Victoria Malafaya |
As ruas de terra batida repassadas
na abertura do conto postado pelo Renato Mendonça existiram. Localizavam-se no
bairro do Morro da Liberdade, no arrabalde de Manaus. E a morta-viva que
aconselha ao autor do texto é a minha e dele avó paterna – a peruana Victoria
Malafaya.
Pobretona e analfabeta, nascida
na região da amazonia peruana, nunca
portou documentos, por isso não se sabe com que idade morreu. Esse fato ficou
comprovado com a obtenção da certidão de óbito dela, cujo registro apresenta
várias imperfeições. A mais grave é a de que possuía, ao morrer, 56 anos (?).
Renato Mendonça, neto de Victoria Malafaya |
Vou expor uns episódios
marcantes dessa avó. Fatos que me foram passados por meu pai – Manoel, filho de
dona Victoria. Um dia de 1928, ele com onze anos, morava em Iquitos (PER) com sua
mãe, quando esta decidiu enfrentar o destino, tomando o rumo de Manaus (AM),
que continua atraindo os peruanos daquela latitude.
O empreendimento não
teve aquela disciplina, pois tomaram “emprestada” uma canoa e se atiraram rio
Solimões abaixo, contando apenas com a sorte para alcançar primeiramente a
fronteira brasileira. Sua mãe estava acompanhada de dois filhos (Manoel e
Francisco) e dois ou três amigos adultos. Ou seja, foi montado um ajuri com a
finalidade de vencer a remo a respeitável distância entre aquela cidade e a de
Tabatinga.
Em razão do furto da
canoa, os migrantes optaram por viajar somente à noite, escondendo-se durante o
dia. Temiam ser alcançados pela polícia, devido o delito. Passaram dificuldades
tanto para se abrigar quanto para a alimentação, que, para esta, se valiam de
frutos e de peixes apanhados de modo fortuito. Mas, dado a quantidade de peixes
regionais, certamente, deu “para escapar”.
Apesar dos percalços, obtiveram
êxito. Ao se aproximar da fronteira brasileira, porém, houve o temor da
perseguição policial, por isso, decidiram ultrapassar aquele mundo de águas,
pela madrugada, sem qualquer movimento de remos, como se a canoa estivesse à
deriva.
Todos agachados, talvez rezando,
ou torcendo que o Solimões os amparassem. Novamente venceram. Já em território
brasileiro, sem que meu lembre o preciso local, venderam a canoa e conseguiram
embarcar em uma lancha (também esquecida pelo tempo) em direção a Manaus.
Chegados a capital
amazonense, dona Victoria e seus filhos foram morar na praça do Teatro
Amazonas, com certeza em uma pensão barata. Ela passou a efetuar serviços
domésticos e os meninos, como era comum à época, passaram a empregados
domésticos. Aquele moleque que fazia carretos, recados (quem sabe, o precursor
do celular, ou seja, o “moleque lá”), e algumas vezes recebia o corretivo. Meu
pai lembra-se do primeiro emprego, na taberna do seu Abade, um comerciante espanhol situado no centro, ou na rua
Isabel ou na Dr. Almino, mas próximo ao igarapé de Manaus, hoje saneado e
transformado em parque.
De volta à dona Victoria.
Seus últimos anos foram passados em nossa casa da rua Amazonas, 29, no Morro da
Liberdade, que estava iniciando, no prolongamento do bairro de Santa Luzia. A mudança da família ocorreu em
dezembro de 1959, saída dos Educandos.
Foi, pois, nesse endereço
que o mano Renato encontrou a avó morta, quando ele retornou do emprego na Casa
do Trabalhador. Era o dia 10 de dezembro de 1961. O registro legal foi
realizado no atual 4º Ofício, instalado na rua Leopoldo Peres, em Educandos. Não
há registro do responsável pelos dados, por isso, os deslizes. Seu sepultamento
foi realizado no cemitério São João, onde, em 1952, fora sepultada minha mãe.
Cópia da Certidão de Óbito de Victoria Malafaya |
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