De minha parte, autor de Cândido Mariano & Canudos, a fim de repassar o envolvimento da força estadual amazonense no conflito, reproduzo o quinto capítulo do trabalho que escrevi para o Museu Tiradentes.
A PARTICIPAÇÃO DO AMAZONAS
A última jornada – de Monte Santo a Canudos – encontra-se melhor descrita pelo
comandante Mariano. O batalhão do Amazonas surpreende, inovando o fardamento
para enfrentar a circunstância. Seu comandante ordena a substituição do boné
pelo chapéu de palha. O fato não passa despercebido a Euclides da Cunha: A tropa (...) do Amazonas, com o uniforme característico que adotara desde a Bahia:
cobertos, oficiais e soldados, de grandes chapéus de palha de carnaúba,
desabados, dando-lhes aparência de numeroso bando de mateiros. Afinal,
decorridos 42 dias desde a partida de Manaus, o batalhão amazonense adentra o teatro de operações.Batalhão do Amazonas em Canudos, no centro, Candido Mariano (de cavanhaque), foto de Flávio de Barros |
Ao amanhecer
de 25, conta o tenente Macedo Soares, “Sotero de Menezes formou as forças sob o
seu comando e à frente delas transpôs as barrancas do Vaza-Barris, investindo
vigorosamente sobre o grande núcleo de edificações próximas a Igreja nova”. Em
depoimento, Candido Mariano assinala que “fui ferido gravemente em um dos
combates finais e, no qual, ataquei os jagunços e fiz diminuir
consideravelmente a área sitiada. Fui elogiado por este motivo e censurado
reservadamente, por ter empenhado a luta sem ordem, embora com franco sucesso”
(Jornal do Commercio. Rio, 4 ago. 1911).
Do mesmo modo se manifestam os correspondentes jornalísticos. Um jornal carioca
informa aos seus leitores:
finalmente
foi no dia 24 de setembro completamente fechado o sitio de Canudos. (...) e o
1º corpo de polícia do Amazonas, este sob o comando do tenente coronel Candido
Mariano, um bravo que no dia seguinte, 25, avançou com o seu batalhão, conquistando
à viva força mais de 2000 casas, adiantando as nossas posições de tal modo, que
foi necessário que pó general Artur o mandasse chamar e o ameaçasse com prisão
a fim de se conter. (Gazeta de Noticias,
Rio, 4 out. 1897).
Descontados
os excessos, o embate de 25 de setembro acarreta inúmeras controvérsias entre
os comandantes. No mínimo, era preciso ousar, como bem demonstra o comandante
amazonense. O resultado deste combate apressa a destruição de Canudos,
porquanto “trouxe grande explosão de entusiasmo e alegria entre as praças, cujo
nível moral subira de modo notável”.
A 27, falece
o capitão Talisman Floresta, da força amazonense, que se encontrava
hospitalizado em Monte Santo (BA). Sem causa designada, sem ferimentos, sem sequer
ver Canudos. E, segundo apurou a expedição, Antônio Conselheiro falecera; desse
modo, poupado de assistir a destruição de seu Belo Monte. Quê influência, seu
desaparecimento, teria manifestado entre seus seguidores? Decidiram abandonar a
luta? Ou se render? Esta opção foi documentada, com um triste fim: a degola foi
ampla, dando fundamento ao autor de Os
sertões que alcunhasse a campanha de “uma charqueada”.
Mas a luta
ainda continua. Em 1º de outubro, a infantaria do Exército redobra o combate
sobre o arraial, certamente, o último combate. No dia imediato, os sitiados
içam uma bandeira branca, a primeira em quase um ano de fortes combates.
Entrega-se “cerca de quarenta mulheres e crianças, e alguns homens cobertos de
ferimentos”. A proposta de paz foi rejeitada pelo comandante Artur Oscar. A 3,
Antônio Beatinho levanta nova bandeira de paz. Neste episódio, cerca de
duzentas pessoas abandona Canudos. “Beatinho foi degolado às 8 horas da noite”,
testemunha Horcades Alvim.
Finalmente,
dia 5, pela tarde findou a repressão contra Canudos. Descrição sensata cabe ao
comandante amazonense:
depois
de uma resistência louca, digna de melhor causa, o inimigo (...) entregou-se de
vez, ou antes, deixou de se fazer ouvir pelo estampido de seus bacamartes,
porquanto, tinham perecido na luta todos os seus homens válidos, e quando as
nossas forças penetraram no seu último esconderijo, ali se encontrou um montão
de cadáveres de homens, mulheres e crianças que foi avaliado em número superior
a oitocentos!
O resultado
militar nem sempre foi bem aceito pelos críticos e pelos estudiosos da campanha
canudense. Um oficial verde-oliva, competente pesquisador do tema, sentencia: “Canudos
é o marco principal da história militar brasileira. Aquele triste episódio,
onde a força terrestre nacional teve atuação ainda contraditória, (...) definiu
a única direção a ser seguida, (...): modernizar-se ou sucumbir”. (Davis Ribeiro
de Sena. A guerra das caatingas. Rio
: Rev. IHGB, 1991).
O governador
do Amazonas, Fileto Pires, que na partida dos combatentes desejara um regresso
vitorioso, assinala que “A expedição de Canudos é a página mais fulgurante dos
anais amazonenses e a posteridade deve ser imensamente agradecida a esta
falange de bravos, que elevando o Estado deixou-lhe um feito valoroso que o
sagrou entre os primeiros de seus irmãos”. (Mensagem
de 6 janeiro 1898)
A campanha é
arrematada em 5 de outubro; o batalhão do Amazonas retira-se de Canudos dois
dias depois em direção a Monte Santo, escoltando um grupo de prisioneiros, a
maioria mulheres e crianças. O retorno, todavia, foi deveras traumático,
segundo relata o comandante amazonense, “os soldados vinham todos alquebrados
pelas fadigas e febres infecciosas que muito abatiam ao organismo e ao
espírito”. E mais, transportando companheiros feridos e escoltando
prisioneiros. Por esses entraves, o comboio alcança Monte Santo a 10 de
outubro.
O marechal
Machado Bittencourt, ministro da Guerra, recebe o batalhão. Entre outras
providências, o marechal informa ao comandante Mariano que os policiais nada
têm a auferir do Governo Federal, visto que o Amazonas se responsabilizou pelas
despesas de campanha. Por essa razão, a tropa prossegue a marcha em direção a
Queimadas, estação da estrada de ferro, onde possivelmente acampa a 12, junto a
outros grupamentos. Apesar da sofreguidão, aguarda por dois dias o embarque
para Salvador (BA).
Em 14, o
batalhão do Amazonas retoma a condução na Estrada de Ferro para desembarcar na
mesma data, ao lado do 5º Corpo da PM da Bahia, na estação da Calçada, na capital. O desembarque foi
exaustivamente festejado, como é habitual do povo baiano.
Vibrante e
festiva, a baianidade organizou o desfile que teve início às 13h30: banda de
música à frente, inclusive a fanfarra amazonense, seguida dos comandantes. Em
seguida, as companhias da polícia do Amazonas, “cujas carabinas estavam
enfeitadas de crótons e flores, conduzindo a bandeira da Polícia do Amazonas (?),
rodeada de povo e representantes daquele estado entre nós”. Enfeixando o
desfile, a tropa da polícia baiana e enorme acompanhamento popular. O
itinerário foi tão alongado que, próximo das 17 horas, “davam todos entrada no
Quartel dos Aflitos, festivamente ornamentado. Depois das continências devidas,
a Polícia do Amazonas seguiu para o Forte de São Pedro”.
Em Salvador,
os amazonenses permanecem uma semana, aguardando a trasladação. Somente em 23 de outubro a tropa amazonense
retoma o caminho de casa, embarcando no conhecido transporte Carlos Gomes. Depois de contornar a
costa brasileira, desembarca em Belém para, dia 8 de novembro, em Manaus
receber as aclamações e os abraços de camaradas e familiares.
São passados 115
anos!
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