Vista parcial da torre da capela do cemitério de São João Batista, 2010 |
Cometi ontem um
pecado mortal, por não ter comparecido aos cemitérios para reverenciar os meus
e outros mortos. Não encontro justificativa. Preocupei-me com assuntos diversos desse
cerimonial... e acabei por transferir a visita para amanhã. No entanto, o day after não vale, ou se antecipa ou se
vai no dia mesmo. Trata-se da única visita anual, e eu indesculpavelmente falhei.
À noite, quando
engrossava a lotação dum shopping, recebi a penalidade. Ao efetuar o pagamento,
a jovem atendente, vendo o alvoroço da casa de consumo comentou comigo a perda
da tradição dessa data tão significativa. Não alimentei a conversa porque estava
me sentido pecador, com obrigação de cumprir uma penitência.
Para remediar
meus sentimentos e meu deslize, quero lembrar meus mais próximos mortos: a
primeira sensação de perda foi a de minha mãe, Francisca Lima Mendonça, morta
aos 34 anos, de tuberculose pulmonar. Aconteceu em 1952, sem que ela conhecesse
qualquer antibiótico que, talvez, pudesse adiar a visita da “rasga mortalha”.
Em 1961,
morreu minha avó Victoria Malafaya, peruana autêntica, nascida no beiradão do rio
Solimões peruano. Foi sepultada no São João, na mesma cova da nora.
Depois, o câncer
atingiu a minha madrasta, Dona Dora, de quem já comentei em posts anteriores, e
a quem agradeço sempre o apoio incisivo recebido.
Mais recente,
e a dor parece ser ilimitada, aconteceu a morte de meu filho Roberto, também aos
trinta e quatro anos, que foi se juntar às avós.
Lendo Baú de Ossos de Pedro Nava, saudoso médico
que, ao inventariar suas memórias, assim descreveu o velório de José Nava, seu
pai:
(...)
Esperando a entronização que não tardou da essa, dos tocheiros e do caixão de
veludo agaloado. Naquela altura ele ficou distante, transmudou-se na coisa além
das afeições, das convenções, dos contratos, das reciprocidades. Não podia dar
mais nada. Receber mais nada. Nada. Não ser. Não ter. As expressões automáticas ainda lhe atribuíam,
irrisoriamente, as últimas possibilidades de posse. O caixão dele, o enterro
dele, a sepultura dele – mas nem isso! Porque ele era do caixão, do enterro, da
sepultura perpétua. Perpétua? Perpétua é a Morte. A dona é a terra...
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