CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

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quarta-feira, julho 02, 2025

ANTONIO CARLOS VILLAÇA (1928-2005)

 

Quando em 2004 iniciei as pesquisas sobre a produção literária do padre-poeta L. Ruas (1931-2000), foi-me indicado pelo amigo comum, poeta Elson Farias, um livro de Antonio Carlos Villaça (1928-2005). “O Nariz do Morto” era o livro contendo uma referência ao Ruas, que foi colega de Villaça no seminário do Rio Comprido, em 1953. Entusiasmado, consegui conversar com o Villaça pelo telefone. Um único bate-papo. Vinte anos depois, pouco recordo de nosso papo, mas me ficou gravado o entusiasmo que ele possuía pelo “Ruas, de Manaus, um moreno inteligente, líder nato, falava muito bem mesmo, como poucos ouvi até hoje”.

Antonio C. Villaça (1928-2005)

Em janeiro do ano seguinte, lendo a coluna de Carlos Heitor Cony circulada em A Crítica, soube do fim de Antonio Carlos Villaça. E, passadas duas décadas, o texto vai postado em homenagem ao morto e ao seu colega, o falecido L. Ruas.

 

Detalhe da coluna, em A Crítica,
07 junho 2005

Antônio Carlos Vilaça

RIO DE JANEIRO - E assim mesmo. Morreu Antônio Carlos Vilaça, no sábado, 28 de maio. Apenas uma pequena informação, na seção dos anúncios fúnebres, noticiando o seu falecimento, providência de anónimos que o admiravam. Estava abrigado no asilo São Luís, destinado a idosos sem família e sem recursos, em fase de doença terminal. Durante algum tempo, por iniciativa de Marcos Almir Madeira, ocupava um quarto na sede do PEN Club do Brasil. Com a morte de Madeira, acho que foi despejado e foi parar num asilo. Vilaça escreveu uma obra-prima, “O Nariz do Morto”, que foi saudado pela crítica como ponto alto de nossa memorialística, colocado acima de Joaquim Nabuco, de Gilberto Amado e de Pedro Nava.

Na realidade, escrevia melhor do que todos eles, tivera apenas uma existência mais modesta, nada de espetacular em sua vida. Ganhou a mais alta láurea da nossa literatura, o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, que já premiou Guimarães Rosa, Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre, Fernando Sabino e, neste ano, premiará Ferreira Gullar.

Poucos escreveram tão bem, tão limpamente e tão profundamente. Conhecia a literatura universal como um ‘scholar’, sabia de cor trechos e mais trechos dos clássicos, de Homero e Juan Rulfo.

Mas seu grande assunto era a santidade que não encontrou nas diversas ordens religiosas em que foi buscar o caminho não para se tornar santo, mas para entender a santidade dos outros. Fez noviciado entre jesuítas, dominicanos, beneditinos, buscou diversas ordens monásticas e até mesmo o sacerdócio secular. Na solidão, o grande crente parece que se tornou descrente de tudo.

A doença deformou-o, mas não afetou a sua lucidez, a ânsia de entender o homem. Morreu só. Se existe um céu, seja lá de que religião for, Vilaça estará nele, pela sua alegria e pelo seu sofrimento.

sábado, abril 26, 2025

PAPA FRANCISCUS (2013-25)

Com o sepultamento do Papa Franciscus, hoje realizado, a Igreja encerra mais um capítulo de sua caminhada terrena. Entre tantos dispositivos litúrgicos empregados nas exéquias, encontra-se a elaboração do Rogito, documento que descreve a vida e o papado do pontífice. Ao ler este documento, compartilhei alguns parágrafos, que seguem abaixo:

Papa Franciscus

“Recomendava aos sacerdotes estarem sempre disponíveis para administrar o sacramento da misericórdia, a terem coragem de sair das sacristias para procurar a ovelha perdida e a manterem abertas as portas da igreja para acolher quem buscasse o Rosto de Deus Pai.”

“Francisco foi o 266º Papa. Sua memoria permanece no coração da Igreja e da humanidade inteira.”

“Francisco deixou a todos um testemunho admirável de humanidade, de vida santa e de paternidade universal.”

A leitura deste documento me lembrou um sacerdote da Igreja de Francisco, morto aqui em Manaus há 25 anos. A leitura do Rogito me permitiu compreender o poema Oráculo do padre-poeta L. Ruas, no qual, escrito em 1970, cantou sua orientação missionária:

Padre L. Ruas


Tenho pena, disse-me o meu Deus,

Daquele que é amado por mim. (...)

 

Aquele que eu mais amar

Jamais terá dias tranquilos

Nem mesmo aos domingos

Ele poderá se divertir.

Por exemplo, não terá

Aquela paz necessária que é preciso ter

Para passar um dia inteiro, de calção,

Num balneário. E se sentir feliz. (...)

Porque já não terá mais em si

A tranquilidade inócua dos felizes.

Não digo que ele não vá. Isso não.

Ele vai. Mas, não como os outros vão.

Porque o que ele busca nessas coisas

Não é mais felicidade. Nem prazer.

O que ele quer mesmo é me encontrar em tudo isso.

Porque eu o amo de tal modo

Que ele quer me encontrar em toda parte. (*) 

(*) Mendonça, Roberto (org.) L. Ruas: Poesia Reunida. Manaus: Travessia, 2013

quinta-feira, abril 03, 2025

L. RUAS: 25 ANOS DE FALECIMENTO (3)

 José Seráfico, destacado mestre de nossa Universidade Federal, escreveu em seu blog, homenageando ao padre-poeta L. Ruas pela passagem desta relevante efeméride. Segue abaixo esta manifestação, com meus agradecimentos. Aproveito para informar - a quem possa interessar - que a arquidiocese de Manaus programa para este final de mês uma Missa pela alma do saudoso padre Luiz Ruas. 

Capa do livro

Ruas e seu mundo


 

·         De Roberto Mendonça, L. Ruas - Itinerário de uma vocação é rememoração justa e indispensável. O livro homenageia um intelectual e sacerdote que faz falta no cenário destes conturbados dias. O editor deste blog foi aluno do Padre Ruas, em curso realizado na Escola de Serviço Público do Estado do Amazonas, a ESPEA, descriada quando se iniciava o processo obscurantista que temos a infausta experiência de testemunhar. Ruas ministrava aulas de Psicologia. Na missa de 1 de abril, na Matriz de Manaus, será rendido preito ao sacerdote e professor amazonense.

segunda-feira, março 31, 2025

L. RUAS: 25 ANOS DE FALECIMENTO

 Amanhã (1º de abril), completam-se 25 anos do falecimento do padre-poeta L. Ruas (Luiz Augusto de Lima Ruas), autor de Aparição do Clown, longo poema religioso, editado em 1958. Intentei realizar uma homenagem pública ao poeta, porém, fracassei. Lamento, mas a direção da arquidiocese de Manaus – procurada - não acolheu minha pretensão. Assim, vou republicar algumas páginas do mestre, para cumprir meu desígnio.

Nesta homenagem, começo com as palavras do professor Marcos Frederico (doutor em Literaturas de Língua Portuguesa), expostas no livro L. Ruas: Poesia Reunida (Manaus: Travessia, 2013):

“Luiz Augusto de Lima Ruas (L. Ruas) é, sem qualquer favor, uma das mais expressivas vozes da poesia do Clube da Madrugada, essa agremiação que renovou as letras amazonenses da década de 50, no século passado.

Sem exagero, diria que seu livro de estreia, Aparição do clown, cuja primeira edição consta ter sido em 1958, o coloca entre os poetas com participação eficaz na literatura brasileira. Entretanto, não é conhecido nos meios acadêmicos brasileiros, porque poucos são os artistas locais que conseguem “furar” o bloqueio dos meios de comunicação e ser divulgados nacionalmente.

Graças a Roberto Mendonça, esse pesquisador incansável da obra de L. Ruas, temos agora a totalidade da produção lírica desse vigoroso artista. Além dos poemas de Aparição do clown, encontram-se também reunidos neste livro aqueles que constituíram o Poemeu, livro que, tendo sido premiado em 1970, só encontrou a luz de uma publicação em 1985.

Afora estes, encontram-se os textos que, circunstancialmente, foram inseridos em outras obras. Se não bastasse este trabalho, Mendonça ainda coletou produções inéditas do grande poeta, um dos quais – o poema “Mar” – nos mostra uma faceta original de seu trabalho: as técnicas do Concretismo.”

A seguir, um dos poemas coletados em Poemeu ou O (meu) sentir dos outros. 

SONETO (*)

Estas aves vêm sempre, ao fim da tarde,

Descansar seus remígios agourentos

No pomar de onde colho doces frutos

Com que faço meus vinhos suculentos.

Elas vêm de bem longe. Me olham sempre

Com desdém. E nas asas trazem ventos

Que uma vez, já faz tempo, naufragaram

Minha nave que nautas desatentos

Dirigiam. E estas aves que me espiam

Lá de cima das árvores crescidas

No pomar irrigado com águas verdes.

Bem conhecem meu fim. Vencido nauta

Pus-me, agora, a plantar frondosas copas

Que sugerem veleiros em meu canto.

 

(*) Também publicado na Seleta Literária do Amazonas, de José dos Santos Lins (1966).

quarta-feira, fevereiro 19, 2025

L. RUAS EM A CRÍTICA

 O matutino A Crítica, fundado em Manaus em 1949, ao completar 60 anos resolveu homenagear seus colaboradores. O padre-poeta L. Ruas foi colunista deste jornal entre 1957-58, porém falecido em 2000. A par desta constatação fui à direção do matutino, que publicou em novembro de 2009 o tributo aqui postado.

A Crítica, 24 novembro 2009
Recém ordenado padre, o jovem Luís Ruas (1931-2000) ingressou no mundo das letras como membro do mais importante grupo literário do Amazonas, o Clube da Madrugada, na década de 50. O exercício da escrita está presente em vários artigos que publicou em jornais locais e em quatro livros - o mais conhecido deles é “Aparição do Clown”, reeditado pela editora Valer.

Estreia

A estreia do padre escritor, que assinava como L. Ruas, nos jornais ocorreu nas páginas de A CRÍTICA, em agosto de 1957. A passagem de L. Ruas pelo jornal foi curta - ele parou de escrever em março de 1958 -mas o suficiente para deixar saudades nos leitores e admiradores, que ficaram inconformados com o fim (voluntário) de suas publicações. “Os leitores reclamaram sua ausência. Duas ou três dessas cartas foram publicadas após sua saída”, diz o pesquisador e escritor Roberto Mendonça, que, atualmente, realiza uma investigação sobre os textos de L. Ruas nos jornais de Manaus e que nunca chegaram a ser reunidos em livros.

A coluna mantida por L. Ruas foi batizada de “Ronda dos Fatos”. O autor tinha liberdade para escrever o que quisesse, seja em prosa ou em verso. Mendonça diz que L. Ruas escrevia sobre problemas urbanos e sociais, mas também transitava no mundo das artes, versado sobre cinema e literatura. A publicação era diária, mas não seguia um cronograma permanente. Houve um momento em que ele escrevia apenas uma vez por semana.

Apresentação

L. Ruas foi “apresentado” ao fundador do jornal, Umberto Calderaro, pelo professor Orígenes Martins, que na época iniciava sua bem-sucedida carreira como proprietário de escola particular. “O jornal estava em fase de crescimento. O professor Orígenes era colega de seu Calderaro e sugeriu o nome do padre para a coluna”, conta Mendonça. Para Mendonça, L. Ruas, porém, não conseguiu encontrar disponibilidade para desenvolve suas atividades na Igreja, no magistério, no Clube da Madrugada e na coluna do jornal.

Despedida 

Em seu último texto no jornal, publicado no dia 28 de março de 1958, L. Ruas justifica (ou tenta justificar) o fim da coluna, após se deparar com os protestos dos leitores. O autor, em um estilo introspectivo, diz em determinado trecho: “Bem que eu poderia jogar a responsabilidade do desaparecimento da Ronda as costas desse velho larápio que nos rouba tudo. Tudo. Rouba-nos os amigos, as coisas, as paisagens, a preciosa mocidade, a própria vida. Mas seria injusto com o famigerado ladrão. Daria, sim. Não, não era o tempo. Seria antes falta de disposição. Cansaço talvez. Falta muitas vezes aquela disposição orgânica indispensável. E a gente cede aos reclamos do corpo. Não é possível roubar este mínimo de recreação das forças despendidas".

“Universal”

Antes de escrever para A CRÍTICA, L. Ruas possuía uma coluna em um semanário da Igreja Católica chamado “Universal”. Ele ainda manteria, nas décadas seguintes, outras colunas, escrevendo, ocasionalmente, em veículos como “O Jornal” (já extinto) e “Jornal do Commercio”. O padre e escritor voltaria a escrever em A CRÍTICA nos anos 80, segundo Roberto Mendonça, mas em períodos esparsos.

Coletânea

Roberto Mendonça, que possui uma coletânea dos textos de L. Ruas –“jornais, incluindo “Tempo e Disposição”, conta que o autor escrevia com “competência e destemor”. “Ele procurava levar ao leitor informações diversificadas. A condição dos ônibus, a situação dos bairros, com destaque para o de São Jorge, onde era pároco, literatura, cinema, fazendo apreciação dos filmes em exposição. Também falava de teatro, do qual participou como ator e diretor e debates políticos, como o que travou com o saudoso Jeferson Péres, então dois jovens intelectuais. E também noticiava assuntos da Igreja, da qual era sacerdote”, diz Mendonça, que estima um total de 800 textos escritos por L. Ruas nos jornais de Manaus.

Seminarista

L. Ruas era o nome artístico de Luiz Augusto de Lima Ruas. Nasceu em Manaus, em 1931, na avenida Joaquim Nabuco. Foi filho de Horizontino e Emília Ruas, e sobrinho do pintor e decorador Branco Silva. Ruas ingressou no Seminário São José, aos 12 anos, onde concluiu o curso de humanidades, conhecido hoje por ensino médio. O curso de filosofia encerrou no seminário da Prainha, em Fortaleza e, no Seminário do Rio Comprido (RJ), inicia o de teologia (1952-53). Foi ordenado padre em 1954, na Catedral de Manaus.

Currículo

É considerado o fundador da paróquia de São Jorge. Também lecionou na Faculdade de Filosofia, antes de ser absorvida pela Ufam. Era seu diretor, quando foi preso pelo Governo Militar (1964). Ingressou no Clube da Madrugada em 1955, convidado pelo poeta Jorge Tufic. L. Ruas também esteve envolvido no movimento cinematográfico e teatral da Cidade.

domingo, dezembro 22, 2024

POESIA DOMINICAL (6)

 
A postagem foi compartilhada do livro de Assis Brasil - A Poesia Amazonense no Século XX. Apenas acrescentei o ano de falecimento do padre-poeta L. Ruas, como se identificava literariamente. Esta preocupação foi necessária diante do trabalho que venho desenvolvendo na divulgação da obra deste mestre. Além de pequena biografia, dele organizei Cinema e Crítica Literária (2010) e Poesia Reunida (2013), e ainda há trabalhos no prelo, aguardando bons tempos.
L. Ruas



L. Ruas (1931-2000)

Como poeta é dono de uma sensibilidade artística e um domínio da palavra que nos lembram Jorge de Lima e Carlos Drummond de Andrade.

Carlos Eduardo Gonçalves

 Integrante do Clube da Madrugada, “na linha de frente de seus mais ativos animadores”, Luiz Augusto de Lima Ruas nasceu em Manaus no dia 28 de novembro de 1931. Estudou as primeiras letras com uma tia e depois se matriculou no Grupo Escolar Farias Brito. A carreira religiosa o atrai e, em 1943, entra para o Seminário São José, onde termina o curso de Humanidades.

Transferindo-se para Fortaleza, faz o Curso de Filosofia no Seminário Metropolitano, iniciando ainda o Curso de Teologia, que vai concluir no Seminário São José do Rio Comprido, no Rio de Janeiro. Volta à terra natal para se ordenar sacerdote na Catedral Metropolitana de Manaus, no dia 31 de outubro de 1954.

Capa do livro

L. Ruas, como passou a assinar suas crônicas e poemas, em colaboração permanente em vários jornais de Manaus, desenvolve então intensa atividade como professor de várias disciplinas, em destaque Psicologia na Faculdade de Filosofia do Amazonas, onde chegou a ser diretor da entidade. Foi assessor ainda da Fundação Cultural do Amazonas e membro do Conselho Estadual de Cultura, caracterizando-se seu ministério pastoral em ação nas comunidades carentes onde foi vigário.

O primeiro livro de poesias de L. Ruas sai em 1958, Aparição do Clown, prefaciado por André Araújo. Um livro emblemático, na paráfrase do homem e do palhaço: “O que o Padre Luiz Ruas procura é a face verdadeira, a que se parte, desse palhaço eterno que é o homem em si, artista, poeta, músico ou dançarino”.

O poeta é um dos muitos intelectuais que vão pagar tributo ao famigerado golpe de 1964. A acusação generalizada de subversão o leva ao cárcere onde permanece por 40 dias, quando aproveita para fazer a tradução do livro de Rimbaud Une saison en enfer. O livro, entre outros, lhe tinha sido enviado pela sua mãe. A segunda coletânea de poemas é publicada em 1985, Poemeu, que já tinha conquistado o Prêmio de Poesia Governador do Estado do Amazonas em 1970. Belo livro, onde se destacam os “Estudos Barrocos em tom menor”.

quinta-feira, novembro 21, 2024

MADRUGADA E L. RUAS, SEU PRESIDENTE

Nascido em 22 de novembro de 1954, o Clube da Madrugada – movimento que abrigou intelectuais e artistas em Manaus – apesar de extinto, vem sendo relembrado pelas sete décadas de criação. A Editora Valer acaba de lançar o livro “Clube da Madrugada 70 Anos”, de Tenório Telles, e coordena uma série de encontros, mesas e colóquios.

Capa do livro de Jorge Tufic

Quero relembrar duas datas sobre o Clube: a primeira mais distante, a dos 30 Anos registrada em livro de Jorge Tufic, um dos presidentes de maior proeminência do CM. A segunda, a comemoração do cinquentenário, cuja festa foi concretizada no Largo de São Sebastião em palco onde desfilaram os remanescentes daquela Madrugada.

Aquele ano de 1954 legou marcas indeléveis a Manaus: a instalação do Instituto Christus, depois CIEC, pelo mestre Orígenes Martins; a criação da Rádio Rio Mar, hoje pertencente a arquidiocese de Manaus; e o Clube da Madrugada, destes, atualmente apenas a emissora funciona. No entanto, quero me referir a outra singularidade: nas três entidades operou o padre-poeta L. Ruas.

Refiro-me a Luiz Augusto de Lima Ruas (1931-2000), que foi ordenado sacerdote por dom Alberto Ramos em 31 de outubro de 1954, ao lado do saudoso Manuel Bessa Filho, na Catedral da Padroeira. Companheiro de Orígenes no seminário, Ruas integrou-se ao grupo fundador do Christus. Cooptado por Jorge Tufic, ingressou no Madrugada, tendo presidido o clube biênio 1957-58, quando lançou sua obra-prima A Invenção do Clown. Enfim, quando a igreja católica adquiriu a Rio Mar, L. Ruas exerceu distintas funções, destacando-se como cronista radiofônico.

Padre-poeta L. Ruas

Exerceu o magistério em diversos colégios, no Seminário e na Universidade Federal do Amazonas. Seu nome crisma a EE Padre Luiz Ruas, no bairro Zumbi III. Faleceu em Manaus, em 1º de abril de 2000, estando sepultado no cemitério São João Batista.

domingo, setembro 01, 2024

ARLINDO PORTO (1929-2024)

Aos 95 anos, morreu Arlindo Augusto dos Santos Porto, nome augusto bastante glorificado na cidade de Manaus, onde participou e presidiu com brilhantismo cargos políticos, administrativos e de agremiações culturais. Travei adequada amizade com este mestre ao ingressar no IGHA (Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas), e, com mais intensidade, quando ele passou a presidir o Instituto. A Casa de Bernardo Ramos estava deteriorada, reclamando ampla reforma que, afinal, ocorreu em seu mandato. 

 
Arlindo Porto

Sempre com um sorriso disponível, foi um homem continuamente disposto a descrever suas peripécias, seja onde for. Daí me vem à memória o fato ocorrido no velório do saudoso Mário Ypiranga Monteiro, na Funerária Almir Neves, situada na rua Monsenhor Coutinho. Sentado ao lado de Arlindo, não me contive ao final do causo por ele contado. Fui às gargalhadas e, quando me dei conta da situação de acolhimento, saí às pressas do recinto.

O site da Academia Amazonense de Letras publicou uma postagem subscrita pelo acadêmico Robério Braga, que ilustra com mais atributos, ainda que resumidamente, a trajetória de Arlindo Porto.

Desejo enfatizar que Arlindo foi o derradeiro remanescente dos presos políticos ao tempo do Governo ou da Ditadura Militar (como queira), recolhidos ao quartel do 27º BC, hoje 1º BIS, localizado no bairro de São Jorge. O penúltimo foi Amazonino Armando Mendes (governador do Estado). Outro augusto preso foi Luiz Augusto de Lima Ruas, sacerdote comunista.   

Para encerrar minha homenagem ao Arlindo, vem-me ao pensamento outro fato, que ele me narrou umas vezes. Certo dia, o bispo do Amazonas – dom João de Souza Lima, foi visitar o padre Luiz Ruas no presídio militar. Obviamente, ao redor dos encarcerados. Conversa vai e vem, Arlindo teve a ideia de escrever uma carta à família, a fim de serenar sua casa, para tanto solicitou ao prelado que servisse de correio. Dom João prontamente aquiesceu, fazendo uma visita à residência do remetente. Arlindo não deixou de ser espiritualista, todavia morreu penhorado ao pastor amazonense.

Enfim, Arlindo Porto, ad immortalitatem!

segunda-feira, julho 01, 2024

CLUBE DA MADRUGADA: 70 ANOS

 A celebração será em novembro, porém vou lembrando no percurso. Lembrando que dos três entes criados então (início dos 1950), somente a Rádio Rio Mar segue funcionando. Além do Madrugada, o CIEC do Orígenes Martins também "fechou as portas". A fotografia aqui compartilhada pertenceu ao saudoso Moacir Andrade, membro dos primeiros dias do Clube, que efetuou a legenda, porém, sem datação.

Maciel, Moacir Andrade, L. Ruas, Alexandre Oto, Evangelista,
(dois não identificados) e Elson Farias

quarta-feira, junho 19, 2024

CHRISTUS, RÁDIO RIO MAR E CLUBE DA MADRUGADA: 70 ANOS


O lembrete me vem da crônica radiofônica - A Voz do Povo, escrita e lida pelo saudoso padre-poeta L. Ruas na Rádio Rio Mar. Aconteceu em 26 de novembro de 1979, no horário do meio-dia, quando esta emissora rivalizava, no horário, com a Difusora e A Crônica do Dia, de seu fundador Josué Claudio de Souza.

Recorte do original apresentado

O autor recorda os 25 anos de fundação destas três entidades: Instituto Christus, Rádio Rio Mar e, por fim, o Clube da Madrugada. Curiosamente, nos citados, L. Ruas esteve presente com categoria.

A VOZ DO POVO

HORÁRIO: 06,30 - 11,55

DIA: 26 NOVEMBRO 1979

PRODUTOR: L. Ruas

APRESENTADOR: L. Ruas

Senhoras e senhores ouvintes, bom dia.

Chegando ao início da última semana deste mês de novembro de 1979, um ano que tem se caracterizado por grandes mudanças políticas e por maiores dificuldades econômicas e financeiras, mas, ao mesmo tempo, por alvissareiras perspectivas culturais para o país, a partir do momento em que se iniciam a suspensão da censura prévia aos órgãos de imprensa, rádio e televisão, talvez seja conveniente lembrar três acontecimentos da maior importância para a vida cultural do nosso Estado e, em particular, para Manaus, ocorridos, exatamente, há vinte e cinco anos.

Corria o ano de 1954, que foi, também, um ano de profundas convulsões políticas no Brasil e que culminaram com a tragédia da morte de Getúlio Vargas. Os que precipitaram os acontecimentos que banharam de sangue - o sangue do Presidente - o Palácio do Catete e, por um processo de simbiose simbólica, todo o país, argumentavam que tudo aquilo era para salvar a honra da democracia. Então, era só a honra. Dez anos mais tarde seria necessário salvar a vida da própria. Tudo bem.

Em outubro daquele ano, ocorria o primeiro acontecimento que merece destaque: a fundação do Instituto Christus do Amazonas. Orígenes Martins voltava de Fortaleza, do Seminário da Prainha, da Juventude Universitária Católica e da Faculdade de Filosofia. Mas voltava, também, do Christus de Fortaleza que era o fruto de tudo isso como o seria também o Christus do Amazonas.O que é que queria aquele moço, aquele jovem professor de geografia, recém-casado, ao voltar à sua terra, abandonando as perspectivas que sempre são mais espaçosas em meios mais adiantados como era Fortaleza em relação a Manaus, uma cidade praticamente estagnada até então e que, apenas, começava, também no plano político, a sacudir as cinzas numa tentativa de ressurreição?

Orígenes queria mudar o processo educacional de Manaus. Queria trazer algo novo, algo que fosse capaz de sacudir o ramerrão do processo educativo aqui existente.

Muita coragem, muita ousadia, muita força de vontade, foi preciso. Não é à toa que se muda o que está estabelecido há séculos, principalmente, em meios tão simples e tão pequenos como era o de Manaus, há vinte e cinco anos que vivia às escuras - não é metáfora, não. Manaus vivia sem luz. E as aulas noturnas eram dadas à base de aladim. Agora parece que chegou a hora - agora, vinte e cinco anos depois - de um julgamento do trabalho pedagógico do Christus. Isto é oportuno. Mas que não se confundam juízes com apedrejadores. Ou melhor, que os linchadores profissionais não vistam a toga de juízes.

Em novembro de 1954, um outro fato também muito importante, ocorria: a fundação do Clube da Madrugada. Diz o Abrahim Aleme que o nome foi sugerido por Luiz Bacellar, o poeta. De qualquer maneira, o nome foi bem atribuído e corresponde exatamente à realidade do Clube: uma agremiação de jovens intelectuais, escritores, poetas, ensaístas, pintores, músicos, escultores, artistas que estavam se sentindo asfixiados pelo ar abafado e mofado de uma noite parada de um ambiente cultural esclerosado. Eles queriam um novo dia. Queriam romper as trevas e partir para um novo dia.

Assim foi. No dia, isto é, na madrugada do dia 22 de novembro de 1954, surgia o Clube da Madrugada, algo inteiramente novo como o nascer de um novo dia, não só pela média da faixa etária de seus membros fundadores, mas, principalmente, pelo espírito de transformação, pela inquietude borbulhante em cada um deles e por uma rutura com tudo aquilo que já estava maduro demais.

O que o Clube da Madrugada já produziu, se não se estivesse em Manaus, teria provocado reações barulhentas e divulgadíssimas. A verdade é que o que se fez de positivo no plano cultural de 54 para cá está ligado direta ou indiretamente ao Clube da Madrugada. Os quércias daqui e de outros lugares não destruirão o que já foi feito e o que está se fazendo.

No dia 15 de novembro de 1954, era lançada ao ar a primeira programação da Rádio Rio Mar, realização de três homens que ficarão para sempre na história da radiodifusão da Amazônia: Charles Hamu, Aloysio e Aguinaldo Archer Pinto. Com a inauguração da Rádio Rio Mar, ampliava-se o trabalho heroico da radiodifusão em nosso Estado iniciado pelo pioneirismo dos criadores da Baricéia.

Vinte e cinco anos. Parece que foi ontem. Mas ao mesmo tempo, parece que está tudo começando agora e que é preciso partir como se partiu para o futuro há vinte e cinco anos passados. Não há dúvida. Mais vinte e cinco anos esperam pela frente, o Christus, o Clube da Madrugada e a Rádio Pio Mar. Vamos lá.

terça-feira, fevereiro 14, 2023

AMAZONINO MENDES (1939-2023)

Morto o cacique eirunepeense neste domingo (12), os amigos e admiradores despejaram nas redes sociais todos os tipos de encômios. Ele bem merece! Também vou entrar nesta linha, apenas lembrando alguns fatos pessoais, dos quais estive próximo ao falecido administrador. 

Governador AM, à direita (claro)

Antes, um detalhe histórico: Hoje em dia somente um preso político dos tempos do governo militar de 1964 encontra-se vivo para contar a história: o nonagenário Arlindo Porto. AM (Amazonino Mendes) era outro que passou pelo cárcere do 27 BC, hoje 1º BIS, na estrada de São Jorge. Ainda em novembro passado, pesquisando nos arquivos daquela OM (organização militar), vi a relação dos “comunistas” detidos no livro do oficial de dia. Outro seu parceiro não olvidei, o padre Luiz Ruas (autor do poema Aparição do Clown).

Travei o primeiro contato com o AM, quando este foi nomeado prefeito de Manaus, por vontade do governador Mestrinho, de cuja Casa Militar eu era major subchefe, em 1983. Na oportunidade, uma invasão se apossava das terras junto ao igarapé do Crespo. O prefeito AM montou uma força-tarefa para equacionar o desastre fundiário. Fui indicado pelo governador para integrar esta comissão. Assim, estive em algumas reuniões, mas logo percebi que o prefeito não estava interessado em obstar seus futuros eleitores. Tanto que a invasão se concretizou. 

Em 1997, no centenário da Campanha de Canudos, da qual a força policial do Amazonas participou, editei o livro Candido Mariano & Canudos, cuja impressão foi encargo da EDUA (Editora da Universidade do Amazonas). Para maior brilhantismo da festa que –em recordação de Canudos– anualmente a PMAM realiza, sugeri ao comandante-geral uma gradação da Medalha comemorativa e os nomes, um elenco enorme de nomes para ser agraciados. O coronel comandante foi ao governador AM, que simplesmente mandou a relação dos indicados para o lixo e, de próprio punho, escolheu uma dúzia de “amigos do rei” para a premiação.

Indignado, escrevi uma malcriação a respeito da solução governamental e a remeti à seção Cartas, de A Crítica, que a publicou. E fiz mais, de teimosice, não compareci à solenidade alusiva na Praça da Polícia.

Enfim, quando fui agraciado com a Medalha Tiradentes da PM estadual, tive a ventura de recebê-la das mãos do governador Amazonino Mendes, em seu segundo mandato (1995-98). Desde então, eu virei seu fã.

Como aprendi no seminário: Requiescat in pace, AM.

quarta-feira, dezembro 14, 2022

DESASTRE DO PP-PDE: 60 ANOS (3)

Na primeira hora deste dia, há 60 anos, o Constellation da Panair do Brasil vindo de Belém não chegou ao seu destino: o aeroporto de Ponta Pelada. 

Desapareceu cerca de 1h da madrugada, faltando cinco minutos para o pouso, depois de o comandante solicitar ao controlador do acanhado campo de pouso que acendesse as luzes da pista. Diante da demora em aterrissar, o saguão com os familiares tomou-se de espanto, de interrogações e divagações, que a empresa aérea não conseguia atender, visto que a única forma de contato com a aeronave era o rádio e o telégrafo.  

Nada poderia ser realizado senão comunicar à Base Aérea de Belém (BABE) para as providências. E a madrugada foi longa para os presentes ao Ponta Pelada. No começo da manhã, a BABE desloca um Catalina com paraquedistas para refazer a rota do PDE. Nada viram, nenhum sinal do imenso avião.  

O alarme do acidente despertou na cidade as autoridades, o próprio governador Gilberto Mestrinho deslocou-se para o aeroporto acompanhado de secretários, passando a organizar a busca pelo avião. A esse esforço juntou-se a Panair com suas aeronaves, que já sobrevoavam a área calculada do desaparecimento com a mesma disposição.

Recorte da revista O Cruzeiro (5 jan. 1963), com fotos do
Jornal do Commercio

A cidade igualmente foi acometida com as conversas mais desencontradas sobre o destino do PDE, com os disse-me-disse, os boatos mais estapafúrdios, os - para usar a expressão hodierna - fake news. Assim se passou o dia, sem que nada de positivo fosse alcançado. 

Acerca da expectativa, escreveu o cronista L. Ruas (1931-2000), em publicação jornalística: “Isto foi um dia. Quando chegou a noite, brilhou longinquamente uma estrela. Muito pálida. Muito pequena. Mas suficientemente estrela para ser luz e esperança: era possível um sequestro. Todos se agarraram desesperadamente ao delgado raio de luz dessa possível estrela. Ah! Todos os desertos têm as suas miragens. E isto foi uma noite.”

No dia seguinte, pela manhã, foi descoberto o destino do Constellation: ao desabar sobre a floresta, ele havia cavado a própria sepultura e a de seus ocupantes.

 

domingo, novembro 28, 2021

L. RUAS – 90 ANOS

Se estivesse entre nós, estaria hoje completando o nonagésimo ano de existência. Todavia, o padre-poeta L. Ruas passou para a eternidade em 2000, aos 69 anos, abatido por um AVC. Conhecedor de seu trabalho literário, espalhado em livros e publicações jornalísticas, e aliado ao privilégio de ter sido seu discípulo no Seminário São José, resolvi divulgar sua produção. Isso venho operando desde 2004, ocasião que marcava o cinquentenário de sua ordenação sacerdotal, igualmente a criação do Clube da Madrugada e do Instituto Christus.

Capa do livro

Para lembrar seu nascimento, intentei o lançamento do livro que reproduzia sua coluna Ronda dos Fatos, iniciada no jornal A Crítica, com passagem pelo Trabalhista e pela A Gazeta. Todavia, o apoio solicitado e prometido não se concretizou. Em sequência, desisti de convidar aos dirigentes da EE Padre Luiz Ruas, no Zumbi 3, para que cantassem os parabéns por esta efeméride.

Um outro projeto rolava: em companhia de meu irmão Renato, outro admirador do padre-poeta, organizamos uma coletânea de seus contos, publicados em livros e jornais. Demos-lhe o título de Dois meninos no mundo e outros contos, que pode ser encontrado nos market place, bastando para tanto digitar seu título no Google. Com essa providência, você pode comparar preços e adquirir ou impresso ou digital.

Contra capa do livro

Já escrevi bastante sobre o autor, confessando minha admiração por L. Ruas, de maneira que encerro esta postagem reproduzindo a homenagem inserida em Orfeu no Labirinto (Valer), de Dedé Rodrigues, saudando “o mestre com carinho”. Ruas compôs Poemeu, Dedé, Poeteu:

busquei teus caminhos

enveredei densos bosques

penetrei letras de abismos

conheci clowns

sonhos

fantasia

o lírico  

o épico

o dramático  

a crítica  

a beleza dos teus versos

e tentei fugir

do amor do teu Deus

mas já era tarde...

 

hoje

quando não há mais vigília

ainda escuto teu canto:

Quando escuto passos no caminho

Sei que não vens...

Mas, te espero...

segunda-feira, outubro 04, 2021

DOIS EXCEPCIONAIS LUIZ

 Inicio pelo Bacellar, autor do livro de poemas Quatro Movimentos, (em outra edição foi intitulado de Quatuor), cujo trabalho gráfico coube a Artenova (Rio). Nesta edição, com capa de Van Pereira, a Apresentação competiu ao outro Luiz... Ruas promove autêntica aula, datada de agosto de 1975. Sem comentários: melhor é sua leitura.



 

APRESENTAÇÃO

 

Não raros foram os grandes mestres da música que, forçados pelas circunstâncias, tiveram de recorrer a textos de poetas médios ou mesmo medíocres para, sobre esses desfigurados e empalidecidos textos, compor as suas obras extraordinárias. E só o conseguiram devido à força dos seus gênios. Poucos foram aqueles que, como um Debussy, tiveram a sorte de encontrar um L'Après Midi d'un Faune.

O poeta Luiz Bacellar nos oferece um novo livro de poemas titulado Quatro Movimentos e tem como subtítulo "Sonata em si bemol menor para quarteto de sopro".

Digo que um alegre sobressalto de mim se apossou, à medida em que avançava na leitura dos poemas enfeixados em Quatro Movimentos e uma pergunta me alvoroçou o espírito e me perseguiu durante as leituras que fiz do livro: o que está acontecendo? Verlaine, Rimbaud, Baudelaire estão de volta? (...)

Neste sentido é que em toda a poesia simbolista encontramos uma presença do obscuro, do indizível, do ilógico ou, melhor, do alógico que se manifesta, principalmente, em duas atitudes comuns a todo poeta simbolista (repito que não me refiro aqui a simbolismo no sentido puro e simples de "escola" que já passou, que não tem mais sentido de existir, mas no sentido de "tendência" do espírito humano): a loucura ou a religiosidade.

Quando Paul Claudel chamava Rimbaud de "místico em estado selvagem" afirmava de maneira lapidar o que estamos querendo dizer. Sabemos que o simbolismo foi, antes de tudo, um movimento de revolta contra o naturalismo de um Flaubert, de um Zola, de um Maupassant e, em poesia, uma revolta contra o parnasianismo de Leconte de Lisle, de um Sully-Prudhomme, de um François Coppée, de um Heredia.

O aparecimento de Les Fleurs du Mal, em 1857, é, sem dúvida, o ponto de partida definitivo da rebelião literária contra as escolas que se deixaram dirigir pelas filosofias racionalistas e mecanicistas que arrancavam do mundo e da existência todo e qualquer significado de transcendência.

Por este motivo é que Claudel dizia que devia tudo a Rimbaud e que fora ele que o salvara "do inferno e da Universidade". É essa busca do mistério, da fuga de uma realidade imanentista, sem qualquer tipo de transcendência, que se revela na linguagem poética dos simbolistas de todos os tempos.

Santo Agostinho afirmava que toda vez que nos aproximamos da realidade misterial, a palavra perde toda sua força, torna-se incapaz de traduzir a experiência interna que é essencialmente intuitiva e a alma abandona a palavra e recorre ao canto, à música. Daí a musicalidade ter sido, ao lado da religiosidade, do mistério, do obscuro, da magia, da loucura, uma das características essenciais da linguagem simbolista. Eles não queriam dizer a coisa, as coisas, a realidade, mas, apenas, sugeri-la.

Aí está o livro de Luiz Bacellar. De todos os poetas que conheço, aqui do Amazonas, nenhum tem mais sentido do mistério do que ele. Os seus poemas de Quatro Movimentos, já são em si mesmos pura musicalidade. Não vamos nos deter, agora, em uma análise mais detalhada da obra.

Afirmo, porém, uma coisa: qualquer grande mestre da música sentir-se-ia feliz em ter em mãos estes poemas. E acrescento que os poemas, feitos para serem musicados, são de uma tal riqueza musical que até mesmo um músico medíocre seria capaz de arrancar deles a mais bela sonata em si bemol menor para quarteto de sopro.

Dedicatória a D. Carmen Marinho,
esposa de Jauary Marinho, Reitor da Ufam