CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

sexta-feira, março 27, 2020

ANÍSIO MELO, POR SUA MORTE (2010) 2


Retorno com a minha homenagem ao saudoso artista plástico Anísio Mello, que faleceu há dez anos, em abril de 2010. 

Entre tantas atividades, Anísio praticou a poesia, engajado com os fenômenos e os personagens míticos da nossa região. Trata-se de um amazonense, nascido em Itacoatiara, de profundidade.
Capa da publicação


Compartilho um de seus trabalhos, editado em julho de 1983 pela Secretaria de Educação e Cultura (SEC), então sob a gerência da professora Freida Bittencourt, no governo de Gilberto Mestrinho (1983-87). O projeto gráfico coube ao Coordenador de Assuntos Culturais Sérgio Cardoso. As ilustrações são do próprio homenageado.
Desde o título - De Bubuia (flutuar sobre a correnteza; boiar) e de outros termos bem regionais (como boto e mapinguari), podemos observar a canoagem de nosso saudoso poeta pelo beiradão amazonense. Para avaliar, leia o poema abaixo: 













Marapatá roubou minha vergonha.
Misturou água negra com barrenta
e sacudiu canarana doida varrida
que acenava ao boto num desejo impossível...
Vi, parado na canoa,
a floresta destilar o seu silêncio
chicoteado e trêmulo pelo grito do Mapinguari.
Quatro luas de banzeiro
rezando fino frio de chuva
na proa que afunda nas águas escandalosas,
e o rio se encharca, se empanturra
na festa liquida.

A chuva pingava pingando baldes de rios
e a canoa parada olhava o desfile.
O boto molhado não conquista ninguém.
A cabocla volúvel foi passear seu sexo
nas calçadas enxutas da cidade
onde o boto arrisca uma conquista.
A chita era bandeira de tacacáe anunciava a sua presença na avenida grávida
onde caçotes espantados devoravam vitrinas.

A canoa parada o rio serenavao espelho agitado e negro
onde a noite dormia no perau
mostrava a casa da mãe d’água
que me esperava há quatro luas

onde eu morria de amores nos seus braços
no acalanto das horas transparentes
do amor que se renova no cicio das águas
e traz à tona para a bubuia do sol
o brilho bêbado de ondas indecisas
que se quebram no abraço das árvores da beira.
A canoa desfila solitária
onde o rio é testemunha
e o boto morre de ciúmes...

Nenhum comentário:

Postar um comentário