Adotei a produção literária do saudoso padre-poeta L. Ruas (Luiz Augusto de Lima Ruas) há quinze anos. Quando, para lembrar os 50 anos de sua ordenação, tomei a iniciativa de recolher sua produção literária publicada nos jornais e revistas da cidade. E assim aconteceu, o que me levou a proclamar ter recolhido “quase tudo”.
Passada essa temporada, ainda sou
gratamente surpreendido como ocorreu semana passada, ao vasculhar a coleção do
matutino A Gazeta. Neste, entre agosto
e outubro de
1963, reencontrei a Ronda dos Fatos, que o colunista L.
Ruas produzira em A Crítica (1957-58).
Com este achado, asseguro que o
autor de Aparição do Clown integrou ao
seu tempo a redação de todos os jornais de Manaus. Além do microfone da Rádio
Rio Mar, como cronista-radiofônico, disputando com Josué Claudio de Souza, a
preferência pela crônica propagada ao meio-dia.
O texto aqui compartilhado revela
outra de suas aptidões: a música. Além de artista das letras (em prosa e
verso), conhecia música e possuía bela voz, tendo escrito ao menos três hinos
religiosos. Desse contexto, fácil entender a exposição que L. Ruas efetuou
sobre a decantada Bossa Nova, ainda em suas primeiras harmonizações.
Samba de uma nota só, título dessa crônica,
foi vulgarizada em A Gazeta, a 1º de
outubro de 1963.
RONDA DOS
FATOS
Samba de uma
nota
A revolução literária de vinte e dois não permaneceu apenas no restrito campo da literatura. Ainda está por ser feito um estudo mais cuidadoso e mais sério da extensão daquele movimento literário e artístico. No dia em que for feito tal estudo veremos como se tratava, de fato, duma verdadeira revolução. Revolução que não encerrou somente um aspecto destrutivo – que sempre há em toda revolução – mas encerrou, também, e muito, um aspecto construtivo. Revolução, como dizia acima, que não se limitou ao campo da literatura e das artes plásticas, mas atingiu, profundamente, as mais remotas camadas e estruturações da nossa cultura brasileira.Naquela manhã de domingo para fugir um pouco às preocupações dos nossos dias e da nossa vida coloquei, em silêncio, na eletrola, o long-playing de João Gilberto.
Selecionado de A Gazeta, 1º outubro 1963
A chamada “bossa nova” que, hoje, a partir do quase fracasso no Carnegie Hall já se tornou internacional tendo sido lançada com êxito nos Estados Unidos, na França, na Itália e na Inglaterra é, talvez, uma consequência daquele movimento de vinte dois.
Não se trata de uma consequência direta e imediata, de forma a se dizer que ela descende em linha reta do Modernismo, mas, me parece, que é uma consequência dele enquanto o Modernismo semeou uma nova concepção de arte e de gosto estético.
Foi ouvindo o Samba de uma nota só na interpretação de João Gilberto que despertei para este problema. Foi prestando atenção para a música (melodia e acompanhamento) e para a letra que me surgiu esta ideia. O Modernismo foi um esforço de purificação da nossa arte. Não só uma purificação temática de caráter nacionalista, procurando assunto aqui de casa e deixando de lado assuntos da “estranja”, particularmente da Europa (França e Inglaterra) mas foi, ao mesmo tempo, e talvez muito mais uma purificação da forma.
Passado o primeiro momento destrutivo e anarquista que encerrou, definitivamente, o Modernismo, permaneceram suas consequências e suas exigências que na poesia, principalmente, se faz sentir em um João Cabral de Melo Neto que continua influenciando todos os poetas nacionais que vieram depois.
Ora, é isto que encontramos na música de João Gilberto, Tom Jobim e Carlos Vinicius de Moraes (é por acaso, à toa, que o poeta se aliou à turma da “bossa”?). É na presença de Vinicius entre os criadores e artistas atuais da “Bossa Nova” que encontro a ponte que une o movimento musical de que estamos falando e o movimento estético-literário de vinte e dois.
O que estou afirmando aqui é um ponto de vista meu e tem, unicamente, o caráter de uma intuição sem pretender ser um ponto de vista firmado.
Mas, acredito que se alguém se der ao trabalho de olhar o problema com carinho chegará às mesmas conclusões ou, ao menos, quase às mesmas. E àqueles que se interessam por ambos os problemas sugiro que coloquem na eletrola o João Gilberto e escutem, com atenção, o Samba de Uma Nota Só e depois me digam.
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