Jane
Blauth da Costa (Passo Fundo-RS, 1937 – Porto Alegre-RS, 2012). Bailarina e
professora de dança clássica. Inicia seus estudos em dança clássica, aos 11
anos de idade, em Porto Alegre, com Tony Petzhold (1914-2000) e, em seguida,
com Marina Fedossejeva (1918-1984).
Mais detalhes podem ser recolhidos no site abaixo:
Mais detalhes podem ser recolhidos no site abaixo:
JANE Blauth. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: . Acesso em: 14 de Jan. 2020. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7
ISBN: 978-85-7979-060-7
E
a performance dessa artista seguiu pelos palcos da América do Norte, Europa e
países do Oriente Médio, ou seja, pelo Mundo. Retornou ao Brasil e, depois de
sucesso no Rio e São Paulo, recolheu-se a capital gaúcha, onde seguiu ensinando
esta arte até que o sopro da vida se extinguisse, em 2012.
Jane Blauth |
Quero
registrar um fato que não encontrei nos assentamentos dela buscados. Blauth esteve
em Manaus-AM, em 1961, tendo se apresentado no night-dancing Acapulco, como
bem descreve o autor do texto. Trata-se de Ramayana de Chevalier, então
secretário de Administração do governo Mestrinho (1959-63), divulgado no jornal
A Gazeta (edição de 30 maio 1961).
A GAZETA, 30 de
maio de 1961
TODOS se recordam dessa figurinha de Tanagra que
iluminou, por algumas noites, o Acapulco e se chamava Jane Blauth. Fazia pendant
com o coreógrafo Marcos. Dentre os números triviais a qualquer night-dancing,
os de Jane eram puros, harmoniosos, estéticos, artísticos. Sabia bailar. E o
que é mais: com a leveza das plumas humanas que Deus cria, para o embevecimento
dos corações. Jane Blauth adorou Manaus. Morou, durante a sua temporada no
Hotel Amazonas. Ali convivíamos, os almoços festivos, nos jantares íntimos,
antes da partida para o Aca [sem definição]. Sua figura marcou.
Não era uma criatura vulgar, dessas que enchem a bolsa e
esvaziam o espírito. Não. Jane tinha talento, sensibilidade e beleza. Dançando
a “javarde” dos apaches de Paris, era a Mimi Bluette. No charleston parecia um
desenho animado, colorido, que falasse. Todos os seus gestos lembravam um
cantinho de Paris, nas imediações da Église de la Madeléine. Delicada, nervosa,
estuante, encantadora, Jane Blauth encheu um capítulo da boemia manauara, com
fulguração.
Livre como um pássaro solto, ela era de família rica do
Rio Grande do Sul. Poderia estagnar-se como uma boneca de vitrina social, posar
para o tédio dos caçadores de momentos flutuantes. Mas Jane tem um ideal, um
caminho, um sonho. Quando o seu sorriso se abria para as noites amazônicas, eu
sentia dentro dele um código secreto de inteligência. Ela não buscava a
fortuna, não queria a admiração rotineira de um instante. Procurava
ressonâncias, ansiava pela repercussão do seu incêndio interior, delirava por
um romance. Ave de arribação do sonho límpido, resto de entusiasmo da “belle
époque”, mulher, cem por cento mulher, integralmente artista, perfeita. Como os
mergulhadores do Caribe, ela se aventurava nos oceanos da vida, buscando
emoções, colecionando aspectos.
Jane Blauth |
Quando Jane passou pelo Aca, ninguém julgou que ali ia um
jardim de carícias, uma flor exótica do talento brasileiro. Depois, Jane
viajou. Há quatro dias passados, voltou de Los Angeles o meu amigo Carlos
Ribeiro. Chuviscava e eu tomava sorvetes no Lord [Hotel]. Saíra de um drama de
Victor Mature, esse garotão que finge de teatro. Carlos me transmitiu um abraço
de Jane Blauth. Ela ainda se recordava deste pobre cronista, em Hollywood, onde
ela se encontra atualmente. As notícias me comoveram. Jane chegou lá e começou
a frequentar a American School of Dance», no Hollywood Boulevard. Não
demorou três meses e foi dada como completa. Já havia nascido “ballerina”. Era
uma vocação em marcha. Deslumbrara os mestres norte-americanos. Dali, ela
passou para o Hollywood Concert Balla, na New Western Avenue, sob o
comando de Gene Marinaccio, aquele que foi o primeiro bailarino do Marquês de
Cuevas. Rejeitou uma oferta-contrato de dois anos, para São Francisco da
California, por considerar-se ainda crua na arte coreográfica. Hoje, está
ensaiando um balé sem música, de Poulenc, sobre um tema de escultura de Rodin.
Fiquei com o coração alegre com as notícias. Jane, para
mim, foi uma ave levíssima, encantando-me a tristeza tropical. Sua passagem
pelo Amazonas foi um rastilho de beleza e de sensibilidade. O seu sorriso era
uma rosa de primavera e os seus gestos, lânguidos ou nervosos, amaciavam os
olhos e o espírito. Dentro da noite suave e lacrimosa, tive saudades da Jane.
Parecia vê-la, dentro das trevas amazônicas, cruzando as ruas como um fio de
luar. De corpo civilizado, tépido e sinuoso, de músculos treinados no ritmo e
na graça, Jane Blauth foi uma centelha de cultura, em trânsito pelo equador.
Aprendi, com ela, um pouco da arte de negligenciar, de aspirar sempre mais
alto, de considerar a vida uma dependência da nossa vida e do nosso desejo. Ela
venceu em Hollywood. Não se mistura com os indígenas de lá. Leva consigo uma
paisagem própria, tecida em noites deslumbrantes e mágicas.
Sempre senti nela uma vitoriosa. O público de elite a
aplaudiu em Manaus, calorosamente. Durante muitos dias, foi ela um complemento
imprescindível aos notívagos-estetas. O Acapulco deve-lhe um retrato em sua
sala de artistas. Espero que Jane o envie de Hollywood, para o nosso night-dancing.
Ela veio num bloco do Teatro Municipal. Havia tentativas, promessas,
realidades. Havia veteranas, que prosseguiam no seu destino, iniciantes, que se
benziam antes da pista. Jane Blauth era um luar convicto. Linda e suave, de
olhos de turquesa, de sorriso primaveril, doce como um fruto maduro, adorável
como um momento lírico, ela afirmou a sua classe e perfumou a sua passagem como
um lírio. Estou pleno de saudade, orando pela felicidade da tanagrina do balé
do Aca. Sei que, talvez, ela jamais retornará a Manaus. Pretende ir à Rússia, à
Londres, ao céu. Tenho certeza de que um dia, na vertigem do destino,
encontrá-la-ei, deliciosa e lânguida, no Rio de Janeiro, dentro das noites
densas e fascinantes. Olhar-nos-emos mudos, antes de falar. Antes de
reencontrar num abraço divino, aquela que, por algumas noites, me tornou mais
crente na infinita bondade de Deus, e no imenso prestígio da fascinação
estética.
Se um dia interpretarem, fielmente, a Ifigénia de Gluck,
eu verei Jane Blauth no palco, volteando como um fio de luar, imortalizada pelo
seu talento e gotejando sonhos nos corações românticos e simples. Quero vê-la
assim. E quando eu desejo alguma coisa, só o Diabo consegue me perturbar, e
assim mesmo maconhado.
Saudades da jane, minha querida ex-namorada de Porto Alegre e minha amiga até o seu final.
ResponderExcluirVladimir Paulon