No próximo dia
8 de novembro, a Polícia Militar relembra o retorno de sua tropa expedicionária
a Canudos (BA), quando esse evento completa 115 anos.
De minha
parte, autor de Cândido Mariano &
Canudos, a fim de repassar o envolvimento da força estadual amazonense no
conflito, reproduzo o terceiro capítulo do trabalho que organizei para o Museu
Tiradentes.
A CAMPANHA DE CANUDOS
Vista parcial de Canudos, foto de Flávio de Barros, 1897 |
A volumosa
presença de seguidores trouxe problemas para as autoridades; alguns de ordem
policial, outros de ordem econômica. Os mais destacados: a partir da libertação
dos escravos, as fazendas seguiam perdendo a mão de obra. Contra isso,
reclamavam ao governo os coronéis,
seus proprietários. Desses, o mais distinguido foi o barão de Jeremoabo, cujo
latifúndio nas proximidades sofria a concorrência da cidadela de Conselheiro. Reclamações outras eram
causadas pela negação do pagamento de impostos, atrevimento atribuído
igualmente ao Conselheiro.
Em 1895, o governador da Bahia recorre à Igreja católica para controlar os seguidores de Conselheiro. Como costumeiro, o bispo diocesano envia dois frades para administrar uma Santa Missão no local. Objetivo primordial: convencer os fiéis a respeitar os preceitos religiosos e temporais, leia-se o governo estadual. Por motivos peculiares, a Missão fracassou razão pela qual os frades, ao abandonar Canudos, sacudiram as sandálias repetindo o gesto do profeta. Tem mais: em Relatório, empurraram o episódio para a esfera policial. E a atribuição foi cumprida.
Necessitando
de madeiramento para a construção da igreja de Santo Antônio, Conselheiro adquire-o por intermédio de
João Evangelista Pereira e Melo, em Juazeiro (BA). Como demorasse a entrega, o
comprador ameaça buscar a partida de madeira empregando seus seguidores. O
ultimato causa profundo receio naquela cidade. Na querela, intromete-se o juiz
Arlindo Leoni, desafeto do movimento conselheirista,
que reclama e insiste por socorro policial ao governador Luís Viana. No final
de 1896 era dada partida à empreitada contra Canudos.
Página do caricaturista Parlim, em A Guerra de Canudos |
A Primeira Expedição, sob o comando do tenente Manuel da Silva Pires Ferreira, do 9º Batalhão de Infantaria, com mais de uma centena de subordinados, partiu de Salvador (BA) pela Estrada de Ferro Bahia-São Francisco. Marque essa data: 6 de novembro. No dia imediato desembarcou em Juazeiro (BA), na margem do rio São Francisco, a cidade ameaçada. Como a ameaça do Conselheiro não se concretizasse, cinco dias depois, o tenente Pires Ferreira decide atacar, pretendendo surpreender Canudos, distante 200 quilômetros. A expedição marcha a pé, utilizando caminhos ruinosos. E com mais e mais arrochos: pouca água, reduzido provisão de alimentos e seu pessoal recrutado à força.
Uma semana
depois, Pires Ferreira e a tropa chegam a Uauá (BA), depois de caminhar cerca
de 150 quilômetros. Extenuados, acampam.
Apesar da decisão de surpreender, a tropa permanece em Uauá por dois
dias, até o dia 21. Nada de significativo acontece, salvo a retirada de quase
toda minúscula população da vila, na noite anterior. As cinco da madrugada de
21, a expedição teve contato com o pessoal de Canudos. No horário, uma
procissão, usando toda sua ostentosa liturgia e cantando hinos e ladainhas,
aproxima-se do acampamento. Assim descreve Euclides da Cunha:
Um
coro longínquo esbatia-se na mudez da terra ainda dormida, reboando longamente
nos ermos desolados. A multidão guerreira avançava para Uauá, derivando à toada
vagarosa dos kyries, rezando. (...) Os combatentes, armados de velhas
espingardas, de chuços de vaqueiros, de foices e varapaus, perdiam-se no grosso
dos fiéis que alteavam, inermes, vultos e imagens dos santos prediletos, e
palmas ressequidas retiradas dos altares. (...) Seguiam para a batalha rezando,
cantando – como se procurasse decisiva prova às suas almas religiosas.
É pouco
provável que este confronto tenha acontecido dessa maneira. Basta lembrar que
Canudos dista de Uauá próximo de 110 quilômetros. Certo mesmo é que a tropa foi
surpreendida e, apesar das explicações do comandante Pires Ferreira, ocorreu o
primeiro fracasso. Prontamente o governador da Bahia ordena a Segunda Expedição.
Deu-lhe o comando do major Febrônio de Brito, também do 9º Batalhão, com oito
oficiais e cem homens do Exército e igual número da Polícia estadual. O trem de guerra parte da Capital em 25 de
novembro, e desembarca em Queimadas, de onde marcha até Monte Santo.
Nesse
contexto, os atritos entre o governador do Estado e o comandante do Distrito
Militar acentuam-se, cada qual reclamando o controle da expedição. As ordens e
as contraordens levaram, inicialmente, à perda de tempo e, enfim, a outro
desastre. Enquanto o general pleiteava remeter quatrocentos homens contra o
reduto do Vaza-Barris, mas somente arregimentara “cem praças”, assim mesmo
recorrendo aos empregados e dispensado seu ordenança; o governador determinou
ao juiz Arlindo Leoni, o mesmo que havia estimulado essa repressão, que se
deslocasse até Queimadas para auxiliar o major Febrônio a organizar a
expedição.
A partir
desse ponto os artifícios das autoridades em Salvador desarticulam o comandante
da missão, que já se encontrava com a tropa em Cansanção, próxima do objetivo.
Enquanto o general Solon determinava o regresso da tropa para Queimadas,
alegando aguardar reforço ou inexistência de suprimentos; o governador Viana
foi mais adiante, determinou que o contingente policial se desligasse da
expedição. Desse modo, com tantos desfalques, como atacar, pondera o major
Febrônio ao general Solon. Assim, o impasse prosseguia. No auge da crise, o Governo
Federal atendendo à solicitação do governador destituiu do comando do Distrito
o general Solon Ribeiro.
De positivo
ocorre que, com a demissão do general, a expedição alcança um efetivo de 600
combatentes, oriundos do Exército e da Polícia Militar da Bahia. E mais, um grupo de artilharia composto de
dois canhões Krupp 7,5mm. Que, pensava o comandante, seria decisivo. Quase tudo pronto; ainda assim foi preciso
superar um crucial impasse: o pagamento de soldo do pessoal do Exército. Até
superar os entraves, a expedição permaneceu 17 dias em Monte Santo, inclusive a
passagem de ano. Somente na tarde de 18 de janeiro de 1897 a expedição, depois
de superar a resistência conselheirista, acampa à cerca de uma légua (seis
quilômetros) de Canudos.
Na manhã
seguinte, Febrônio inicia o assalto à cidadela de Conselheiro. Eram 6h “quando repentinamente as avançadas e toda a
coluna foram envolvidas por cerca de 4 mil bandidos, produzindo indecisão nas
fileiras nos primeiros momentos.” Depois de doze horas de combate, o comandante
decide pela retirada, “visto a falta de animais e fuga dos tropeiros, no dia
anterior; munição esgotada; munição de fuzilaria a extinguir-se, obrigaram-nos
a adotar a forma de quadrado para resistir ao ímpeto da agressão por todos os
lados”.
Ainda que
surrado por todos os lados, o comando contabilizou setecentos mortos do lado
contrário. A retirada em marcha de 100 quilômetros terminou em Monte Santo,
aonde “a força chega dolorosamente extenuada, maltrapilha, quase nua, incapaz
de qualquer trabalho”, reconhece o major Febrônio de Brito. Novo desastre
estava consumado.em
O comandante
da segunda expedição tudo fez para explicar o desastre. Reúne seus oficiais e
elabora a interpretação dos fatos, espécie de defesa prévia para o conselho de
investigação. Usa a imprensa tentando explicar, e assim se safar da acusação de
negligência. Enfim, tudo produz em seu benefício, mas difícil mesmo era
esclarecer como “ladrões, canibais, bandidos e assassinos”, segundo a própria
descrição, conseguiram vencer uma tropa bem formada e bem apoiada, provida de
recursos do governo e de administrações municipais da região.
Diante do novo
fracasso, a polêmica entre as autoridades prosperou. Enquanto o governador
Viana responsabilizava o major Febrônio pela derrota, este e seus camaradas
entendiam que Canudos deveria ser liquidado. Entretanto, era preciso que o Governo
Federal chamasse para si o empreendimento, excluindo o estadual. Facílima foi a
aceitação dessa tese pela presidência do País, visto que esta já aceitara a
tese de um movimento monarquista nos sertões da Bahia, nutrida pela imprensa
jacobina do Rio de Janeiro. (segue em 4/5)
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