Aspecto do encontro entre amigos de Luiz Bacellar, na funerária, antes da saÍda do féretro |
Hoje foi o último dia do poeta Luiz
Bacellar, morto ontem, aos 84 anos, entre os amigos e admiradores. Para sacar
os derradeiros documentos necessários a obtenção da certidão de óbito, abrimos os
expedientes em duas repartições diferentes. No cemitério São João Batista,
estava o amigo Zemaria Pinto, e no 2º Cartório de registro de pessoa física,
instalado no bairro de Aparecida, fui eu em busca do comprovante de nascimento
do falecido.
O passo seguinte foi realizado na Fundação Dr.
Thomas, onde obtivemos o comprovante de residência. Reunidos esses documentos,
fomos em direção ao 11º Cartório de registro, funcionando na av. Grande Otelo,
no Parque Dez. Ali, enfim, tiramos a certidão de óbito do morto. Estava apto
para ingressar na eternidade.
Aqui, um parêntese para lamentar as instalações deste cartório. Começa que não possui espaço para estacionamento, melhor deixar o carro mais adiante próximo à igreja católica mais adiante. No interior do cubículo, de cerca de 3x3, havia apenas um atendente, que atendia. Sobravam três cadeiras, que foram ocupadas pela nossa comitiva. Logo chegaram quatro mulheres e uma criança, e não tinham onde sentar. Iluminação fraca, que não colaborava com o escrevente. Aliás, de um modo geral, os cartórios precisam ser visitados pelos dirigentes dos consumidores.
Jornal A Crítica, edição de hoje |
Os periódicos não dispensaram encômios ao
poeta-morto. O autor de Frauta de Barro
estava elegante em todas as páginas. Mas, duas questões destoaram: a nota
assinada pelo jornalista-acadêmico Aldisio Filgueiras, estampada no Em Tempo, que causou “estranheza” aos
dirigentes maiores da Academia de Letras.
A outra foi a grafia com que A Crítica enfatizou o sobrenome do
falecido – BARCELLAR,
que, para o próprio, era uma forma degradante
de tratá-lo. Para esse desastre, certamente o mesmo passaria discretamente seu
cartão de visitas, repleto de escárnio (veja ilustração).
De volta ao falecido na funerária Almir Neves. Cumpria-se sua vontade expressa
em documento hábil, assim, o acadêmico Luiz Bacellar deixou de ser reverenciado
na Academia Amazonense de Letras, como de praxe. Tudo então acertado, o enterro
aconteceria a partir das 15h30, apesar dos matutinos terem exposto o horário matinal
(10h30), previamente estabelecido.
Uma hora antes da saída do féretro, os amigos reuniram-se em volta do falecido para as despedidas finais, ao ritmo da poesia e ao compasso da música. Este conclave foi regido pelo acadêmico Tenório Telles, e cercado de emoção. Versos do poeta morto e de outros poetas preencheram o encontro. A oração final coube ao poeta Thiago de Mello.
Abaixo, estão duas manifestações: a de Benayas Pereira e de Almir Diniz, dois poetas, dois admiradores do autor de Sol de Feira.
Um tchau ao poeta
Benayas Pereira
Eu acho que o poeta jamais deveria partir.
Um poeta, que acredito ser o americano Ezra
Pound, dizia que "enquanto os mortais bebem vinho, os poetas bebem
almas". Ezra sabia distinguir como ninguém a
diferença entre os mortais dos poetas. Os mortais, dos quais faço parte, são pessoas broncas e laicas. Algumas
eventualmente leem algo relacionado com poesias ou coisas pertinentes.
O poeta, não! O poeta passa sua vida
elaborando, criando, passando noites em claro, em busca de uma só palavra que
defina exatamente o que 'quer dizer. É sem dúvida, um esteta, um perfeccionista. Passados
alguns anos, com uma idade
madura e, após ter embebido o povo de poesias e alimentado sua alma, vem um
deus e o leva para sempre.
Eu acho que o poeta jamais deveria partir.
Meu consolo de simples mortal é que o poeta
parte, porém, deixa tudo o que criou para nós, mortais, broncos e leigos, no sentido de um
dia quem sabe, um de nós tenha a ideia de pegar algum fragmento poético para nos embriagar de
ternura. Este porre seria aquele vinho do qual Ezra se referiu.
Quintana disse uma vez que "com o tempo não vamos ficando sozinhos
apenas pelos que se foram; ficamos sozinhos um pelos outros". É uma verdade crua. Com as idas desses poetas –
alguns muitos jovens – o mundo vai ficando carente das coisas essenciais da
vida e, entre elas, a poesia.
Vi muitos poetas partirem. Percebo que gradualmente
a poesia se enfraquece. A renovação é parca. Breve não teremos mais um único soneto. Triste realidade de quem ainda sonha. O que será do mundo? É multo difícil ter de aceitar
que um dia todos eles atravessarão o rio das águas cristalinas. E esse rio é
Implacável. Por ele todos hão de percorrer sejam poetas ou simples mortais.
Eu não concordo: acho que este rio feroz e
pungente deveria carregar somente os mortais. Os poetas não!
Por que... Eu acho que os poetas não deveriam
partir.
* * *
EMPECILHO
Para
Luiz Bacellar
Havia, claro, empecilho
bem
na curva do caminho
entre
o “café” e a vontade,
entre o "Quarteto" e o carinho,
entre o "Quarteto" e o carinho,
bordando a manhã de
brilho
com
as luzes da amizade.
E
havia a distância, enfim,
distância para vencer...
Sem asas, plumas e arminho,
distância para vencer...
Sem asas, plumas e arminho,
como
hei de proceder?
Mas
há o espírito endeusado
que voa e nunca se o vê.
que voa e nunca se o vê.
Então,
sendo um andarilho,
montei meu corcel alado
que existe dentro de mim:
pulei etéreo cercado,
transpus o espaço sem fim.
montei meu corcel alado
que existe dentro de mim:
pulei etéreo cercado,
transpus o espaço sem fim.
E
na hora do "café
da
manhã" – pode me crer –
estive bem do seu lado
estive bem do seu lado
só
para aplaudir você!
Almir Diniz - Campinas (SP)
4 set. 2005
Já no cemitério de São João Batista, na Quadra 9, depois do
minuto de silêncio, Luiz Franco de Sá
Bacellar foi sepultado. A tarde, tornando-se aprazível, fez-se mais uma vez
amiga do poeta para que os amigos levassem algum tempo em conversas antes de se
afastar do cemitério.
RIP (requiescat
in pace) amigo-poeta Luiz Bacellar.
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