de Cultura depõe: “O poeta mostra neste livro que a poesia é tão fácil quanto a manga, o cacau, a tangerina, a melancia, a graviola, o maracujá, o murici, o fruta-pão”. E vai mais longe, pois enche seu cabaz (ou paneiro) de todas as espécies deparadas no caminho, para ofertá-las em sumo e canção aos famintos de corpo e espírito. São versos populares, e formam certamente ao lado daqueles que fazem hoje do cancioneiro popular, um veículo que aproxima a cultura do povo, numa constante permuta de costumes e sentimentos que o poeta refunde e transfigura.

Apesar das comparações eruditas, através das quais ele invoca os mitos gregos e a história asteca, seu emprego não tem de abusivo ou pedante, não chega, por isso, a constituir obstáculos “ao leitor comum”. Apesar do julgamento proferido pelo relator do prêmio, descobre-se em “Sol de Feira” uma poesia bastante laboratorial, erudita mesmo e até certo ponto distanciada do povo e de sua origem simples no pomolário amazônico, dando a impressão de ter sido modificado durante os cinco anos que mediaram de sua publicação. Seja, no entanto, válido arriscar que do ponto de vista técnico Luiz Bacelar, atingiu um nível bem acentuado, ombreando-se com o que existe de mais apurado na arte poética dos nossos dias. Prosseguindo na linha formal de “Frauta de Barro”, não se deteve o poeta diante das exigências dos rondós populares de “Sol de Feira”, afinando seu instrumento regional pelos acordes de Apolo e o capricho dos deuses astecas.

Conclusões: saboreou as frutas no pomar e fechou-se depois numa torre de marfim. Enriqueceu o volume de notas, sugestões musicais e um glossário dos pomos, mas, no contexto poemático propriamente dito, reduziu seu universo de audiências e uma pequena elite que, ao invés das frutas louvadas, prefere sempre a maçã, a pera e as uvas importadas. Assim, vejamos:

da bruta mata

na área trilhe

vens em perfume

grata vanilha

de parda fava

olente filha

em verde berço

de alada quilha

pólen de prata

fúlgida poalha

de brilhos magos

que o luar refrata

sobre a toalha

fria dos lagos

Salvo razões dessa ordem, a cargo naturalmente de uma crítica menos impressionista, presenciamos neste poeta uma experiência contínua no domínio do seu instrumento criador de belezas, com uma técnica pessoal sem dúvida merecedora dos aplausos que tem arrancado dos nossos melhores escritores.

domingo, fevereiro 18, 2024

SOBRE CRUZEIRO DO SUL-AC (3)

Contribuição para a história de Cruzeiro do Sul (AC), compartilhando o artigo escrito pelo saudoso cientista Djalma Batista (1916-79), nascido naquelas plagas. Trata-se da terceira e última parte do trabalho, publicado originalmente no Jornal do Commercio
(14 abril 1974), portanto, próximo de completar 50 anos.
Mapa ilustrado da região

Detalhe do referido periódico

Cruzeiro do Sul e circunvizinhanças têm sido berço de homens notáveis. Relembro, de passagem, o engenheiro de minas Elisário Távora, ex-diretor do Departamento Nacional de Produção Mineral e autoridade nacional de renome em geologia; os médicos Abel Pinheiro Maciel Filho (nascido no médio Juruá, abaixo de Cruzeiro, no Amazonas), que escreveu, há 50 anos, tese de doutoramento sobre o saneamento do Juruá e cuja vida, porém, foi dedicada ao Acre, sendo os últimos anos que lá passou consagrados ao problema da hanseníase; é um dos homens notáveis e beneméritos da terra, hoje residindo em Fortaleza; Adalberto Sena, que começou sua medicina em Cruzeiro, depois se transferiu para o Rio, onde se tornou reputado técnico em educação, sendo depois eleito e reeleito Senador pelo Acre, a que tanto honra; Laurênio Teixeira da Costa, ex-diretor do Instituto Evandro Chagas, em Belém, atualmente servindo no Instituto Oswaldo Cruz, no Rio, onde é dos pró-homens; o engenheiro agrônomo Rubens Rodrigues Lima, antigo diretor do Instituto Agrônomo do Norte (hoje IPEAN), e professor da Escola Agronômica da Amazônia, onde vem sendo um dos luminares; o advogado Edmilson Arrais, que já foi delegado Fiscal no Paraná e no Amazonas e Procurador Geral da Fazenda, e dá cartas no Rio de Janeiro; o professor Aulo Gelio, magnifico Reitor da novel Universidade do Acre, além de muitos outros.

Entre conterrâneos tão eminentes, se inscreve o jornalista Epaminondas Barahuna, que sempre viveu com discrição e recato e assume, agora, um posto de honra nas letras amazônicas.

SOBRE CRUZEIRO DO SUL-AC (2)

 

D. Batista
Contribuição para a história de Cruzeiro do Sul (AC), compartilhando o artigo escrito pelo saudoso cientista Djalma Batista (1916-79), nascido naquelas plagas. Segunda parte do artigo.
O original foi publicado no Jornal do Commercio (14 abril 1974), portanto, próximo de completar 50 anos.



Jornal do Commercio, 14 abr. 1974


Epaminondas Barahuna emigrou do Acre em 1930, para estudar e procurar um destino, já que a crise da borracha fazia quase 20 anos que fizera tudo soçobrar no interior da Amazônia, atingindo também as capitais. Foi para Belém, empregando-se na “Folha do Norte” e vindo para Manaus em 1934, quando, entrou para o “Jornal do Commercio”, ao tempo dirigido por Vicente Reis, levado pela mão amiga de Mário Castro e de onde nunca mais saiu, ocupando, sucessivamente, os postos de repórter, auxiliar de gerência, gerente, superintendente e diretor. Para Manaus atraiu também os pais e irmãos, e passou a ouvir e anotar as preciosas informações paternas sobre o passado do Juruá Federal (designação muito acertada, de uma monografia excelente de José Maria Brandão Castelo Branco Sobrinho, que foi juiz e estudioso da história e geografia do Acre, publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro).

O livro de Epaminondas Barahuna me deu o grande prazer de recordar cousas de meus pagos, que muito falaram ao meu espírito. Minha vida tem tido a mesma saga da sua e, nesta altura, se enche das mesmas saudades e dos mesmos anseios de renovação da terra bem-amada.

O Juruá, como toda a Amazônia, tem estórias que não figuram na história, porém, são importantes para compreensão de sua humanidade sofrida. Barahuna as recorda com simplicidade e bom gosto, trazendo uma contribuição que reputa valiosa, ao que por lá tem acontecido, e que só os artistas, recriando os fatos, poderão dar vida e beleza.


Ilustração sobre região

Aquele "valentão", que na hora “H” renunciou a sua condição, tem um sabor gostoso de ridículo e hilaridade. Porém a coragem de certo seringueiro que enfrentou uma “onça pé de boi”, matando-a a terçado, e a de outro seringueiro, que encontrou um mapinguari gritador, entidade lendária dos florestários, que não era senão um casal de tamanduás-bandeira na hora de acasalamento, são exemplos de outras estórias bem lembradas e melhor contadas.

Em estilo claro e límpido é o livro todo, focando aspectos da paisagem, do homem, dos mitos, do folclore e assombrações, da fauna (especialmente da pesca) e encerrando com uma parte modestamente chamada de micro-história. Pois entre as micro-histórias, há uma que evoca o sonho, o idealismo e o espírito progressista de Manoel Absolon de Souza Moreira, que tudo fez para criar no seringal “Porto Walter” uma fazenda californiana, com engenho de açúcar, bolandeira importada para operar mandioca, casa de alvenaria, trilhos para transporte da cana, uma olaria, uma escola com professora paga às suas custas, e outras iniciativas arrojadas, em tudo empregando os recursos de que dispunha, até morrer pobre e endividado. Nessa altura, Absolon Moreira, que foi um símbolo, de certo revivia o passado, amargurado porque seu sonho, seu idealismo e seu espírito progressista não chegaram a realizar a fazenda que a leitura da revista La Hacienda lhe inspirara.

Outra micro-história que merece ser destacada é da atuação dos “Primeiros Motores”, em 1915, com os quais se abriu uma nova era para as viagens nos altos rios, onde se passava dos vapores às canoas, dependendo das chuvas e do calado das embarcações.

No livro de Epaminondas Barahuna também se revivem fatos passados fora da área do Juruá. Prefiro comentar, porém, o vale e as terras da minha própria meninice. (segue)

sábado, fevereiro 17, 2024

SOBRE CRUZEIRO DO SUL-AC (1)

Djalma Batista
Contribuição para a história de Cruzeiro do Sul (AC), compartilhando o artigo escrito pelo saudoso cientista Djalma Batista (1916-79), nascido naquelas plagas. Devido a extensão do texto, vou dividir este em três publicações seguidas.
O original foi publicado no Jornal do Commercio (14 abril 1974), portanto, próximo de completar 50 anos. 

Recorte do Jornal do Commercio, 14 abr. 1974

O Acre, desde o início do povoamento, na segunda metade do século passado, sempre foi estranho e desconcertante para o Brasil. Brasileiros desbravaram e exploraram "terras desconhecidas", que a nossa diplomacia considerava bolivianas (vale Purus-Acre) e os peruanos julgavam suas (vale Juruá-Tarauacá). Ganhas as primeiras batalhas, e uma revolução aconteceu no Acre propriamente dito (que os antigos chamavam de Aquiri, grafado depois Ac-ri ou Acri, razão da corruptela Acre), o Brasil não sabia o que fazer com a região: constituir um novo Estado, anexá-la ao estado do Amazonas (que disputou esta solução sob o alto patrocínio de Rui Barbosa) ou criar um Território Federal, a exemplo do que acontecera nos Estados Unidos. Por esta última solução se decidiu o Barão do Rio Branco, que era o grande árbitro da questão (governo Rodrigues Alves).

Mas o novo Território Federal ainda continuava estranho e desconcertante: não tinha unidade geográfica (suas terras se situavam em dois rios gêmeos — Purus e Juruá). Criou-se então um sistema de governo descentralizado, constituído a princípio de 3, depois 4 “Departamentos”, dirigidos por um Prefeito, diretamente subordinado ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores.

Entrementes, colhiam-se grandes quantidades de borracha nos seringais espalhados nos seus rios, afluentes e subafluentes, e o governo federal taxou essa produção em 18% ad valorem, depois aumentando para 23%, a exemplo do que cobrava o estado do Amazonas. Da quantidade do produto, diz bem a classificação até hoje adotada: borracha fina ou entre fina tipo Acre.

O 1º prefeito do Alto Juruá, em 1904, foi um ex-governador do Amazonas, coronel (EB) Gregório Taumaturgo de Azevedo, que levou tropas para deslocar os peruanos que se localizavam na foz do rio Amônia e teimavam em lá permanecer. Fundou também uma cidade localizada no extremo Noroeste do Brasil, no lugar denominado “Centro Brasileiro”, bem abaixo da foz do rio Môa, dando-lhe um belo nome, que foi também um destino: Cruzeiro do Sul. Setenta anos depois de fundada, a cidade está criando impulso, com a construção da Transamazônica.

Para o Alto Acre, o prefeito escolhido foi Plácido de Castro, que já era, nessa época, um herói nacional, e cujo centenário, celebrado no ano passado, constituiu uma comemoração histórica de todo Brasil.

Taumaturgo de Azevedo, decretando uma importante legislação para o seu Departamento, inclusive uma adiantada “Lei do Trabalho”, mandou fazer o 1º recenseamento da região, que só pôde se estender a 112 seringais, não atingindo, porém, as propriedades do rio Tarauacá e afluentes (exceto o Envira) e às tribos indígenas, empurradas pelos primeiros povoadores para as terras entre as cabeceiras do Tarauacá e afluentes da margem direita do Juruá. Foram encontradas 6.974 pessoas, sendo 5.087 homens (2.393 menores de 21 anos e 2.683 maiores) e 1.887 mulheres (947 menores e 951 maiores). A desproporção entre os sexos era flagrante e foi responsável por muitas tragédias passionais.

Entre os que viviam no Alto Juruá, a essa época, estava Francisco Correia Barahuna, que se firmou um tradicional seringalista na região e se casou com Joaninha Barbosa Correia Barahuna, há poucos anos falecidos, velhinhos, um logo após o outro, aqui em Manaus. Pois um dos 6 filhos desse casal, Epaminondas Barahuna, reuniu suas notas e lembranças, e vem de publicar, já em 1974, um livro encantador, com o título despretensioso de Estórias Amazônicas, pelas Edições “O Cruzeiro”. (segue)

sexta-feira, fevereiro 16, 2024

CHAVE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO CMA

Ossuosky (acima) e
Farias de Carvalho
 O fato foi o seguinte: quando comandante-geral da PMAM, o coronel EB Mário Ossuosky (1975-79) enfrentou grave crise na segurança promovida por delinquentes negros. Ou, era o que se propagava na corporação. Certo dia, um soldado PM aborda o desembargador Paulo Feitosa que conduzia sua família em automóvel próprio. O magistrado era negro, apenas por isso o militar tratou aquela autoridade com o rigor da lei.  O presidente do Tribunal de Justiça buscou ao citado comandante, que concordou com seu subordinado, agravando a crise.

Na Assembleia Legislativa, o deputado Farias de Carvalho amplificou o imbróglio, que segue abaixo, compilado do matutino A Notícia (edição de 22 out. 1975)

 


Fechar as portas do Tribunal de Justiça e entregar as chaves ao Comando Militar da Amazônia, seria a decisão tomada pelo presidente do Poder Judiciário, face à decisão do comandante da Policia Militar, coronel Mário Ossuoski, ao cobrir de razões um soldado que agredira a autoridade do desembargador Paulo dos Anjos Feitosa. O fato foi denunciado na Assembleia pelo deputado Farias de Carvalho, e todo o Poder manifestou-se solidário ao membro do Tribunal de Justiça, molestado grosseiramente por um soldado da PM, num flagrante abuso de autoridade. Segundo o parlamentar emedebista, o desembargador Paulo dos Anjos Feitosa passeava em seu carro, acompanhado de sua família. Um soldado da Polícia Militar o abordara, exigindo os documentos do veículo.

O magistrado atendeu ao pedido, entregando-lhe a documentação para em seguida identificar-se. A petulância do policial foi mais além ao exigir que o desembargador saltasse do carro para a abrir c capô. a fim de que o militar realizasse uma investigação. Como membro do Tribunal de Justiça, o desembargador deveria ser respeitado como autoridade. O policial, porém, não quis saber com quem estava falando; a determinação era o magistrado sair do carro. "Não seria num desembargador que o soldado fosse encontrar o marginal que estava procurando" - afirmou o deputado Farias de Carvalho, protestando contra o comportamento do comandante da Polícia Militar, que, ao receber os protestos do Presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Luiz Cabral, disse que o seu soldado estava acobertado de razões. (...)

Recorte do matutino A Notícia, 22 out. 1975

Enquanto isso, o Presidente do Tribunal de Justiça, em expediente dirigido ao Governador Henoch Reis, fez ver que nenhum desembargador ou juiz daquela corte abrirá o capô de seus carros para investigações, depois de se identificarem. Providência idêntica será adotada pela presidência da Assembleia Legislativa com relação aos deputados, algumas vezes desrespeitados por soldados sem qualquer senso de educação. 

quinta-feira, fevereiro 15, 2024

VISITA MANAUS JOSÉ VASCONCELOS (1926-2011)


José Thomaz da Cunha Vasconcelos Neto (artista do humor), à época com seu “Eu sou o espetáculo”, vem a Manaus patrocinado pelo ARNC (Atlético Rio Negro Clube), em outubro de 1964. Ainda pode ser visto esporadicamente na TV Viva na reprise da “Escolinha do professor Raimundo”.

A legenda do matutino Jornal do Commercio resume a recepção ao humorista, “pioneiro brasileiro masculino no gênero humorístico, atualmente chamado de comédia stand up” (Wikipédia).

Jornal do Commercio, 21 out. 1964

JOSÉ VASCONCELOS EM MANAUS – Chegou ontem à nossa capital, o fabuloso José Vasconcelos (foto ao alto à esquerda) desembarcando do avião. Ao lado, recebe os cumprimentos do governador Arthur Reis, que se encontrava no aeroporto de Ponta Pelada, por ocasião da chegada do famoso artista brasileiro. Em baixo, José Vasconcelos, tendo ao seu lado o sr. Waldemar Pinheiro de Souza, agente da VASP em Manaus, o sr. Armando Flores, diretor do Rio Negro e sócio de Manbra S.A. e a tripulação do aparelho que o trouxe a Manaus. (Fotos de José Batista)

quarta-feira, fevereiro 14, 2024

MANAUS: CARNAVAL 1973

  Encerrando as publicações sobre o Carnaval, nesta quarta-feira de Cinzas, a postagem presente, indicando os preparativos para a jornada de Momo em 1973, tem bastante a contar. Muito pouco do carnaval popular, que ocorria na avenida Eduardo Ribeiro, porém, com excesso da Manaus de passados +60 anos. A foto foi colhida no cruzamento desta via de mão dupla com a rua Saldanha Marinho, diante do demolido Cine Odeon. Estacionado diante do cine uma camionete importada (mignon) – Subaru. O semáforo no local ainda era amparado por fiação metálica. Ao fundo, o edifício Lobrás, inda de pé. A direita, o prédio ocupado pelo Banco Mineiro do Oeste, ora Bradesco. Enfim, sem esgotar as reminiscências, o Fusca de praça e o Jeep, usado para transporte.



A ilustração foi compilada do Jornal do Commercio (27 fevereiro 1973)

terça-feira, fevereiro 13, 2024

MANAUS-1962: TERÇA-FEIRA DE CARNAVAL

 

O melhor do Carnaval da época, em Manaus, era o festejado nos clubes sociais, Em Inúmeros bailes, para todos os gostos e gastos. Bastante, visto que todas agremiações de qualquer dimensão festejavam. Serviam para angariar fundos, obviamente. porém, acima de tudo para brilhar e alimentar o “início do ano” com a animação momesca.
As ilustrações foram compiladas do jornal do commercio (2 março 1962).







dETALHES: LOCALIZAÇÃO DE CADA AGREMIAÇÃO:
1. Rua dos Barés (extinto); 2. Av. Constantino Nery (hoje Igreja Universal); 3. Av. Joaquim Nabuco (extinto); 4. Rua Major Gabriel; 5. Rua Olenka Menezes (extinto); 6. Rua Monsenhor Coutinho. 

segunda-feira, fevereiro 12, 2024

MANAUS: CARNAVAL DE 1954

A terça-feira de carnaval desse ano ocorreu em 02 de março. A postagem desta segunda-feira gorda recolhi do vespertino Diário da Tarde (1º março), que realiza ligeira retrospectiva dos bailes “dos grã-finos” e do carnaval popular que ocorria na avenida Eduardo Ribeiro, à época a mais adequada. Lembro que não havia certames, cada folião fantasiava-se de qualquer coisa. E seguia artéria acima e abaixo, porém, atanazando as pessoas com um acessório irritante: a bisnaga. Apesar da pobreza descrita, o Diário publica foto com a "escola de samba" da Praça 14, isso há 70 anos! 

Manchete do Diário da Tarde, 1º mar. 1954

 (...) que nos ofereceu, ontem, a avenida Eduardo Ribeiro, onde, apesar das bisnagas traiçoeiras ainda se podia apreciar a beleza feminina, que imperou com toda a sua pujança. Horas de alegria e intensa vibração tivemos na tarde de domingo, animada ainda pela banda de música da Polícia Militar. O povo brincou com vontade, apresentando-se a cidade, naquele dia, um aspecto completamente carnavalesco.

Rememorando as festas dos clubes, cabe acentuar que sábado, dos clubes mais humildes dos bairros aos mais grã-finos do centro da cidade, como Ideal, Barés, Comerciários, Luso, Bancários, todos eles marcaram época no carnaval de 54. 

Detalhes da escola de samba da Praça 14


AS FESTAS DE HOJE

Rei Momo não deixa ninguém ficar quieto. A sua vontade, obedecida em toda linha, fará com que hoje os foliões estejam novamente a posto, prontinhos para entrar no fandango. Pierrot Apaixonado II, com a sua turma também está preparadíssimo, chegando ao ponto do Diniz Lombroso, desde ontem, não mais sair do boteco, tomando umas e outras doses de “chá”.

Hoje o Rio Negro promoverá a sua tradicional festa carnavalesca, no Salão dos Espelhos.

O Fast, sob o comando de mestre Mendonca, coadjuvado por Liberal, Cleber, Gonzaga e Godot, estará hoje, com mais uma festança carnavalesca sempre animada, como as demais. Ele, que entrou com vontade no carnaval de 54, vai levando muito bem, porque a turma fastiana sabe brincar, fazendo tremer a avenida Getúlio Vargas. Hoje, todos ao Fast, onde há boas garotas, bebidas (chás), e comidas. Ninguém vai se arrepender.

Vamos ao Olímpico, uma festa boa, onde a folia impera do princípio ao fim. Lá ninguém pode ficar sentado, pois as mesas não terão cadeiras. Quem quiser sentar, só poderá fazê-lo depois das 7 horas de terça-feira. Agora mesmo vem entrando na redação o folião Jackson Cabral, que foi ao Rio de Janeiro fazer um curso apressado de frevo. Ele estará presente hoje no Fast, do qual é presidente.