Na véspera da festa da Padroeira do Amazonas, 7 de dezembro de 1994,
desapareceu o padre Raimundo Nonato Pinheiro, aos 72 anos de idade. Cultor primoroso
da língua portuguesa, exerceu esse dote em todos os jornais de nossa cidade.
Escreveu apenas um livro, em tributo a dom João da Matta, que foi bispo do
Amazonas.
Quando Nonato Pinheiro faleceu, ele ocupava espaço no matutino A
Crítica. Calderaro – dono do jornal – necessitava substituir o respeitável articulista,
desse modo foi em busca do substituto. Quem descreve esse assédio é o próprio sucessor,
José Ribamar Bessa Freire, que conhecemos por Táqui pra ti, título de
sua coluna jornalística, em nossos dias encartada no Diário do Amazonas.
A publicação de Bessa Freire ocorreu em A Crítica (17 março
1995), aqui compartilhada.
Recorte extraído de A Crítica (17 março 1995) |
Durante muitos anos, nós nos habituamos a
encontrar, aqui neste espaço, todas as sextas-feiras, o artigo do padre Nonato
Pinheiro. O padre nos deixou e fui convidado a ocupar o seu lugar. A tarefa não
é fácil. Padre Nonato tinha os seus leitores cativos, entre os quais, desde já,
eu me coloco. Dono de uma prosa elegante, ele dominava a chamada norma culta da
língua portuguesa como o Romário — o Romário não, o artilheiro Túlio — domina a
bola. Tinha intimidade com a sintaxe, manejava a gramática com extrema
habilidade e conhecia profundamente os grandes mestres do idioma, com quem
convivia através da leitura sistemática de suas obras.
Perfeccionista, padre Nonato era muito
exigente com as questões do idioma, nos seus mínimos detalhes. Não perdoava os
vícios de linguagem. Uma vírgula fora do lugar, para ele, era como um chute
fora do gol para o torcedor fanático de futebol. Um erro de concordância, então
nem falar! Padre Nonato saía em campo, brandindo sua espada invisível contra o
agressor do idioma. Ele era uma espécie de xerife da língua portuguesa,
guardião da sua pureza, vigia do seu uso correto da sua graça e encanto.
E como era erudito, esse padre Nonato!
Era bom ler em sua coluna resenhas sobre os livros que recebia ou comentários
sobre questões polêmicas de filologia. Talvez, com sua morte, tenha sido
enterrado o último amazonense que escrevia e falava latim e ainda traçava o
grego antigo. Mesmo sem compartilhar plenamente a sua visão sobre a língua e o
seu uso, qualquer um de nós é obrigado a reconhecer que o Amazonas ficou mais
pobrezinho com a morte do padre. Intelectuais com esse tipo de formação não
existem mais.
Existiam antes, porque havia quem os
formasse. Eis o que eu queria dizer: o padre Nonato teve a felicidade de ser
filho da dona Diana Pinheiro. A minha geração, ainda de calça curta, aprendeu a
ouvir com uma mistura de respeito e veneração o nome de educadoras como dona
Natália, no Cônego Azevedo, e dona Diana Pinheiro. Com elas, até mesmo quem
comia caroço de tucumã aprendia. Várias gerações aprenderam com Diana Pinheiro
não apenas o ABC ou os conteúdos dos programas oficiais. Aprenderam princípios,
valores éticos, formas de comportamento, posturas. A escola da dona Diana era
uma escola de vida. Foi aí, neste berço, que começou a formação erudita do
padre Nonato.
Pois é, leitor! Como eu ia dizendo, a
tarefa de ocupar o espaço deixado pelo saudoso padre Nonato não é nada fácil.
Por isso, começo hoje rendendo-lhe esta homenagem sincera e carinhosa.
Requiescat in pace, padre Nonato!
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