As eleições do próximo domingo pedem reflexão, para isso, reproduzo o texto de um escritor fantástico, ao mesmo tempo político, conhecedor bem das entranhas dessa atividade. Ramayana de Chevalier notabilizou-se na defesa e no ataque a políticos, tanto em Manaus quanto no Rio de Janeiro. Possuía a pena afiada e bem paga. Deixou lições. Uma delas publicada em Jornal do Commercio, em 25 set. 1958.
No Amazonas, em 1958, quando foi candidato a deputado estadual, estabeleceu seu comitê no Hotel Amazonas. E, talvez no Mandy´s bar (anexo ao hotel), produziu uma série de crônicas para divulgar sua campanha. Foi, entretanto, reprovado.
ALEGRIA
Quando Frederico Nietzsche, do fundo de sua caverna lôbrega, afirmava que Jesus só pregava o amor ao próximo, porque não conhecia a democracia, estava em transe de iluminação. A democracia é irmã gêmea da demagogia e esta, filha dileta do diabo.
O político profissional tudo promete, certo de que irá se manter com um milésimo do prometido. Sorri, como as figuras torvas do submundo parisiense: de esgar. Aperta mãos com a solicitude dos carteiros. Tira o chapéu quando o usa, como um mágico do palco, para que surja dele uma surpresa. E, nos comícios, alteia a voz com ênfase, numa coleção abjeta de lugares comuns que todas as bocas mentirosas já repetiram; inflama os olhos; suspende o dedo em riste como se agitasse um látego; submete-se a uma falsa atitude humilde, como se fora um servente obscuro da grande massa eleitoral.
Quando ele defende uma tese social, quando está do lado do povo, aconselhando-o, pregando, doutrinando, então é feliz. Pode ser sincero. O seu entusiasmo é contagiante, é quase puro, é vivo e ardente. Sem o povo, ele falseia e mente, intriga e infama, apedreja e gargalha, cospe nas tradições e rasga os cânones mais nobres da espécie.
O político profissional é uma pobre criatura que tem que se defender do seu maior inimigo: o eleitor inconsciente. Este é o verdugo e a vítima. Sente-se enorme às vésperas do pleito, como sabe que é um verme, no resto do tempo. E quando não possui a consciência cívica, gloriosa e alta, que lhe empresta o poder seletivo, o condão de escolher, então rasteja e sacode-se como um chacal. Pretende escravizar moralmente o político, como este o maneja socialmente. O eleitor inconsciente só vê uma coisa às vésperas do pleito: o seu interesse. Insinua, difama, toma dinheiro, ou empavona-se em chefete, procura dirigir o candidato, absorver-lhe a atenção, empolgar-lhe a atividade, arrastá-lo para si como um joguete sem vontade e sem critério. E engendra despesas imaginárias como um Einstein, inventa contas como um botequineiro.
Disse-me o meu amigo Ruy Araujo, brilhante candidato a deputado federal, que, se fossem verdadeiros os livros de fichas eleitorais que apresentam esses forjadores de fantasmas, o eleitorado amazonense seria maior que o de São Paulo. Se o político profissional é algo de sórdido, o eleitor profissional é muito mais sujo. E chato.
No fundo, ele vota num interesse, não vota num homem. E alicia a opinião do povo humilde, com a esperteza de uma víbora. Tenho alergias por estes sacripantas. O seu contato me é nefasto. Creio no povo, modesto e bom, que enche este mundo.
Se os peitos eleitorais se passassem com elevação, sem arreganhos, sem cachaça e sem demagogia, então valia a pena tentar-se a defesa de uma tese social, de uma doutrina política sadia.
Quando vejo um desses eleitores profissionais aproximando-se de mim, arrogante ou de sorriso número cinco a tiracolo, tenho vontade de mandá-lo para o lugar aonde Pilatos mandou o inventor do sabonete.
Tenho uma invencível vontade de trabalhar pela minha gente, de dar de mim pelos humildes do nosso Estado. Mas o processo me constrange. Gostaria que tudo se passasse entre pessoas conscientes, entre almas compreensíveis, entre vocações patrióticas definitivas. Se, para ser político, é preciso abdicar de tudo isso, então já não contem comigo. Sou alérgico ao cinismo.
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