Ainda em decorrência da busca em papeis arquivados, deparei
com uma pasta contendo alguma produção de Anísio Mello, o multiartista que morreu
há dez anos (abril 2010). Buscava material para rememorar de algum modo sua
partida, de volta à floresta, como deixou registrado em texto, e que deve ser
inscrito na lápide de sua sepultura.
Acolá encontrei um conto de sua autoria, abaixo compartilhado:
LESEIRA,
NÉ?...
A
família Ximenes não era grande. A filha mais velha acabara de casar-se com um
abastado negociante de peles clandestinas de animais selvagens. Isto
possibilitou ao grande vigarista e contraventor aproximar-se de Cláudia,
presenteando-a constantemente com joias e perfumes. Roberto, também filho dos
Ximenes, viajara para a Europa, onde iria especializar-se em Ecologia
Amazônica, como se lá entendessem de fome de caboclo... Muito bem, muito bem...
continuemos a narrar os fatos, mas esqueçamos as particularidades dos filhos e
vejamos o que aconteceu ao respeitável senhor Francisco Ximenes.
Dona
Melica, sua esposa, procurando amenizar a solidão do marido, não sabia que
favores oferecer ao seu “velho”, só faltando mesmo o impossível.
“Seu”
Ximenes era muito distraído e muitas vezes tomou ônibus errado ou tentou
descontar cheques em bancos trocados. Mas isto ele próprio contou-me com os
olhos cheios “d’água”, e foi muito mais grave.
Como
a família estava reduzida a apenas duas pessoas, Ximenes resolveu mudar-se para
um prédio de apartamentos, onde só o número diferia. Certa vez, após um dia
cansativo e calorento, Ximenes entra em casa, não encontra dona Melica, mas
sobre o criado-mudo viu um lindo pijama cor-de-rosa. Sorriu sozinho e pensou
nas amabilidades da esposa, ausente naquele momento, por motivos estranhos.
Vestiu o pijama, olhou-se no espelho e deitou-se para um pequeno repouso.
Dez
minutos depois, ouve um barulho de chave abrindo a porta. Imediatamente, puxa
um lençol e o estende sobre o corpo. Os passos aproximam-se mais ainda, mais um
pouco, e Ximenes, num raro momento de humor, querendo brincar com doma Melica,
zás!... retira o lençol rapidamente como que para assustá-la.
—
Meu Deus, estremeceu “seu” Benevides, fui traído!
Ximenes,
apavorado, viu que havia algo errado em órbita na Terra. Pulou da cama e
abraçou Benevides, impedindo-o de qualquer movimento.
—
Mil perdões! Não é um caso de infidelidade. Foi apenas uma distração minha,
explicou. A chave deu certo e eu entrei. Eu sou seu novo vizinho, meu nome é
Ximenes e eu estava esperando a Melica, minha mulher.
Benevides,
gordo e baixinho, põe as mãos na cintura, em postura de desafio, e rebate:
—
Tudo errado, vista-se, deixe meu pijama na cama e troque sua fechadura, “seu”
Xi... xi... menes, falou nervoso.
Ximenes
mais que rápido, vestiu-se, pediu desculpas e saiu, iniciando assim sua política
de “má vizinhança”. Ficou uma semana sem sair de casa, como um avestruz com a
cabeça dentro do buraco, morto de vergonha.
Leseira,
né?...
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