CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

domingo, julho 29, 2012

Centenários anúncios de cinemas


       
Jornal do Commercio,
14 julho 1912
Manaus ja possuiu um bom número de cinemas, antes que a TV – especialmente esta – fechasse todas essas casas. Os nomes são repetidos pelos enquadrados na terceira-idade. Há nesses uma parcela de saudosismo, de repetir como mantra que o passado era “melhor”. Não sei se dirão o mesmo do cinema instalado na cidade.
Em nossos dias, as casa de exibição modernizaram-se, reuniram-se em shoppings e estão cercadas de recursos tecnológicos, capazes de permitir que o mesmo filme tenha projeção nacional.

Mas o amigo Ed Lincon (edlincon@hotmail.com) continua recolhendo dados sobre os cinemas de Manaus, que  existiram no século passado. Interessa-lhe tudo, dados de funcionamento, de fotos e fatos publicados, propriedade e por ai afora.

São deles as ilustrações aqui publicadas. Apenas o cine Guarany tem sido decantado pelos artistas e historiadores manauenses, os demais foram meros participantes.
Cine Guarany, em seu lugar agência do banco Itau

Jornal Correio do Norte, 14 março 1912

Jornal do Commercio,
22 agosto 1912

sexta-feira, julho 27, 2012

Dia do patrono dos motoristas


Anteontem 25, foi o Dia de São Cristóvão, ou do patrono dos motoristas e, com mais detalhe, dos taxistas. A festa religiosa foi explosiva, tanto foram os fogos de artificio que saudaram o santo, despertando a cidade, em plena tarde. A festa teve a presença e a benção do bispo auxiliar, Dom Pasqualotto, nos veículos em carreata ou, melhor dizer, em procissão.  

Acentuo isso, porque estando a uma boa distância do evento, fiquei intrigado com o show pirotécnico. Em seguida, diante da TV, assistindo ao jornal local, fui informado do motivo de tanto foguetório.

A mesma edição fez destaque de mais uma morte de taxista. Trata-se do oitavo profissional do volante sacrificado neste ano. Isso, obviamente, acentuou a ira dos colegas, que a cada crime reivindicam mais segurança ao poder executivo. Quase sempre sem retorno.

Lembro até que um motorista de Manaus lançou, para se defender, uma gaiola plástica ou coisa parecida, no interior do taxi. Vi isso na TV. Mas, volto a São Cristóvão. O santo que deve olhar pelos seus patronados, mas que parece ter cochilado algumas vezes.

No dia imediato, li nos matutinos que um “suspeito” (apesar da confissão, sempre é suspeito) fora preso e recolhido ao Distrito. E que cerca de 500 taxistas cercaram a carceragem, ameaçando invadir o local para justiçar o preso. E, assim, vingar o colega.

Esse ataque de “justiça” me fez lembrar o caso emblemático, acontecido no centro da nossa cidade, há 60 anos. O caso Delmo Pereira. Falo do estudante, que assaltou a serraria da família, mas, tentando esconder o mal feito,  acabou por matar o chofer de praça (taxista, de hoje). Preso o criminoso, foi conduzido em ambulância para exames médicos. No caminho, os colegas do morto, mancomunados com o motorista da ambulância, sequestraram o Delmo e fizeram “justiça”.

Quando esse princípio vai deixar de existir, especialmente nessa classe? Sempre que um taxista é morto, ocorre uma caçada ao criminoso, com ou sem a polícia, mas sempre com arma de fogo apoiando. Enterrado o morto, os gritos ainda são ouvidos, mas acabam por silenciar, até que outra tragédia semelhante seja contabilizada.

O legislativo federal prepara-se para discutir e aprovar o novo Código Penal. Haverá algum dispositivo que reprima este tipo de vindita? Certo. Se há leis e há quem as aplique, por que esse barbarismo se mantém?

Enfim, diante de mais essa demonstração de barbárie, creio que Dom Pasqualotto rezou em vão. São Cristóvão, que não tem culpa desse pecado, rogai por nós!


terça-feira, julho 24, 2012

CORONEL BRANDÃO: SETENTANOS

Coronel Brandão,
na Missa

Ao abrir meu endereço postal, deparei com uma solicitação corriqueira. Dois colegas de farda afastados pelo tempo e distância, o coronel Paranhos, de Belém (PA), solicitava-me o telefone do coronel Brandão, de Manaus (AM). No mesmo texto, lembrou-me que foram companheiros em curso nos Estados Unidos, em 1972.

Esse dado me proporcionou esta postagem, depois que passei pela igreja de São Jorge, paróquia frequentada pelo coronel da reserva Antônio Guedes Brandão, para assistir a missa onde ele foi ressaltado e parabenizado.

Nascido no Curari, distrito do município do Careiro da Várzea (AM), em 24 de julho de 1942, Antônio era filho de seu Agenor e dona Laura Guedes Brandão, uma família simples e de poucas rendas. Um dia, este filho cruzou o rio Negro para buscar na Capital o aprimoramento escolar, que iniciou ao matricular-se no ensino médio da então Escola Técnica Federal.

Entusiasmado, no início de 1966, prestou concurso para o oficialato da Polícia Militar do Amazonas. Aprovado, foi matriculado, em companhia dos colegas Edson Matias e Nazareno Benfica, no Curso de Formação de Oficiais (CFO) da Academia do Barro Branco, da PM de São Paulo.

O curso teve duração de três anos. Ao final, Brandão tornou-se o 8.º/114, ou seja, Brandão (seu nome de guerra) conquistou o 8º lugar na turma de 114 alunos, disputando com colegas que se notabilizariam na política paulista e nacional, como Luís Antônio Fleury Filho (3.º/114), ex-governador de São Paulo e atualmente deputado federal.

Ao retornar à PM do Amazonas, em 1968, vieram as promoções e os encargos correlatos: além do curso mencionado acima, teve o privilégio de instalar, em 1980, o Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (Cfap), onde permaneceu na direção por cinco anos. Sua tenacidade destacada deu-lhe motivação para escrever a letra do hino desse extinto departamento de ensino da PMAM.

Coronel Brandão recebe especial benção do vigário de
São Jorge, pelo seu aniversário
Volveu à PMESP em mais duas ocasiões, para os cursos fundamentais: de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO) e Superior de Polícia (CSP). Ao cabo deles, gravou sua “conhecida dedicação às fichas” (cdf), sigla que no jargão militar possui outra versão.

Entre outros encargos, trabalhou no Palácio Rio Negro entre 1972-74; comandou o Corpo de Bombeiros no período de 1984-87; assumiu a Secretaria de Segurança Pública, no biênio 1991-92 e, finalmente, exerceu o comando geral da PM do Amazonas de 1992 a 94. Nessa ocasião, distinguiu os colegas do CFO na chefia do Estado Maior, coronéis Edson Matias e Nazareno Benfica.

Na reserva desde 1994, voltou seus desvelos para o sítio que mantém por diletantismo, e para a comunidade Nossa Senhora das Graças, no distrito de Curari, onde tudo começou.

Os cinemas Avenida

Existiram em Manaus três cinemas Avenida. O primeiro durou apenas meses entre 1908-09; o segundo marcou presença em 1912; e finalmente, o mais conhecido pela sua duração e progresso, pois foi inaugurado em 1936 e desapareceu, compelido pela energia da TV, em 1973. Curiosamente, todos tiveram endereço na mesma artéria, na avenida Eduardo Ribeiro, ao longo de dois quarteirões.

A sala de exibição denominada Cinema Avenida, localizou-se junto ao famoso “Canto das Novidades”, de Andrade, Santos & Cia., (onde estiveram, pela ordem, o Bar Americano, a agência do banco Credireal de Minas Gerais e, atualmente, o C & A). Funcionou de 28 de novembro até o início de dezembro de 1909, e esteve equipada com projetores da Pathé-Fréres e Gaumont.

Anúncio do cinema em Jornal do Commercio,
12 nov. 1912
Três anos depois, ao lado do “Restaurant Français” (mais tarde, Bar e Sorveteria Avenida e, atualmente, Bradesco), a 20 de outubro de 1912 foi inaugurado o segundo Cinema Avenida, de J. Moraes & Cia. Empregava a orquestra regida por Landry, Campos e Pagani. Tal qual o antecessor, este também teve existência meteórica, encerrando definitivamente em janeiro de 1913.

Somente em 1935, os sócios Antônio Lamarão e Aurélio Antunes fundaram a empresa Cinema Avenida Ltda. Para isso, a empresa adquire o edifício de nº 427 da famosa avenida, onde funcionara a Manáos Arte (1926-1934), para nele instalar a sala de cinema que receberia o nome de Avenida. O estabelecimento pertencia a firma J. G. Araújo & Cia. (casa especializada na venda de artigos fotográficos, projetores Krupp Ernmann e Pathé Baby, bicicletas, pneus e representação dos automóveis Willys).

A 1º de dezembro, Lamarão inicia as obras de reforma e adaptação do edifício. Reconstruído com luxo e conforto, a pré-inauguração do cinema foi realizada à 26 de março de 1936. O evento ocorreu às 21h, em sessão especial para imprensa e autoridades, com a exibição do filme americano Voando para o Rio, estrelado pela atriz mexicana Dolores Del Rio (1905-1983), Fred Astaire (1889-1987) e Ginger Rogers (1911-1995). 

Equipado com o “moderno” sistema de projeção Wide Range, da Western Electric, que combinava som e imagem, o Avenida foi o segundo (Alcazar, o primeiro no início dos anos 30) a usar esse processo, denominado de Movietone. Dispunha de 642 lugares e, na estreia, cobrou o ingresso a 3$200 (três mil e duzentos réis). No dia 27 de março, o cine Avenida foi oficialmente aberto ao público. 

Esquina da av. Eduardo Ribeiro com Saldanha Marinho,
onde funciona hoje o Bradesco e, ontem, o "segundo" cine Avenida
Denominado pelos jornais como o “Cinema da elite manauense”, o Avenida logo se tornaria o preferido da cidade, e famoso também pela presença constante do casal Aurélio Antunes, acompanhando o movimento da bilheteria, e da sua esposa, Maria Amélia Cezar Antunes, a dona Yayá.

Tradicionalmente usando seu vestido tubinho florido e os longos cabelos negros amarrados atrás, dona Yayá era uma atração à parte. Seja pelo jeitão espalhafatoso, seja pela maquiagem exagerada que a caracterizava, com isso tornou-se bastante conhecida pelos frequentadores do Avenida. Dona Yayá contava trechos dos filmes em exibição, visando atrair os mais hesitantes em entrar, em especial, as normalistas do Instituto de Educação.

O casal permaneceu à frente do cinema Avenida até quando este encerrou suas atividades. Sobre essa personagem carismática, o saudoso senador Jefferson Peres (1932-2008), em seu livro Evocação de Manaus, traça um breve perfil: 

No Avenida, além do dono, tínhamos também a presença diária, obrigatória, inarredável, de sua esposa, d. Yayá. Sempre com o rosto pintado de batom e ruge de tom arroxeado, lá estava ela, infalivelmente, em todas as sessões, sentada numa poltrona de palhinha, no hall de entrada, ou debruçada no gradil, ao lado da borboleta. Às vezes, ficava à porta, procurando aliciar espectadores com a recomendação: Entre, o filme é ótimo! E ante a incredulidade do interlocutor, acrescentava: E colorido! Para ela uma prova irrecusável de boa qualidade.

"Terceiro" cinema Avenida, fechado em 1973, em foto
após o fechamento
Nota: Estes recortes pertencem ao Ed Lincon, que sabe tudo sobre os cinemas de Manaus. Ao visitá-lo, dia 20, por motivo de seu aniversário, fui brindado com agradáveis notas sobre os cinemas e o material desta postagem.

segunda-feira, julho 23, 2012

RAIMUNDO MORAES (1872-1941) 2ª PARTE


Raymundo Moraes, 1935 
Transcrevo a segunda parte do capítulo O Gaiola, inserto em Na planície amazônica (1926), o livro de Moraes que despertou a admiração de tantos, não apenas de governantes e leitores sobre a Amazônia, mas igualmente de casas editoras do Sul do país.

O Gaiola (final)

No verão [os gaiolas] furam, quando navegam nos rios secos, rasgam as chapas em âmagos fincados no álveo, em pedras soltas no leito, e vão a pique ou salvam-se milagrosamente alcançando as praias. Forçados pelas vazantes imprevistas, nos longínquos afluentes, navegam à noite, envoltos na escuridão com dois fortes projetores à proa, nas bochechas, pouco acima da linha dágua, e rompem a treva apitando, guinando, bufando, cercados de nuvens de borboletas e de insetos atraídos pelos focos luminosos.

Nas inundações, enfiam-se na mata alagadiça e ficam presos muitas horas, apertados nos caules do arvoredo, cobertos de ramos e folhas, de lianas e parasitas, como divindades silvestres.

Outros, verdadeiros hospitais ambulantes, levam no bojo a gripe, a tuberculose, a coceira, o sarampo. Súbito há um alarme, é a varíola que se manifesta. Tocam no primeiro barracão para deixar o doente. A gente de terra protesta, não consente, e, armada de rifle, ameaça. Isolam, então, o desgraçado na última tolda, debaixo de encerados transformados em tendas de campanha. Breve, porém, a bexiga empesta o vapor e surgem os casos fatais. As vítimas vão ficando enterradas pelos barrancos, fora do conhecimento dos moradores ribeirinhos; e a epidemia propaga-se das margens para o interior da hinterlândia, dizimando e arrasando os seringais do centro, atingindo e invadindo as malocas do silvícola.

Invariáveis e inconstantes como são as cheias nas cordas remotas, há anos ali de muita água e há anos de pouca, surpreendendo sempre o navegante com os fenômenos potamológicos mais inopinados. Quem escreve estas linhas, comandando o Brito em 1913, gaiola de cento e cinquenta pés, atracado ao porto Guanabara, derradeiro ponto acessível no laco, afluente do Purus, só ali ficou vinte e cinco dias em seco. Duas vezes teve a ilusão de regressar e em ambas perdeu o repiquete. O rio começava a encher violentamente às seis horas da tarde. Os cabos de arame passados para terra pareciam cordões de viola. A amarra de lançante, rasgando as águas, lembrava um espigão de ferro. Do talhamar subia o ruído marulhante e falso da embarcação que navegava, tal a força da corrente: cinco, seis, sete milhas. Rápidos, rumo da foz, passavam de bubuia galhadas, tronqueiras, ilhas de capim, canoas alagadas, cisco. O vapor, apesar dos viradores dobrados, assemelhava-se a um cavalo inquieto e preso: encostava, abria, tesando e brandeando as espias. Na volta da meia-noite, a escala a prumo, fincada na ribanceira, marcava seis metros acima do nível observado ao por do sol. Ordem de ativar fogos. Preparativos de partida para o raiar do dia. Pois bem, às seis da manhã o navio não flutuava mais. Perdera-se o momento, o repiquete fugira no tempo vertiginoso de poucas horas.

Os gaiolas avançam tanto em determinadas viagens, que são obrigados a descer de popa, ao sabor do caudal, desviando-se das pontas de tabatinga, dos torrões, dos salões, dando adiante, atrás, parando, largando o ferro passando espias nas margens. Afinal encontram a boca de um igarapé, metem a popa e viram rio abaixo. Ao evoluírem, partem os gualdropes, empenam a porta do leme, arrancam os pés-de-galinha, entopem os ralos dos injetores, quando não atravessam e ficam esperando o inverno vindouro.

Mas não há fugir das manobras sensacionais e arriscadas, fora de qualquer tabela, aproveitando os acidentes e contornos topogficos, das paredes do canon, os remansos, as corredeiras, os sangradouros, os estoques fluviais.

Felizes muitas vezes, sem avarias de monta, retornam no rabo dos repiquetes, evitando com essa precaução anteceder-se ao grosso das enxurradas, que avolumam momentaneamente os remotos cursos dágua, além de ficarem a salvo dos paus flutuantes, arrastados na testada das enchentes. E singram carregados de goma, abarrotados de seringueiros de saldo. Entretanto, nas derradeiras seções dos tributários, ainda recebem, em vastos paióis provisórios sobre a coberta, farta quantidade de castanha, bertholletia excelsa, e chegam a Manaus com os embornais mergulhados. Amarram nas boias recordando museus zoológicos, cheios de araras, papagaios, periquitos, macacos, jacamins, mutuns, tartarugas e jabutis.

Livro de Raymundo Moraes,
publicado em Manaus,
em 1924
Da capital amazonense para a jusante, em Santarém, Óbidos, Monte Alegre, Prainha, recebem cachos de banana, paneiros de tomate, cuias pintadas, garrafadas de muirapuama, melões, melancias, atas, laranjas, abacates, mel de abelha, queijos, fora os olhos de botos e os irapurus, trabalhados pela pajelaa, e que atraem a felicidade no comércio, no jogo e no amor.

Ao vingarem os Estreitos de Breves, livres da última escalada, próximos ao ponto terminal, transmitem a impreso de navios-piratas, vindos de uma pilhagem bárbara, tanto e díspares são os bichos e as coisas amontoadas sob as mesas, amarrados aos pés de carneiros, presos aos balaústres, guardados nos banheiros, escondidos no rancho. O aspecto anárquico e cigano dos gaiolas que trafegam os altos rios, modifica-se, todavia, nas embarcações desse tipo nas linhas fixas e baixas, onde se observa mais ordem, limpeza, conforto e regularidade.

Em todo o vale do Amazonas, sem incluir a Estrada de Ferro de Bragança, ligando a zona do Salgado, no Pará, e ainda a via-férrea do Alcobaça, vencendo a zona de cataratas do Tocantins, com oitenta quilômetros já em tráfego, só existe a ferrovia Madeira-Mamoré, com trezentos e sessenta e seis quilômetros de trilhos para salvar a região encachoeirada dos cursos que lhe dão o nome, desdobrada entre Porto Velho e Guajará-Mirim [RO], este na fronteira de Mato Grosso com a Bolívia. Ao Amazonas propriamente, dessa estrada, cabem apenas oito quilômetros e tanto de linha, os únicos existentes em todo o seu território.

De sorte que a bacia imensa, por uma fatalidade geográfica, permanece à mercê do transporte fluvial, que vai da canoa escoteira ao gaiola de várias tonelagens. Alguns varadouros atravessando as mesopotâmias, e que ligam a rede hidrográfica pelo deserto, principiam a surgir, concretizando a ideia da transacreana, entrevista por Euclides da Cunha, a fim de unir o sertão. Até agora, no entanto, somente o gaiola domina o tráfego da desmedida planície equatorial.