Manaus passava por extrema dificuldade, pois sequer
dispunha de energia elétrica, em condições. Álvaro Maia fora empossado governador
no ano anterior. E o serviço de combate ao fogo passara ao encargo da prefeitura
da Capital. Por isso, há 60
anos...
Em 2 de janeiro, o efetivo da Companhia dos Bombeiros Municipais
(CBM) era de três oficiais, oito sargentos, oito cabos e dez soldados ¾
29 bombeiros. No final do mês seguinte, o Boletim da corporação divulgava a
situação disciplinar da tropa, submetida às regras do Regulamento Disciplinar
do Exército (RDE). Como era desalentadora, 90% da tropa estava no mau
comportamento!
Jornal A Gazeta, 10 março 1952 |
Os sinistros não esperavam. E os desastres afligiam a
população que cada vez mais desacreditava nos Bombeiros. A temporada de incêndio
abriu-se com o que consumiu a fábrica de derivados de borracha, instalada ao
lado da Penitenciária do Estado, na avenida Duque de Caxias. “Incêndio no prédio da Companhia Nacional de
Borrachas: as autoridades no local do sinistro”, divulgou A Gazeta (10 março). A urbanização do local, concluída em
2005, fez desaparecer as marcas dessa tragédia.
O fogo foi pressentido por soldado da segurança do
presídio, que alertou o vigia da Companhia
Nacional de Borrachas (CNB), quando passava um pouco das dezenove horas. O jornalista
André Jobim, autor da coluna Velhos Tempos, que “se encontrava no bar Pérola
da Visconde, em frente à sua residência, telefonou à Policia Central”. Como
de praxe, autoridades (o comandante da Guarnição Federal; o da Polícia Militar,
coronel Manoel Corrêa; o Chefe de Polícia, coronel Luiz Pinheiro; o chefe do
Gabinete Civil, Dr. Flávio de Castro, entre outras) estiveram no local, “todas
interessadas em dar combate às chamas.” A despeito do empenho geral, o
“terrível elemento” alastrou-se, pondo em risco os prédios do hoje Centro
Educacional Santa Terezinha e da Casa da Criança Circulista Menino Jesus. Segundo
indicações, “a origem do incêndio foi um curto-circuito”, encerra a reportagem.
O matutino A Gazeta, 17 março 1952 |
As grandes tragédias que marcaram a cidade, quase sempre
serviam de escopo para expressar encômios aos bombeiros. Como quando a fábrica Labor,
de I. B. Sabbá, de beneficiamento de borracha, instalada na estrada de
Constantinópolis, hoje avenida Leopoldo Péres, bairro de Educandos, ardeu em
chamas. Rejubilado, o comandante Isidoro Castilho agradeceu em Boletim (18 março)
aos abnegados bombeiros.
Elogio os
2.os tenentes José Tomaz Monteiro Filho e Antônio Souza Barros; 1.º
sargento Sebastião Vicente do Nascimento; 2.º dito João Dias Miranda; 3.os
ditos João Coelho Sobrinho; Antônio Ferreira da Rocha; Antônio Januário da
Silva e Sebastião Ramos Filho. Cabos Luiz Constantino de Melo; José Mendes de Lima;
Carlos Cavalcante; Raimundo Ribeiro da Silva; Raimundo Nogueira da Silva;
Adauto Vieira Cirino e Daniel de Queiroz Sobrinho. Soldados Pedro Evaristo da
Silva; Modesto Leopoldo Rodrigues; Rubens de Paula Cascais; José Inácio de
Souza; José Pacheco Nonato; Manoel Paes e José Dionísio Martins, pela maneira
eficiente, boa vontade, grau de compreensão e presteza com que se houveram por
ocasião do serviço de extinção do incêndio da fábrica Labor, no dia 16
de março de 1952, domingo.
A mesma
tragédia, no entanto, descrita pelo jornalista oferece outra conotação (A Gazeta, 17 março). Depois do “crepúsculo em chamas” do dia 9, o sinistro
atingiu a Usina Labor, de I. B. Sabbá, “uma das usinas melhor aparelhadas de
Manaus”, com vários pavilhões. Embora o fogo só tenha atingido um dos
pavilhões, haverá um vultoso prejuízo, que “ocasionará sério abalo na veia
econômica do Estado”.
O alarme foi dado por uma religiosa da Casa da Criança, porque
no momento realizava-se a Páscoa dos empregados das indústrias Sabbá. Daí a
grande afluência não somente de operários, mas também de seus familiares.
Alertados, “movimentaram-se empregados e outros populares, para por fim ao sinistro”.
Incrível, mas verdadeiro: nenhuma linha sobre os bombeiros.
O comando da corporação certamente se esforçava. No final de março, para selecionar candidatos à inclusão estabeleceu regras, mínimas é bem verdade, mas algumas regras. Difícil saber se foram executadas, diante da reduzidíssima procura e de farta indicação, o atual QI. Em sofrível redação, o comando (boletim de 29 de março) baixou a“Ordem sobre inclusão”:
Sendo a
Companhia de Bombeiros uma organização para o serviço de extinção de incêndios,
cabendo-lhe também prestar auxilio à população nos vários casos em que houver
vítimas ou pessoas em iminente perigo de vida, trabalhos esses que reclamam
capacidade física e agilidade, e que sempre acabrunham precocemente o homem; e
também com o fito de dar uma feição distinta à Companhia, este Comando houve por bem adotar o seguinte, para o
ingresso nesta Companhia: a) ser reservista de 1.ª, 2.ª ou 3.ª categoria; b)
submeter-se a inspeção de saúde; c) ter, no máximo, 30 anos de idade,
incompletos; d) apresentação de Atestado de Conduta, recente, passado pela
Polícia Civil.
Nesse panorama de dificuldades, em que a conjunção de
sinistros sobrepunha-se às precárias condições dos bombeiros da Prefeitura,
surgiu a Sociedade dos Bombeiros Voluntários de Manaus. Fundada em 24 de abril
de 1952, funcionou à rua Alexandre Amorim, bairro de Aparecida, endereço de seu
comandante Ventura. Se para o Estado, a manutenção desse serviço denotava
ser um fardo, como esperar que os particulares superassem os mesmos entraves?
Ambas as corporações eram deficientes; para encorpar suas forças passaram a manobrar em conjunto. Pelo ineditismo e, mais pelo empenho, os voluntários se se tornaram o xodó da Cidade. Tantos anos depois, ainda quando eu trabalhava este capítulo, avós saudosistas rememoravam os seguidores do comandante Ventura. Quando este foi sepultado, em 1961, a agremiação deu início a sua extinção.
O registro seguinte resume o descalabro no campo do
combate ao fogo. O título resume com propriedade a situação: “Origem misteriosa do incêndio da usina de
juta da Matinha. Apenas um cabo e um soldado da Companhia de
Bombeiros se encontravam de plantão.” (A Gazeta, 14 abril). Dessa vez, o fogo atingiu a usina “Matinha”, de beneficiamento de juta,
pertencente ao comerciante Abdul Hauache (mais tarde, proprietário da TV
Ajuricaba, pioneira em Manaus). Avisada a Polícia Civil, compareceram o Chefe
de Polícia, coronel Luiz Pinheiro, os delegados auxiliares (tenente Waldemar
Silva e Adail Paes Barreto), os quais encontraram “alguns populares dando
combate às chamas”. Pelo telefone, a Companhia de Bombeiros foi chamada, mas
“nada pode fazer, pois de plantão se encontravam apenas um soldado e um cabo”.
Os prejuízos, no entanto, foram de pequena monta.
E mais chamas. Dessa vez, sobrou para os marujos de um
contratorpedeiro ancorado na baía do rio Negro. E mais lamentos na Cidade, tanto
dos proprietários quanto da população. O Diário
da Tarde (7 julho) apregoa a causa: “Violento incêndio destruiu a Padaria
Universal,” situada à rua
Henrique Antony com rua Frei José dos Inocentes, da firma Simões & Cia. As
chamas, iniciadas na estufa de macarrão, tomaram conta do prédio e alcançaram
as casas vizinhas.
Ao pedido de socorro,
“atenderam os marujos do contratorpedeiro Bracoy, atracado no porto”, que
auxiliaram os bombeiros voluntários. Os policiais civis além de guardar
as mercadorias salvas, tentaram auxiliar “os soldados do fogo na vã tentativa
de extinguir as chamas”. A violência destas consumiu o prédio e tudo mais,
deixando o edifício “transformado em indescritível braseiro”. Ao raiar do dia,
os bombeiros voluntários buscavam demolir os escombros.
Agosto, mês do desgosto. Vigoroso fator
contribuía: o verão que começava, torrando tudo, qualquer faísca podia
ocasionar um incêndio, pois as casas e os casebres eram construídos em madeira
e cobertos de palha, ingredientes de fácil combustão. Nesse panorama, uma foguetaria possuía
não um, mas os dois pés-frios ,
todo ano sofria um incêndio. Nesse ano, os prejuízos foram avultados,
contabiliza O Jornal (15 agosto).
Violenta explosão arrasou parte da
foguetaria Iracema, de Filogênio
Ferreira da Costa, “situada à margem
esquerda do Quarenta”, na Cachoeirinha. Fabricante de fogos de artifícios, o
quadro que se seguiu ao desastre era “desesperador”. Dois mortos, uma criança
de três anos, Maria Lúcia, que “não foi sozinha para o outro mundo”, e Maria
José de Oliveira Dantas.
Quatro operárias saíram gravemente feridas: Maria José Nunes, residente à rua Borba, 1.367; Raimunda Ferreira dos Santos, 18 anos; Maria Severina Nunes, 20 anos, residente à rua Maués, 336 e Clotilde Carlos dos Santos, que recebeu ferimentos leves porque foi atirada à distância, pela força da explosão.
Na
Delegacia Auxiliar, o comissário Cabral dos Anjos, auxiliado pelo escrivão Aloísio
Filgueiras (pai do poeta e acadêmico Aldísio Filgueiras), abriu o “competente
inquérito”. Filogênio Costa ignorava “completamente a origem de tão pavorosa
tragédia”, mas calculava que seus prejuízos podiam alcançar “a importância de
Cr$ 120.000,00.”
Encerrando o ano, o tenente Isidoro Castilho, comandante da Companhia, expediu esta sombria mensagem:
Este
Comando faz ciente aos seus comandados que não sendo possível organizar um
programa para festejar o dia de amanhã – 1.º de
janeiro – como é regulamentar,
em virtude da situação que ora atravessa esta Companhia. Entretanto, deseja a seus
oficiais, sargentos, cabos e soldados e suas exmas. famílias a entrada de um
próspero e Feliz Ano Novo.
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