CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

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domingo, julho 13, 2025

POEMA DOMINICAL DO "POETA DO AZUL"

Conhecido na literatura amazonense como o Poeta do Azul, Ernesto Pennafort certamente iniciou suas composições bem antes dos primeiros livros, marcados por essa tonalidade. Talvez seja o caso do poema de sua autoria, que ilustra a postagem dominical, foi publicado há 70 anos. Aconteceu no diário A Gazeta, edição de 23 de agosto de 1955. 


EMPÁFIA

ERNESTO PENNAFORT

(Do Grêmio Cultural JUVENTUDE MODERNA)

 

És •mulher, és formosa, és fascinante,

Em teu corpo há belezas e esplendores,

Teu sorriso é sempre algo deslumbrante

És como Citera, a Ilha dos Amores...

Ao te olhar, certo estou, diria Dante:

“Tens o perfume das mais lindas flores,

A meiguice do canto exuberante

De um pássaro de penas multicores...”

Mas não te julgues deusa, isso é quimera,

Porque não são as flores mais bonitas

-- Segundo um sábio de longínquas eras –

          Que exalam os aromas mais suaves,

E nem aquele que melhor gorgita

A mais vistosa de todas as aves.

segunda-feira, abril 28, 2025

PAVILHÃO SÃO JORGE (1951-1976)

 Em 22 de novembro de 1950, o prefeito de Manaus, Chaves Ribeiro, concedeu a José de Brito Pina, cidadão português, uma área de terra situada na então praça Gonçalves Dias (hoje integrante da praça Heliodoro Balbi), destinada à construção de um estabelecimento comercial. Nela, Pina construiu o Pavilhão São Jorge, destinado à venda de café e outros petiscos regionais, que foi inaugurado em maio de 1951.
O sobrenome do proprietário impôs ao comércio o epíteto ainda hoje manifesto: Café do Pina. Era bem frequentado, pois localizado em frente ao Cine Guarany e fronteiriço ao quartel da Polícia Militar e ao Colégio Estadual do Amazonas. Desse modo, conhecia uma variada freguesia diurna e noturna.

Devido a convivência com os membros do Clube da Madrugada foi crismado com outro cognome: República do Pina. Enfim, restou gravada a maneira como “seu” Pina saudava indistintamente os frequentadores: Alô, jovem!

Quando do falecimento do Pina, em agosto de 1982, o saudoso poeta, ator e mestre Farias de Carvalho o homenageou com esta publicação em A Crítica (18 ago.1982).  


Não fui, amado Irmão Pina, não fui ver teu corpo sendo devolvido ao ventre escuro da terra. Faltou-me coragem. Eu, que não acredito na morte; que tenho consciência da nossa condição de simples inquilinos dessa estalagem de engodos a que chamamos de mundo; que estou absolutamente convicto da verdade da vida espiritual, ou, amado irmão Pina, fraquejei. Diante da notícia arrasadora, que a mim me foi dada nas latitudes da tua República, da nossa República, eu me decidi a ir te ver, a ir correndo beijar o teu rosto gelado, as tuas mãos inertes, cruzadas sobre o teu peito como um pássaro de asas recolhidas, subitamente despencadas do azul. Mas não pude, amado irmão Pina. Minha mente recusou-se a aceitar a brutalidade daquela imagem.

Por isso, amado irmão Pina, fechei os olhos molhados, queimados pelo sal do meu pranto e rebusquei, nos desvãos da memória, uma outra imagem tua. Viva. Radiosamente viva, riscando as pautas da brisa com os acordes do teu riso, inventando sinfonias na epiderme da manhã.

ALÔ, JOVEM!

E os homens iam chegando. Dos muitos caminhos da vida, traziam sonhos e mágoas, angústias e ilusões, amarguras e alegrias, fé e decepções. E na República, ancoravam os seus veleiros diversos, para um momento de fuga do velejar tresloucado. Fundeavam na República e no teu riso também. Estudantes, poetas, vagabundos, funcionários, operários, boêmios retardatários, patrões sisudos, donzelas, prostitutas amarelas, meninos desassistidos, engraxates indormidos, paravam todos, irmão, para o banho de amplidão, o banho azul na cascata que nascia em teu sorriso e tinha gosto de paz, e dava aquela vontade de ali ficar ancorado, e não erguer bujarronas, não velejar nunca mais.

Ah! A República! Com a beleza da sua Constituição de três artigos:

ARTIGO PRIMEIRO: A república do Pina é um Estado Imaterial e inconsútil, e existe além do tempo, urdida no coração dos que não esqueceram os fundamentos essenciais do amor.

ARTIGO SEGUNDO: São seus cidadãos todos aqueles que têm a capacidade de transportá-la dentro da alma, para recriá-la numa esquina qualquer da vida, num estilhaço de estrela, num albergue construído de saudade ou numa gota de sol brincando de arabescos na calçada.

ARTIGO TERCEIRO: Fica dito que esta lei não tem calendário para entrar em vigor, pois que em vigor sempre esteve gravada nas tranças de ouro das auroras e no suspiro violeta dos ocasos. 

Essa, amado irmão Pina, a República. Tua, nossa, do eterno. A República, da qual és o Presidente vitalício, agora afastado, para tratar, na embaixada do etéreo, com a diplomacia do afeto, da viagem de cada um de nós, teus concidadãos, aos quais receberás um dia, iluminando a chegada com claridade do teu riso, para o cafezinho do reencontro, na República, a outra, que já começaste a erguer, numa nesga qualquer do céu.

Até lá, meu Irmão. Até lá, Presidente. Alô, Jovem!


segunda-feira, março 10, 2025

LANÇAMENTO DE LIVRO EM 1965

Há 60 anos, em janeiro de 1965, ocorreu o lançamento de um livro que foi conhecido por Livro da “Cidade Flutuante”, aglomeração desmontada naquele período. Os jovens economistas Wilson Cruz e Celso Serra foram os autores, que contou com a apresentação do saudoso mestre Samuel Benchimol (1923-2002) e patrocínio do “desativado” Clube da Madrugada (movimento literário que vivia seu auge). A extinta Livraria Brito na rua Henrique Martins foi o palco do lançamento. E a foto jornalística permite distinguir, além do governador Arthur Reis (1964-67), o secretário de Educação José Lindoso (1920-93), o chefe da Casa Militar coronel PM Themistocles Trigueiro.

 

Recorte de O Jornal, 24 jan. 1965

O LIVRO DA "CIDADE FLUTUANTE"

Na Livraria Brito foi feito, manhã de ontem, o lançamento oficial do livro Aspectos Sociais e Econômicos da Cidade Flutuante, apreciável trabalho dos jovens economistas Wilson Cruz e Celso Serra, que teve o patrocínio do “Clube da Madrugada”.

A apresentação do livro, que apresenta excelente estudo e incansável pesquisa socioeconômica, foi feita pelo professor Samuel Benchimol, contando a solenidade com a presença de destacadas figuras da sociedade e das letras regionais, destacando-se o governador Arthur Reis (foto), que prestigiou o ato.

domingo, dezembro 22, 2024

POESIA DOMINICAL (6)

 
A postagem foi compartilhada do livro de Assis Brasil - A Poesia Amazonense no Século XX. Apenas acrescentei o ano de falecimento do padre-poeta L. Ruas, como se identificava literariamente. Esta preocupação foi necessária diante do trabalho que venho desenvolvendo na divulgação da obra deste mestre. Além de pequena biografia, dele organizei Cinema e Crítica Literária (2010) e Poesia Reunida (2013), e ainda há trabalhos no prelo, aguardando bons tempos.
L. Ruas



L. Ruas (1931-2000)

Como poeta é dono de uma sensibilidade artística e um domínio da palavra que nos lembram Jorge de Lima e Carlos Drummond de Andrade.

Carlos Eduardo Gonçalves

 Integrante do Clube da Madrugada, “na linha de frente de seus mais ativos animadores”, Luiz Augusto de Lima Ruas nasceu em Manaus no dia 28 de novembro de 1931. Estudou as primeiras letras com uma tia e depois se matriculou no Grupo Escolar Farias Brito. A carreira religiosa o atrai e, em 1943, entra para o Seminário São José, onde termina o curso de Humanidades.

Transferindo-se para Fortaleza, faz o Curso de Filosofia no Seminário Metropolitano, iniciando ainda o Curso de Teologia, que vai concluir no Seminário São José do Rio Comprido, no Rio de Janeiro. Volta à terra natal para se ordenar sacerdote na Catedral Metropolitana de Manaus, no dia 31 de outubro de 1954.

Capa do livro

L. Ruas, como passou a assinar suas crônicas e poemas, em colaboração permanente em vários jornais de Manaus, desenvolve então intensa atividade como professor de várias disciplinas, em destaque Psicologia na Faculdade de Filosofia do Amazonas, onde chegou a ser diretor da entidade. Foi assessor ainda da Fundação Cultural do Amazonas e membro do Conselho Estadual de Cultura, caracterizando-se seu ministério pastoral em ação nas comunidades carentes onde foi vigário.

O primeiro livro de poesias de L. Ruas sai em 1958, Aparição do Clown, prefaciado por André Araújo. Um livro emblemático, na paráfrase do homem e do palhaço: “O que o Padre Luiz Ruas procura é a face verdadeira, a que se parte, desse palhaço eterno que é o homem em si, artista, poeta, músico ou dançarino”.

O poeta é um dos muitos intelectuais que vão pagar tributo ao famigerado golpe de 1964. A acusação generalizada de subversão o leva ao cárcere onde permanece por 40 dias, quando aproveita para fazer a tradução do livro de Rimbaud Une saison en enfer. O livro, entre outros, lhe tinha sido enviado pela sua mãe. A segunda coletânea de poemas é publicada em 1985, Poemeu, que já tinha conquistado o Prêmio de Poesia Governador do Estado do Amazonas em 1970. Belo livro, onde se destacam os “Estudos Barrocos em tom menor”.

sexta-feira, novembro 22, 2024

CLUBE DA MADRUGADA: 70 ANOS

Aproveito a efeméride de hoje para recordar a comemoração do Jubileu de Ouro deste clube, celebrada em 2004. O Largo de São Sebastião engalanou-se para abrigar a arena da celebração. Subiram ao palco músicos e literatos, jovens e remanescentes do movimento amanhecido em 1954, quando “um punhado de jovens, sequiosos por romper o isolamento da província, o isolamento geográfico”, resolveu “descobrir o verdadeiro comando de sua existência”, consoante o registro de um dos fundadores – Jorge Tufic, in Clube da Madrugada 30 Anos.

Teatro Amazonas e o palco dos festejos

Ainda em plena atuação, um dos fundadores, Luiz Bacellar (1928-2012), prestigiou o lançamento de livros de integrantes do Madrugada promovido pela Editora Valer. O autógrafo de Bacellar em Quatro Movimentos (1975) guardo o exemplar com religiosidade.

Personalidades presentes: músico Maury Marques;
poeta Max Carpenthier e o editor Tenório Telles (a partir da esq.)

Mais uma memória, do mesmo modo compartilhada do Tufic: em comemoração ao 7º aniversário do CM, a direção mandou confeccionar uma placa alusiva ao evento, com os seguintes dizeres:

Pois foi. Jovens se reuniram sob a fronde desta árvore; e aconteceu. Quando Madrugada, o Clube surgiu. Era novembro, 22, 1954.

 

quinta-feira, novembro 21, 2024

MADRUGADA E L. RUAS, SEU PRESIDENTE

Nascido em 22 de novembro de 1954, o Clube da Madrugada – movimento que abrigou intelectuais e artistas em Manaus – apesar de extinto, vem sendo relembrado pelas sete décadas de criação. A Editora Valer acaba de lançar o livro “Clube da Madrugada 70 Anos”, de Tenório Telles, e coordena uma série de encontros, mesas e colóquios.

Capa do livro de Jorge Tufic

Quero relembrar duas datas sobre o Clube: a primeira mais distante, a dos 30 Anos registrada em livro de Jorge Tufic, um dos presidentes de maior proeminência do CM. A segunda, a comemoração do cinquentenário, cuja festa foi concretizada no Largo de São Sebastião em palco onde desfilaram os remanescentes daquela Madrugada.

Aquele ano de 1954 legou marcas indeléveis a Manaus: a instalação do Instituto Christus, depois CIEC, pelo mestre Orígenes Martins; a criação da Rádio Rio Mar, hoje pertencente a arquidiocese de Manaus; e o Clube da Madrugada, destes, atualmente apenas a emissora funciona. No entanto, quero me referir a outra singularidade: nas três entidades operou o padre-poeta L. Ruas.

Refiro-me a Luiz Augusto de Lima Ruas (1931-2000), que foi ordenado sacerdote por dom Alberto Ramos em 31 de outubro de 1954, ao lado do saudoso Manuel Bessa Filho, na Catedral da Padroeira. Companheiro de Orígenes no seminário, Ruas integrou-se ao grupo fundador do Christus. Cooptado por Jorge Tufic, ingressou no Madrugada, tendo presidido o clube biênio 1957-58, quando lançou sua obra-prima A Invenção do Clown. Enfim, quando a igreja católica adquiriu a Rio Mar, L. Ruas exerceu distintas funções, destacando-se como cronista radiofônico.

Padre-poeta L. Ruas

Exerceu o magistério em diversos colégios, no Seminário e na Universidade Federal do Amazonas. Seu nome crisma a EE Padre Luiz Ruas, no bairro Zumbi III. Faleceu em Manaus, em 1º de abril de 2000, estando sepultado no cemitério São João Batista.

domingo, setembro 22, 2024

POESIA PARA O DOMINGO

 A poesia para este domingo pertence ao mestre desta arte Farias de Carvalho (1930-1997), que foi publicada pelo Jornal do Commercio, na edição de 19 de outubro de 1969.

 

Jornal do Commercio, 19 out. 1969

DIDÁTICA INÚTIL

 

Farias de CARVALHO

Para André Araújo, irmão

 

Eis-me aqui.

Aqui. Sobre esta gávea de assombros,

carcomido de vento e de silêncio,

tão duramente cego ainda,

como no instante estúpido do espasmo

que me trouxe a este mar do não-saber.

Meteoro ignoto,

cumpro-me em rotas claras de estilhaços

nesse buscar-se atônito e remoto,

onde a trilha das traças nas estantes

mais escurece o abismo dos instantes

distantes, do saber; mergulho inútil,

esse naufrágio em lagos bolorentos

rebuscando o esqueleto das palavras

nos seus sarcófagos frios e poeirentos.

 

Do que serve a mecânica dos astros

esculpida nos riscos e equações

desses mapas de humana geometria

se sobre o pântano, a corola fria

do lotus guarda mais sabedoria

do que todos os ciosos pergaminhos

que se hoje são, é porque ontem foram

sombra e ninho à margem dos caminhos?

 

OH! Os relâmpagos do caos, por essas messes

que não sabemos, mas, em nós,

enfuna as bujarronas do viajar

por esses mares todos feitos de ar!

 

HO! Os relâmpagos do caos, por essas messes

onde a inútil colheita apodrece

nos desastres da busca, palimpsestos

acolhendo em seu ventre, como cestos,

essa poeira vã dos cérebros aflitos  

que as lunetas gastaram, pobres gritos

afogados nas noites desse lodo

onde ainda orquestramos nosso engodo.

 

 

O melhor é gozar entre os crepúsculos

o incêndio do festim, e nesse ir

de desastre em desastre, plantar musgo sobre  

                        o muro da pálpebra, e dormir. 

segunda-feira, julho 01, 2024

CLUBE DA MADRUGADA: 70 ANOS

 A celebração será em novembro, porém vou lembrando no percurso. Lembrando que dos três entes criados então (início dos 1950), somente a Rádio Rio Mar segue funcionando. Além do Madrugada, o CIEC do Orígenes Martins também "fechou as portas". A fotografia aqui compartilhada pertenceu ao saudoso Moacir Andrade, membro dos primeiros dias do Clube, que efetuou a legenda, porém, sem datação.

Maciel, Moacir Andrade, L. Ruas, Alexandre Oto, Evangelista,
(dois não identificados) e Elson Farias

quarta-feira, junho 19, 2024

CHRISTUS, RÁDIO RIO MAR E CLUBE DA MADRUGADA: 70 ANOS


O lembrete me vem da crônica radiofônica - A Voz do Povo, escrita e lida pelo saudoso padre-poeta L. Ruas na Rádio Rio Mar. Aconteceu em 26 de novembro de 1979, no horário do meio-dia, quando esta emissora rivalizava, no horário, com a Difusora e A Crônica do Dia, de seu fundador Josué Claudio de Souza.

Recorte do original apresentado

O autor recorda os 25 anos de fundação destas três entidades: Instituto Christus, Rádio Rio Mar e, por fim, o Clube da Madrugada. Curiosamente, nos citados, L. Ruas esteve presente com categoria.

A VOZ DO POVO

HORÁRIO: 06,30 - 11,55

DIA: 26 NOVEMBRO 1979

PRODUTOR: L. Ruas

APRESENTADOR: L. Ruas

Senhoras e senhores ouvintes, bom dia.

Chegando ao início da última semana deste mês de novembro de 1979, um ano que tem se caracterizado por grandes mudanças políticas e por maiores dificuldades econômicas e financeiras, mas, ao mesmo tempo, por alvissareiras perspectivas culturais para o país, a partir do momento em que se iniciam a suspensão da censura prévia aos órgãos de imprensa, rádio e televisão, talvez seja conveniente lembrar três acontecimentos da maior importância para a vida cultural do nosso Estado e, em particular, para Manaus, ocorridos, exatamente, há vinte e cinco anos.

Corria o ano de 1954, que foi, também, um ano de profundas convulsões políticas no Brasil e que culminaram com a tragédia da morte de Getúlio Vargas. Os que precipitaram os acontecimentos que banharam de sangue - o sangue do Presidente - o Palácio do Catete e, por um processo de simbiose simbólica, todo o país, argumentavam que tudo aquilo era para salvar a honra da democracia. Então, era só a honra. Dez anos mais tarde seria necessário salvar a vida da própria. Tudo bem.

Em outubro daquele ano, ocorria o primeiro acontecimento que merece destaque: a fundação do Instituto Christus do Amazonas. Orígenes Martins voltava de Fortaleza, do Seminário da Prainha, da Juventude Universitária Católica e da Faculdade de Filosofia. Mas voltava, também, do Christus de Fortaleza que era o fruto de tudo isso como o seria também o Christus do Amazonas.O que é que queria aquele moço, aquele jovem professor de geografia, recém-casado, ao voltar à sua terra, abandonando as perspectivas que sempre são mais espaçosas em meios mais adiantados como era Fortaleza em relação a Manaus, uma cidade praticamente estagnada até então e que, apenas, começava, também no plano político, a sacudir as cinzas numa tentativa de ressurreição?

Orígenes queria mudar o processo educacional de Manaus. Queria trazer algo novo, algo que fosse capaz de sacudir o ramerrão do processo educativo aqui existente.

Muita coragem, muita ousadia, muita força de vontade, foi preciso. Não é à toa que se muda o que está estabelecido há séculos, principalmente, em meios tão simples e tão pequenos como era o de Manaus, há vinte e cinco anos que vivia às escuras - não é metáfora, não. Manaus vivia sem luz. E as aulas noturnas eram dadas à base de aladim. Agora parece que chegou a hora - agora, vinte e cinco anos depois - de um julgamento do trabalho pedagógico do Christus. Isto é oportuno. Mas que não se confundam juízes com apedrejadores. Ou melhor, que os linchadores profissionais não vistam a toga de juízes.

Em novembro de 1954, um outro fato também muito importante, ocorria: a fundação do Clube da Madrugada. Diz o Abrahim Aleme que o nome foi sugerido por Luiz Bacellar, o poeta. De qualquer maneira, o nome foi bem atribuído e corresponde exatamente à realidade do Clube: uma agremiação de jovens intelectuais, escritores, poetas, ensaístas, pintores, músicos, escultores, artistas que estavam se sentindo asfixiados pelo ar abafado e mofado de uma noite parada de um ambiente cultural esclerosado. Eles queriam um novo dia. Queriam romper as trevas e partir para um novo dia.

Assim foi. No dia, isto é, na madrugada do dia 22 de novembro de 1954, surgia o Clube da Madrugada, algo inteiramente novo como o nascer de um novo dia, não só pela média da faixa etária de seus membros fundadores, mas, principalmente, pelo espírito de transformação, pela inquietude borbulhante em cada um deles e por uma rutura com tudo aquilo que já estava maduro demais.

O que o Clube da Madrugada já produziu, se não se estivesse em Manaus, teria provocado reações barulhentas e divulgadíssimas. A verdade é que o que se fez de positivo no plano cultural de 54 para cá está ligado direta ou indiretamente ao Clube da Madrugada. Os quércias daqui e de outros lugares não destruirão o que já foi feito e o que está se fazendo.

No dia 15 de novembro de 1954, era lançada ao ar a primeira programação da Rádio Rio Mar, realização de três homens que ficarão para sempre na história da radiodifusão da Amazônia: Charles Hamu, Aloysio e Aguinaldo Archer Pinto. Com a inauguração da Rádio Rio Mar, ampliava-se o trabalho heroico da radiodifusão em nosso Estado iniciado pelo pioneirismo dos criadores da Baricéia.

Vinte e cinco anos. Parece que foi ontem. Mas ao mesmo tempo, parece que está tudo começando agora e que é preciso partir como se partiu para o futuro há vinte e cinco anos passados. Não há dúvida. Mais vinte e cinco anos esperam pela frente, o Christus, o Clube da Madrugada e a Rádio Pio Mar. Vamos lá.

segunda-feira, fevereiro 19, 2024

ANTHISTENES ANALISA BACELLAR


Enredado com a leitura de Suíte Crítica: estudos sobre a poesia de Luiz Bacellar, livro organizado por Allison Leão & Mariana Vieira, e editado em 2023, voltei aos meus papeis arquivados. Para meu gaudio, encontrei a análise que o falecido acadêmico Anthistenes Pinto elaborou sobre a poesia daquele poeta. A apreciação foi publicada no Jornal do Commercio, edição de 28 abr. 1974, aos vinte anos de criação do Clube da Madrugada.
Luiz Bacellar

Estamos diante de uma poesia rica de significados estéticos. Luiz Bacelar é o faber dessa matéria construída por sutilezas emotivas e artifícios verbais que a tornam, para muitos, um tanto inapreensível ao primeiro contacto. Surgiu de corpo inteiro na literatura amazonense ao ser laureado no Concurso de Poesia da Prefeitura Municipal do ex-Distrito Federal (1959), que premiou seu livro de estreia "Frauta de Barro" mediante parecer favorável da Comissão Julgadora constituída por Manuel Bandeira, Carlos Drumond de Andrade e José Paulo Moreira da Fonseca. A dificuldade encontrada na convivência com a sua poesia, decorre tranquilamente de ser o autor um poeta que exige de si mais do que lhe podem fornecer as meras circunstâncias do cotidiano poético, surgindo PARI PASSU a febre criadora de renovar palavras, de perquirição do ilógico no levantamento das possibilidades metafóricas de transformar o prosaico, a lágrima, o riso, o tédio, o gesto e o sonho, em versos que se instituem numa realidade proposta pelo artista.

O meu torpedo de tinta

que explode em versos singelos

-- vozes do povo, farelos

desta seara nunca extinta; 

Poesia fácil de entender, esta poderia ser a forma de classificá-la dentro do sistema -- um tanto quanto rígido, formal -- de comunicação poética do autor com a inteligência de um público exigente, cujo nível de sensibilidade se coloca numa escala fora dos sentidos comuns, por assim dizer, numa altura livre das interferências genuinamente epidérmicas. Mesmo assim, a quase totalidade do seu livro “Frauta de Barro” traz no seu bojo “as vozes do povo, farelos desta seara nunca extinta”; prevalecendo os temas simples do dia-a-dia poetizável sobre o jogo artificioso das imagens corroídas pela sarna do parnasianismo, cujos símbolos apanhados no celeiro comum das estrelas, servem apenas de equilíbrio na estrutura dos sonetos e poemas.

Jamais um poeta esteve tão fisicamente presente, com pés firmes nas ruas de sua comunidade, sentindo-a com tantas emoções, sensível ao toque do acordar exato com as vozes dos pregoeiros, integrado, finalmente, nos acontecimentos sociais que o circundam:

Há tanta angústia antiga em cada prédio;

em cada pedra, -- nua e gasta. E agora

em necessário pranto que demora,

o amargo verso vem como remédio

 

pelos sonhos frustrados de cada hora

da ingaia infância. Madurando o tédio

nos becos turvos, porque exige e pede-o

inquieta solidão que assiste e mora

 

em cada tronco e raiz, calçada e muro:

Chora-Vintém, o Pau-Não-Cessa. Impuro

se derrama em palor de luta morta

 

nas crinas tristes, no anguloso flanco:

memória e angústia fundem-se num branco

cavalo manco numa rua torta. 

O poeta que assim traduz seu conúbio com os limites do seu mundo externo, obviamente que fez à sua opção: estar umbilicalmente compromissado com os seus semelhantes, custe-lhe embora essa opção tropeços e desenganos ingênitos à natureza dos seres gerados do homem. Neste livro se incluem os primeiros mapeamentos de um espaço conquistado para receber as formas imutáveis de uma poesia que já nasceu madura, e que se faz no tempo com a mesma perseverança das ruas, prédios e telhados que urdem a solidão urbana dos seus temas prediletos. Não se pode mais ler o livro sem ligá-lo ao homem. Cada página sua revela o inefável dos mistérios que se dividem entre os bens do sangue e a rigorosa linguagem de amor que o poeta dedica aos objetos do seu cotidiano.

“Sol de Feira”, editado em 1973, dez anos depois do seu livro de estreia, escuda-se igualmente na chancela de um primeiro lugar (Prêmios Estado do Amazonas de 1968), em cujo relatório, o Conselho Estadual de Cultura depõe: “O poeta mostra neste livro que a poesia é tão fácil quanto a manga, o cacau, a tangerina, a melancia, a graviola, o maracujá, o murici, o fruta-pão”. E vai mais longe, pois enche seu cabaz (ou paneiro) de todas as espécies deparadas no caminho, para ofertá-las em sumo e canção aos famintos de corpo e espírito. São versos populares, e formam certamente ao lado daqueles que fazem hoje do cancioneiro popular, um veículo que aproxima a cultura do povo, numa constante permuta de costumes e sentimentos que o poeta refunde e transfigura.

Apesar das comparações eruditas, através das quais ele invoca os mitos gregos e a história asteca, seu emprego não tem de abusivo ou pedante, não chega, por isso, a constituir obstáculos “ao leitor comum”. Apesar do julgamento proferido pelo relator do prêmio, descobre-se em “Sol de Feira” uma poesia bastante laboratorial, erudita mesmo e até certo ponto distanciada do povo e de sua origem simples no pomolário amazônico, dando a impressão de ter sido modificado durante os cinco anos que mediaram de sua publicação. Seja, no entanto, válido arriscar que do ponto de vista técnico Luiz Bacelar, atingiu um nível bem acentuado, ombreando-se com o que existe de mais apurado na arte poética dos nossos dias. Prosseguindo na linha formal de “Frauta de Barro”, não se deteve o poeta diante das exigências dos rondós populares de “Sol de Feira”, afinando seu instrumento regional pelos acordes de Apolo e o capricho dos deuses astecas.

Conclusões: saboreou as frutas no pomar e fechou-se depois numa torre de marfim. Enriqueceu o volume de notas, sugestões musicais e um glossário dos pomos, mas, no contexto poemático propriamente dito, reduziu seu universo de audiências e uma pequena elite que, ao invés das frutas louvadas, prefere sempre a maçã, a pera e as uvas importadas. Assim, vejamos:

da bruta mata

na área trilhe

vens em perfume

grata vanilha

de parda fava

olente filha

em verde berço

de alada quilha

pólen de prata

fúlgida poalha

de brilhos magos

que o luar refrata

sobre a toalha

fria dos lagos

Salvo razões dessa ordem, a cargo naturalmente de uma crítica menos impressionista, presenciamos neste poeta uma experiência contínua no domínio do seu instrumento criador de belezas, com uma técnica pessoal sem dúvida merecedora dos aplausos que tem arrancado dos nossos melhores escritores.

quarta-feira, junho 07, 2023

ANÍSIO MELLO (1927-2010)

 Prestes a completar 94 anos, se vivo estivesse, o itacoatiarense Anísio Melo fez de mais nas artes. Parte de suas obras foram recolhidas ao meu acervo, que intento repassá-las ao município para a "honra e glória" da Velha Serpa. Esta postagem reveste-se de minha homenagem ao saudoso amigo. 

Anísio Mello e
pequena porção de suas
obras 





domingo, julho 17, 2022

TRÊS ARTISTAS NO DIA DOS REIS

 No Dia dos Reis de 1963, domingo, o matutino O Jornal que circulava com a página do Clube da Madrugada, colocou nas mãos dos leitores três artistas: Afrânio de Castro (1931-81), Getúlio Alho e Luiz Bacellar (1928-2012). Cada qual com sua aptidão, dois poemas, um deles com ilustração do Alho, e havia muito mais nas páginas do jornal dos Archer Pinto.

Afrânio (acima) Bacellar (abaixo)


domingo, novembro 28, 2021

L. RUAS – 90 ANOS

Se estivesse entre nós, estaria hoje completando o nonagésimo ano de existência. Todavia, o padre-poeta L. Ruas passou para a eternidade em 2000, aos 69 anos, abatido por um AVC. Conhecedor de seu trabalho literário, espalhado em livros e publicações jornalísticas, e aliado ao privilégio de ter sido seu discípulo no Seminário São José, resolvi divulgar sua produção. Isso venho operando desde 2004, ocasião que marcava o cinquentenário de sua ordenação sacerdotal, igualmente a criação do Clube da Madrugada e do Instituto Christus.

Capa do livro

Para lembrar seu nascimento, intentei o lançamento do livro que reproduzia sua coluna Ronda dos Fatos, iniciada no jornal A Crítica, com passagem pelo Trabalhista e pela A Gazeta. Todavia, o apoio solicitado e prometido não se concretizou. Em sequência, desisti de convidar aos dirigentes da EE Padre Luiz Ruas, no Zumbi 3, para que cantassem os parabéns por esta efeméride.

Um outro projeto rolava: em companhia de meu irmão Renato, outro admirador do padre-poeta, organizamos uma coletânea de seus contos, publicados em livros e jornais. Demos-lhe o título de Dois meninos no mundo e outros contos, que pode ser encontrado nos market place, bastando para tanto digitar seu título no Google. Com essa providência, você pode comparar preços e adquirir ou impresso ou digital.

Contra capa do livro

Já escrevi bastante sobre o autor, confessando minha admiração por L. Ruas, de maneira que encerro esta postagem reproduzindo a homenagem inserida em Orfeu no Labirinto (Valer), de Dedé Rodrigues, saudando “o mestre com carinho”. Ruas compôs Poemeu, Dedé, Poeteu:

busquei teus caminhos

enveredei densos bosques

penetrei letras de abismos

conheci clowns

sonhos

fantasia

o lírico  

o épico

o dramático  

a crítica  

a beleza dos teus versos

e tentei fugir

do amor do teu Deus

mas já era tarde...

 

hoje

quando não há mais vigília

ainda escuto teu canto:

Quando escuto passos no caminho

Sei que não vens...

Mas, te espero...