Ainda estou empenhado em produzir uma retrospectiva da Banda de
Música da PMAM. Para tanto, para complementar este trabalho, há anos venho buscando
familiares daqueles que dirigiram ou apenas integraram este corpo musical. De um
desses contatos recebi, por intermédio do amigo dr. Antônio Loureiro, a carta aqui
compartilhada.
Quem a escreveu foi dona Lacy
Arnaud Soares, moradora do Rio de Janeiro, filha do saudoso José Arnaud (foto),
que foi regente da Banda entre 1945 e 1948.
Rio, 20 de agosto de 2013
Prezado amigo Antonio José Loureiro.
Conforme conversamos estou remetendo os dados que
consegui coletar sobre meu pai. Muita coisa terá se perdido no tempo, a
quantidade de sua obra musical é muito mais vasta sem dúvida, mas estou
remetendo o que restou.
José Arnaud nasceu em Sobral (CE), em 27 de fevereiro
de 1895. Seus pais: Henrique Manoel Arnaud e Maria de Jesus Castro. Em Sobral
viveu até os 15 anos, quando foi para a capital Fortaleza, e de lá para Manaus,
onde permaneceu até 1950, quando se mudou para acompanhar os dois últimos filhos
em seus cursos universitários. Primeiro para Belo Horizonte (MG), depois para o
Rio de Janeiro, até seu falecimento em 11 de junho de 1978, no Hospital Central
do Exército, aos 83 anos. Casou-se a primeira vez com Luzia Menezes Arnaud e
foram seus filhos: Wanda Arnaud Gonçalves, Maria do Socorro. Arnaud Rocha e
Carlos Alberto Menezes Arnaud.
Viúvo, casou-se com minha mãe, Caetana de Magalhães
Arnaud, em 30 de junho de 1931. Seus filhos: Vandyr de Jesus Magalhães Arnaud e
Lacy Arnaud Soares (eu).
Pelo que contava minha mãe, sei que entrou para o
Exército em 1913. Participou do movimento tenentista de [julho] 1924 e
mudou-se com a família para o Território Federal do Rio Branco [atualmente
Boa Vista (RR)] até ser anistiado e reconduzido ao Exército, onde ficou até
o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945.
Anúncio sobre o trabalho do regente José Arnaud |
Profundamente religioso, meu pai, era membro de uma
confraria que fazia a vigília do Senhor Morto, na quinta-feira santa, na Igreja
Matriz [Irmandade do Santíssimo Sacramento]. Era amigo dos padres da
Igreja São Sebastião, os Capuchinhos, que iam à nossa casa, tomar um café e
conversar. Eu tinha um medo grande de um deles, frei Ambrósio, que me parecia o
Barba Azul. Certa ocasião em Tabatinga (AM), acampados, meu pai, com a
devida autorização do comandante, organizou o “Natal de Jesus dos Soldados”,
que ele descreveu, emocionado, em carta à minha mãe.
Por essa época, já residíamos na casa da Praça [Largo]
São Sebastião [esquina da rua 10 de julho], em frente ao Teatro Amazonas
e meu pai chefiava a Banda de Música do 27 BC, sendo a primeira figura a aparecer
nas paradas militares, em sua farda de oficial, garboso e feliz por conduzir
sua banda de música.
Lecionava, também, a cadeira de música nas principais
escolas de Manaus Instituto de Educação do Amazonas, Colégio Maria Auxiliadora
e Colégio Santa Dorotéia (onde escreveu várias músicas para as letras da
diretora, madre Olívia Dias), fazendo parte da Associação dos Professores do
Estado do Amazonas. Talvez o Colégio Santa Dorotéia possua alguma coisa a
respeito, em seus arquivos. Lembro, particularmente de uma, por ocasião da
visita do arcebispo do Pará, D. Mário de Miranda Villas Boas: “Viva o Papa /
Deus o proteja / o Pastor da Santa Igreja”. Sei, por que fazia parte da
apresentação, como aluna do colégio.
Correto, um profundo senso de dever, e apreciado no
meio que convivia, meu pai foi convidado pelo comandante para fazer um curso de
armamento e passou a examinar todas as armas e munições que entravam na cidade
de Manaus, sendo chamado, durante a Segunda Guerra à Base Aérea de Natal (RN),
até a guerra acabar. Já em Belém (PA), recebeu um comunicado para que
continuasse a viagem até Natal de avião. E livrou-se assim, de perecer no
naufrágio do navio que foi à pique em águas brasileiras.
Registro sobre o maestro em livro de alterações, existente no Museu Tiradentes, Palacete Provincial |
Voltando à Manaus e passando para a reserva, não
abandonou seu amor pela música. Organizou sua própria orquestra, com membros da
sociedade local. Lembro de alguns nomes: pianista Jacy Madeira, Celani, prof.
Lyra (meu professor de Física e Química, no Instituto de Educação do Amazonas).
E das partituras de cada instrumento, espalhadas pela sala, no sofá, poltronas,
cadeiras, para secar. Escrevi-as na mesa da estante, com caneta tinteiro e
tinta nanquim. Passava, levemente, um mata-borrão abaulado com um botão em cima,
e colocava para secagem.
Tocavam no Teatro Amazonas, abrindo os espetáculos, no
Rio Negro, no Ideal Clube, no Luso, no Olímpico. Em nossa casa, no Carnaval,
faziam blocos de “assustados” e os amigos eram sempre presentes.
Na reserva do Exército, José Arnaud foi chamado para reorganizar a Banda de Música da Polícia Militar, que passava por certa dificuldade na contratação de músicos competentes, tanto que seu antecessor, tenente Albino Ferreira Dantas, teria ido ao Nordeste em busca de novos músicos. Como regente da Banda de Música da Polícia Militar do Amazonas, permaneceu durante os anos de 1945 a 1948.
(...) Espero ter contribuído para atender o convite que me foi
feito, e sinto-me honrada pela lembrança de meu pai, num acervo de tal
importância. Estou enviando os originais devido o tempo dos documentos, para
não prejudicar a impressão. É uma honra entregá-los ao acervo da Polícia
Militar do Estado do Amazonas, onde serão, sem dúvida, mais bem aproveitados.
Infelizmente a maioria de suas partituras se perderam
e não passaram pelas minhas mãos. Certamente as teria conservado, com o maior
carinho.
atenciosamente
Lacy Arnaud Soares
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