Escombros da Biblioteca Pública, em 1945 |
22 de agosto de 1945 –
Na madrugada desse dia, aconteceu um grave
incêndio que atingiu a Biblioteca Pública do Estado, única até então existente,
inaugurada em 1910 na rua Barroso canto com a avenida Sete de Setembro. O fogo
destruiu completamente seu acervo, salvaram-se alguns poucos, e mais preciosos,
por se encontrarem em exposição fora do local. A edificação, pelo lado da rua
Henrique Martins, partiu de alto a baixo, deixando ver o desastre em seu
interior.
Em apenas dois anos, sem contar com tantas ajudas
financeiras, o prédio foi reparado e uma nova coleção de livros foi incorporada
ao acervo da Biblioteca. Nome do autor desta façanha: Genesino Braga.
Que saudades desse Diretor, quando se vê a mesma
Casa de Leitura fechada há mais de seis anos, por culpa de fenômenos climáticos,
como se dizia antigamente, “pecado” de são Pedro que manda tanta chuva sobre a
cidade de Manaus.
O Corpo de Bombeiros de então era um desastre.
Para o livro sobre os “homens e mulheres do fogo”, escrevi o texto que a seguir
exponho.
No segundo semestre desse ano (1945), as chamas
descontroladas iluminaram a cidade de Manaus em trágicos acidentes. A partida
começou em 4 de julho, com a destruição do batelão Arapiuns. Acionada, a Companhia de Bombeiros compareceu ao local,
“tendo prestado valiosos serviços, isolando, com suas mangueiras, o batelão sinistrado”, noticia O Jornal, de 15 de julho.
Dois outros acidentes aconteceram no fatídico mês
de agosto. O espantoso incêndio verificado no Emboca (hoje rua Leopoldo Neves),
bairro de Santa Luzia, onde desapareceu perto de uma centena de casas humildes.
Além de medidas assistenciais tomadas pela interventoria, a Associação
Comercial do Amazonas (ACA) colaborou na reconstrução de residências.
O outro, inolvidável, sucedeu na madrugada de 22
destruindo o acervo da Biblioteca Pública. Já instalada onde hoje se encontra,
no cruzamento da rua Barroso com a avenida Sete de Setembro, a Biblioteca e o Arquivo Público partilhavam
o andar térreo do prédio. Ocupavam, respectivamente, o salão sul (av. Sete de Setembro)
e o salão norte (rua Henrique Martins).
Ali estava instalada,
também, a Assembleia Legislativa. Embora não estivesse em funcionamento, pois
vigorava a ditadura do Estado Novo – ocupava “provisoriamente”, desde 1913,
todo o andar superior.
Diante do infortúnio, Manaus irmanou-se, tanto
para combater as chamas quanto para recuperar o patrimônio. As descrições
oferecem ampla visão desse empenho geral, a primeira provém do acervo da
Polícia Militar (Boletim Interno, de 24 de agosto), que detinha o dever de arrostar as chamas.
Ontem, o patrimônio cultural do Amazonas sofreu
profundo golpe com um terrível incêndio que destruiu parte de um grande
edifício do Estado, onde se achava localizada a Biblioteca do Estado. Esta
lamentável ocorrência, que teve início pelas 3h da manhã, foi logo socorrida
pelo Corpo de Bombeiros, além de alguns oficiais e praças da Força, com o
intuito único de dominar a ação devastadora das chamas. Por um retardo da
abertura da rede de águas, o incêndio tomou maior volume, entretanto, um
esforço gigantesco por parte dos nossos bombeiros, bem como de alguns oficiais
e praças da Força, conseguiram evitar a propagação das chamas às outras
dependências do mesmo edifício.
O comando policial
reconheceu o esforço e a dedicação de seus subordinados. Consignou em boletim
que não mediram sacrifícios, ao ponto de exporem suas vidas “na luta pelo cumprimento
do dever”, por isso, merecem especial menção “pela alta prova de amor à profissão
e à pátria”. Experimentou a altivez, especialmente, “daqueles que souberam
cumprir o seu dever”, concorrendo para evitar maiores danos ao patrimônio do
Amazonas. Tanto entusiasmo arrebatou o comandante, a ponto de indultar a pena
disciplinar “dos praças da Companhia de Bombeiros, bem como da companhia de metralhadoras
do Batalhão”. Nominalmente, do cabo 339, Paulino Furtado de Araújo e do soldado
494, João Bento de Souza, da 1.ª Companhia de Fuzileiros.
Os bombeiros não puderam combater o fogaréu a
contento, reconhece o comandante. Após o rescaldo, restaram aos policiais
militares os encargos da segurança e da remoção dos entulhos. Isso mesmo. Foram
designados 12 homens para, sob a orientação do diretor dos Serviços Técnicos do
Estado, demolir as áreas do prédio irremediavelmente atingidas pelo fogo. Coube
ao tenente Caetano Félix do Nascimento, que nos anos de 1954-55 seria comandante
da Polícia Militar, a fiscalização desses serviços.
Genesino Braga (1906-88) |
No andar superior
funcionava a Assembleia Legislativa, onde mantinha seus arquivos, daí supor
que, uma descarga elétrica “no velho quadro de eletricidade existente no andar
superior do edifício”, tenha produzido o desastre. O fogo destruiu por completo
todo “o patrimônio livresco, móveis e demais utensílios da Biblioteca Pública
do Amazonas”.
Ao contrário da
proclamação do comandante dos Bombeiros, o cronista-diretor Braga fustiga:
quando o alarme soou, não houve “as providências que se esperavam”, pois, para
a “imediata debelação do incêndio, não havia água nas bocas do incêndio próximas
ao local” e, bem pior, “os bombeiros, desapresados, não dispunham do mais
primário material para o combate a incêndio de tão vastas proporções”.
Diante deste quadro:
madrugada, sem água nos hidrantes e com bombeiros desaprestados, “toda a
biblioteca foi destruída, não se conseguindo salvar sequer uma página de livro;
e toda a ala direita do majestoso edifício veio ao chão, da cobertura ao soalho
do piso inferior e deste à laje do porão, ficando de pé apenas as grossas
paredes laterais, na sua obra de alvenaria, com grandes fendas de alto a baixo”.
Sem contestação, aquele foi um dia aziago para a
vida cultural do Estado. Restou, contudo, nos anais da Polícia Militar as
palavras reconhecidas do cientista Djalma Batista (entre março e julho de 1943, foi,
na condição de capitão, chefe do Serviço de Saúde da Força Policial). Suas
palavras foram manifestadas em carta ao
comandante da Força Policial do Amazonas.
Nesta, ratificou a admiração pela organização a
qual servira, ainda que por meses. E listou o grupo de abnegados praças que
ajudaram a transferir “o modesto laboratório
de pesquisas clínicas, que dirijo”, situado no entorno do incêndio. O
grupo esteve constituído dos sargentos
Edson (do Serviço de Saúde) e Djalma Passos (depois oficial, bacharel, poeta e
deputado) e dos soldados
Antônio Nunes da Silva, Januário M. da Silva, Manoel Ribeiro, Maximiniano Belarmino
e João Bento de Souza.
Assim consignou o saudoso doutor Djalma Batista (1916-79):
A cidade de Manaus viveu na madrugada de anteontem
um de seus dias mais trágicos, com o incêndio da Biblioteca Pública, por
excelência a casa da cultura e do espírito. A violência com que lavrou o fogo
foi tamanha, que a ameaça de generalizar-se a todo o quarteirão se tornou
evidente. (...) O gesto de solidariedade e a ajuda prestimosa dos briosos
militares me cativou extraordinariamente.
Biblioteca Pública, anos 1960. Detalhe dos modelos de carros: Rural (à dir.) e Karmanghia (à esq.) |
Biblioteca Pública, em 1969 |
Coronel bom dia!, postei a foto do registro do incêndio da Biblioteca em 1945 em minha fan page do facebook, com uma legenda descritiva como sempre faço. Um dos leitores suscitou uma dúvida a respeito da ala sinistrada, isso porque a foto, a menos que esteja invertida, sugere a ala sul que fica para a 7 de setembro. Até pouco tempo, confesso que tudo que tinha lido a respeito do incêndio,
ResponderExcluirinclusive este artigo, me deram a compreensão de que a perda do prédio era total. Agora com mais cuidado, entendi que a perda total é do acervo bibliográfico. Me faça um favor, olhe novamente a
foto postada no artigo e verifique se ela está invertida. Abraços. Marçal Trindade. email - oiaram_rio@yahoo.com.br