Marca literária desde 1953 |
Este ciclo vem sendo enfocado por vários estudiosos. Vale observar que, quando o clérigo Ruas chegou em Manaus (final de 1953), depois de dois anos no Rio, já trazia conhecimentos básicos da Sétima Arte. A permanência no seminário do Rio Comprido propiciou-lhe um envolvimento com a vida cultural da então Capital Federal.
Assim, já sacerdote, atendia a qualquer convocação de cineclubes de Manaus. Nestes, a presença do padre Ruas era constante. Por isso, pode-se afirmar que ele teve competência para aprofundar o movimento cinematográfico de Manaus, cidade que ultrapassou a ousadia de patrocinar o I Festival Norte de Cinema (1969). O instrumentador deste encontro foi o jornalista Joaquim Marinho que, hoje atuante em todos os segmentos da mídia, era então diretor do DEPRO. O padre Ruas foi um dos membros da Comissão Julgadora.
Há dele outra averbação favorável. A participação no I Festival de Cinema Amador do Amazonas, realizado entre 17 e 23 de novembro de 1966. O encontro objetivava incrementar as atividades cinematográficas entre nós (O Jornal, 21 nov. 66). Além de J. Borges Filmes, A Crítica, o Clube da Madrugada e a Rádio Rio Mar patrocinaram o evento. O encerramento ocorreu no cine Avenida e indicou como vencedor o curta Carniça, de Normandy Litaiff e Aloísio Sampaio. Na comissão julgadora, pelos críticos cinematográficos, José Gaspar e o padre Luiz Ruas, que ainda fez a apresentação da festa de encerramento.
O sucesso na ribalta ocorreria no ano de 1959, quando participou da peça Auto da
Compadecida, de Ariano Suassuna, encenada no Teatro Amazonas. No Auto, o ator L. Ruas representou com aptidão o palhaço do espetáculo. Contou-me muito depois o dr. Gebes Medeiros, diretor do TEAA, que o padre Ruas para atuar na ribalta necessitou de autorização do Vaticano. Como se vê o palhaço (clown) se incorporava à vida literária do sacerdote. E foi, a partir desta produção, que se concretizou a criação do Teatro Escola Amazonense de Amadores (TEAA).
Desde o ano de 1960 se têm notícias de suas palestras sobre cinema, a exemplo de quando foi instalado o cineclube Comerciário no Sesc-Senac (Jornal do Commercio, 06 mar.1960). Na programação, palestra do padre Ruas. Esta arte o fascinava, por isso sua atuação seja como palestrante seja como simples integrante de cineclubes (Grupo de Estudos Cinematográficos (GEC); do Colégio Dom Bosco e outros) será sempre marcante. Outro pormenor de sua aptidão acentuou-se ao escrever sobre cinema tanto na Ronda dos Fatos (1957-58) quanto, aqui especialmente, no Cinéfilo.
Como indica seu título, trata-se de uma revista produzida, em Manaus, sobre a arte cinematográfica. E funcionou no limite escasso de quatro edições, pois foi encerrada pela censura militar de 1964, rememora seu diretor — José Gaspar, ainda professor do Centro de Artes da Universidade Federal do Amazonas.
No campo do teatro, padre Luiz Ruas possui dois momentos cimeiros: a participação no Auto da Compadecida (1959), interpretando o palhaço, e a direção do Auto da Paixão (1963). Registra Selda Valle (2001) que o cenário da Compadecida era de um circo. Tudo bem, até porque estimulado pelo autor. “No alto do trapézio, balançando-se, o palhaço-apresentador anuncia os personagens e o conteúdo da história que o público irá assistir”.
Aqui começam os transtornos, pois o palhaço era interpretado pelo padre Luiz Ruas. Tem mais. “A presença no palco de dois padres da Igreja Católica criou uma enorme celeuma, como era de se esperar naqueles tempos. (...), era muito diferente ver um padre de palhaço, pendurado num trapézio, balançando-se de um lado a outro do palco. Um escândalo!”.
Recorte de especial no Em Tempo, Manaus, 12 dez. 2004 |
Um espectador da estréia – Ediney Azancoth, parceiro na obra Cenário de Memórias, avalia o “Deus-nos-acuda” que foi a ocupação “do enorme palco do Teatro Amazonas”. Reconhece que o Teatro Escola foi aprovado. Todavia, diante da indagação do motivo do sucesso, atribui-se muito ao diretor – o paulista Luis Watson.
Mas para Azancoth, “atribuir o sucesso da peça exclusivamente à presença de alguém de fora é negar o valor do trabalho do elenco local. Há o esforço homérico de Gebes Medeiros, coordenando o grupo, e a presença de dois intelectuais que fizeram história na cultura amazonense: o maestro Nivaldo Santiago, diretor musical da peça, e o padre Ruas, filósofo, professor e profundo conhecedor de cinema, exercendo a crítica em jornais da cidade”. Não houve outra participação do padre Luiz Ruas, mas tanto o TEAA quanto o palhaço (clown) saíram consagrados.
Na Semana Santa de 1963, a Rádio Rio Mar promoveu o Auto da Paixão. Coube ao padre Ruas escrever o texto e dirigir a montagem da peça, que foi encenada no Parque Amazonense (abandonado estádio de futebol no Beco do Macedo). A emissora, adquirida pela arquidiocese no ano anterior, era dirigida pelo padre Tiago de Souza Braz (1931-1997).
Para a montagem do Auto, contou ainda com a dedicação do então padre Onias Bento, pároco do bairro de São Francisco, que se encarregou de “selecionar” os coadjuvantes entre seus paroquianos. Os ensaios aconteceram no pátio do Seminário São José.
Entrevistei (julho de 2004) duas figuras primordiais deste espetáculo de fé. Um, o professor Carlos Eduardo Gonçalves que protagonizou o Cristo. Jovem bem-apessoado fazia suspirar as penitentes de todas as idades. Não sabia — desconversa, se elas gemiam pelo enlevo da encenação ou pelo visual do ator amador.
Outro foi Edson Paiva, do cast da Rádio Rio Mar. Apresentador do programa Essa noite feliz de todos nós, nas noites de sábado desde as vinte horas até o encerramento da emissora à meia-noite. Jovem educado, dotado de elegante e bem composta voz fazia, por essas e outras qualidades, a voz do Cristo. Havia também o narrador do espetáculo, mas sua identidade se perdeu na memória do tempo.
Gebes Medeiros, em sua coluna Theatro (O Jornal, 07 abr.1963), assim noticiou e convocou a grei católica para a representação.
AUTO DA PAIXÃO DE CRISTO
Cresceu e frutificou a idéia de padre Onias Bento Filho e reverendo Tiago Braz, no sentido de montar o AUTO DA PAIXÃO DE CRISTO em ar livre, tendo como palco ambiente o Parque Amazonense. A representação teatral que está sendo cuidadosamente preparada pelos referidos sacerdotes, tem como diretor artístico o padre Luiz Ruas certamente obterá o êxito esperado, tal o carinho e zelo que envolve essa festa cultural baseada no texto bíblico.
Assistimos dois ensaios no Seminário São José e pelo que observamos o público vai gostar do espetáculo, tal a movimentação dos personagens que trabalharão na base do teatro mímico, um dos mais difíceis do gênero.
A parte narrativa será interpretada por dois ótimos locutores da Rádio Rio Mar. Mais de setenta pessoas, moças e rapazes, tomarão parte no Auto, todos vestidos a caráter, nos dando uma impressão nítida de que foi a cena real no Monte Horeb, local aliás muito discutido pelos teólogos que divergem em longas polemicas.
Louvamos desta coluna a promoção de Onias, Tiago e Ruas, mostrando a nossa gente que a Igreja também ama a arte cênica, pois nela caracteriza-se a força cultural de um povo.
É dever de todos os católicos assistirem o AUTO DA PAIXÃO DE CRISTO.
Havia ainda restrição quanto à concentração de pessoas. Tudo isso contribuiu para o encerramento dessa atividade cênica que, se tivesse prosperado, traria como tem trazido para outras regiões brasileiras apreciáveis benefícios. Cabe, todavia, registrar este Auto da Paixão como a primeira apresentação deste tipo de espetáculo no Brasil, porquanto o de Nova Jerusalém (PE), o mais conhecido, data de 1968.
Vale relembrar que o Auto da Paixão pernambucano teve início com atores do povo, a cada ano, porém, a emissora global impõe um Cristo altamente globalizado, para maior audiência.
O Auto foi encenado na quinta-feira Santa e no domingo de Páscoa, dias 7 e 10 de abril. E apenas nesse ano. Deixou de se realizar no seguinte, entre outros empecilhos, em razão de padre Ruas ter passado a Semana Santa encarcerado. O governo dos generais controlava o país (março de 1964) e impusera um relativo controle (censura) à emissora radiofônica católica.
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