CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

terça-feira, dezembro 21, 2010

Os cinemas de Manaus V

Cine Popular (1920); (1926-1972)
Ed Lincon


Álvaro do Rego Barros, em 1º de janeiro de 1920, inaugurou na avenida Joaquim Nabuco, nº 157, “uma casa de diversões para a exploração de um magnífico cinema, cuja sessão de experiência foi realizada ontem”. Segundo Selda Vale, chamava-se cinema Popular. E, provavelmente, a “sessão de experiência” não deve ter dado certo, vez que, após essa data, não se encontra referências jornalísticas a respeito.

Seis anos depois, a empresa J. Fontenelle & Cia. adquire o prédio construído em 1909, na rua Silva Ramos, nº 190 (atual 1054), onde estivera instalada a loja A Brasileira. Ali instala uma sala de exibição cinematográfica, com o nome de Popular.
Constituiu-se no primeiro espaço da Sétima Arte fora do centro da cidade. O Popular, segundo a coluna Teatros e Cinemas, do Diário Oficial (14 nov. 1926), foi pré-inaugurado no dia anterior, às 20h30, quando tocou à porta a banda de música da Força Policial.

No avant-premiére, foi exibido O prêmio da vitória. Presentes, além do proprietário Jonas Fontenelle (1880-1947), Ephigenio Salles, governador do Estado (que cortou a fita de inauguração); M. Xavier Paess Barreto, juiz federal; deputado Aprígio de Menezes (que, em 1928, abriria seu próprio cinema no bairro de Aparecida, o Ideal Cine-Teatro); Joaquim Tanajura (médico, depois Prefeito de Manaus); Washington de Almeida; Dr. Alfredo da Matta; Maximino de Miranda Corrêa; vereador Julio Verne e o Dr. Elviro Dantas, todos acompanhados de suas famílias.

A inauguração para o público ocorreu em 14 de novembro, com a reprise de O prêmio da vitória (em oito partes), da Paramount, estrelado por Claire Windson (1892-1972) e Frank Keenen (1858-1929), astros da cena muda. A sessão de abertura ocorreu às 20h30, ao preço de 1$100 (mil e cem réis).
O cine Popular exibia sessão todas as noites e, justificando a denominação, oferecia ingressos mais baratos. Não possuía cadeiras, todavia, mas sim extensos bancos de madeira assemelhados aos de igreja. Ainda assim, o Jornal do Commércio (17 nov. 1926) apregoava que o Popular havia sido “instalado magnificamente, apresentando conforto aos espectadores. Comporta mais ou menos quinhentas pessoas e ostenta boa iluminação”.

Talvez devido à euforia da inauguração, o articulista tenha exagerado sobre a capacidade da nova casa. O Popular não era assim tão grande, não possuía palco para apresentação e a fachada não apresentava qualquer visual de cinema. Isso sem falar do desconforto que oferecia.
Ao contrário do que se possa imaginar, a tela de projeção diferia da dos demais cinemas. Era composta de sacos vazios de trigo, unidos lado a lado por costura, um tipo de tecido muito resistente e que, em alguns casos, servia para confeccionar vestuário pela camada menos favorecida da população.

Em 1931, o Popular passou a exibir filmes do chamado “gênero livre” (equivalente nos dias atuais aos filmes eróticos). Acontecia em sessões exclusivas para homens. Películas, como Mulheres viciosas, Vício e perversidade, Mulheres faladas, Caixinha de costura etc., eram exibidas disfarçadas pelo titulo de “científicos ou artísticos”, tendo sido algumas delas produzidas no Brasil.

O cine Popular, também conhecido por “Quebra-orgulho”, “Cine Poeira”, “Poli-Pulgas”, “Odeon do bairro”, entre outros epítetos, fez bastante sucesso junto aos moradores do Alto Nazaré, Boulevard Amazonas e adjacências. Mesmo sem levar em conta as pequenas dimensões deste cinema, era frequentado assiduamente nas décadas de 1930 e 1940.

Neste período, em sua tela, seriados americanos começaram a ganhar destaque: O Homem-Morcego, da Columbia; O Falcão da Floresta; O Terror dos Mares; O Aranha Negra; Tambores de Fu-Manchu; Adaga de Salomão e O Misterioso Dr. Satã, entre outros. Também não se pode esquecer as séries de faroeste estreladas por Gene Autry (1907-1998), Tom Mix (1880-1940), Roy Rogers (1911-1998), Wild Bill Elliott (1915-1965), Charles Starret (1903-1986), Hopalong Cassidy (William Boyd) e o mais famoso de todos os cowboys, Allan Rocky Lane, cujo fã-clube era admirável, notadamente entre as mulheres.

No início dos anos 1940, inexistiam linhas de ônibus. Aqueles que desejassem aproveitar os módicos preços do cinema do Alto Nazaré, poderiam apanhar bondes da Manáos Tramways, cujas linhas: Entroncamento, Alto Nazaré, Bilhares, Flores e Vila Municipal trafegavam pela rua Silva Ramos, com parada em frente ao “velho poeira”.

Uma explicação aqui se faz necessária: entre as décadas de 1940 e 1960, os filmes ali exibidos procediam do eixo Rio/São Paulo, depois de dois ou três anos. Como se tratava de filmes bastantes “surrados”, costumavam arrebentar ou “queimar” (como se denominava na época) inúmeras vezes durante a projeção. O conserto demorava, as luzes eram acesas... e paciência.
Nem sempre tal acontecia. Os frequentadores se aborreciam e, aos gritos de ladrão, ladrão, esperavam a sessão recomeçar. Então, para solucionar o problema, Arlindo, o projecionista do Popular, fazia antecipadamente revisões e emendas, esperando que o pior não acontecesse.

Em incontáveis oportunidades, ele era auxiliado pelo garoto Aluízio Ferreira (meu pai, ainda vivo para confirmar a versão), que morava ali próximo no Boulevard Amazonas e, por sua amizade com todos os funcionários, possuía livre acesso.


O poeira do Alto Nazaré foi o grande beneficiado com a reforma do Odeon. Foi contemplado com as cadeiras pertencentes ao mesmo, substituindo os desconfortáveis bancos de madeira Também foram realizados reparos no prédio, que incluíram pintura interna e externa, consertos do telhado, para exclusão de goteiras, instalação de novos projetores, entre outros melhoramentos.
A reabertura do Popular aconteceu a 9 de fevereiro. A proprietária consegue êxito retumbante ao exibir, bem antes de outros cinemas, a fita A canção da Índia, com Sabu (1924-1963), Gail Russel e outros. Ainda nesse mesmo dia, o “velho poeira” apresenta No tempo das diligências, com John Wayne no papel principal, e os dois primeiros episódios de O homem de ferro.

Em agosto de 1959, “o velho poeira” encosta as portas para mais uma reforma. Parecia não voltar, pois demorou exatamente três anos para ser concluída. Enquanto esteve fechado, o Popular passou por manutenção em seu salão de projeção, onde foi instalada a nova tela destinada a exibição em cinemascope, além de dois novos projetores.
Reaberto em 30 de dezembro de 1962, a direção do Popular alegou que a demora se deveu a problemas com energia elétrica, resolvidos pela Companhia de Eletricidade de Manaus (CEM), atual Manaus Energia. A re-inauguração foi efetivada com grande pompa e expectativa. Em todas as sessões foi exibida a película O gladiador invencível.

Em setembro de 1963, a empresa Fontenelle, administrada pelo Dr. Alberto Carreira da Silva (1907-1982), herdeiro de Jonas Fontenelle, abandona o mercado exibidor de Manaus após arrendar todas suas salas (Odeon, Éden, Polytheama e Popular) para o grupo Severiano Ribeiro, pertencente a Luiz Severiano Ribeiro Júnior.


Cine Popular, ao tempo de seu fechamento, 1972. O prédio ainda existe, abrigando
comércio variado
 Seis anos depois de relativo sucesso, o cine Popular apresenta sinais de desgaste em sua estrutura, ainda mais agravado pela inauguração da TV em Manaus. Em setembro de 1969. A aceitação desta motivou e acentuou o afastamento de grande parte de seus frequentadores.
Para completar a desventura, o prefeito de Manaus, Paulo Pinto Nery (1915-1995), proclamou uma devassa nos cinemas sem condições de funcionamento. O recém-inaugurado diário A Notícia (3 maio 1969), fundado pelo comendador Felix Fink, ainda em sua terceira edição, socorre os cinemas: FECHAR OS CINEMAS, ESSA É BOA! “Nós nada temos a ver com isso, mas em nossa modesta concepção a idéia de fechar os cinemas é simplesmente ridícula.”

Em novembro de 1970, a São Luiz (nome de fantasia do grupo Severiano Ribeiro), escala os cines Odeon e Polytheama como lançadores de novos filmes. No Éden e no Popular, de outra maneira, a empresa resolve modificar o horário das sessões. Somente no domingo seriam apresentados dois filmes distintos, um na vesperal e outro à noite. Além do desconforto, a sujeira e outros inconvenientes constituíam problemas destacados nas casas de exibição de Manaus, como acentua o matutino da empresa Archer Pinto (O Jornal, 5 dez. 1970): “Realmente, a sujeira, o calor, e o mau cheiro reinantes em nossos cinemas causa revolta e humilha a nossa cidade.Somos uma terra em crescimento. Tudo melhorou ou está melhorando. Menos os cinemas que ficam piores, na medida que os dias passam. Uma vergonha.”

No final de 1971, a Prefeitura e o Instituto Nacional do Cinema (INC) passaram a controlar e fiscalizar severamente as atividades das casas de diversões. Para isso, foi nomeada uma “comissão de saúde” que, em conjunto com a Secretaria de Desenvolvimento Comunitário (Sedeco) e o INC, por seu representante local, Alfredo Jackson Cabral (substituído, em 1º jun. 1972, por Afonso Lopes) realizou vistorias nas salas de projeção cinematográfica, encaminhando relatório completo ao Prefeito Paulo Nery. Esta autoridade concedeu o prazo de 30 dias, para que os responsáveis executassem os reparos adequados ao padrão de conforto exigido pela comuna. Ao contrário, não poderiam continuar funcionando.

De todos os cinemas vistoriados pela Prefeitura e pelo INC, o Popular se apresentava em piores condições, especialmente em seu interior. Ali, havia cadeiras soltas, piso de madeira completamente deteriorado e, pior, estava infestado de ratos e morcegos. Diante do quadro, a empresa São Luiz optou pelo encerramento das atividades nesta sala.

Data do fechamento: 28 de junho do mesmo ano, quase 46 anos de funcionamento.

Ed Lincon, autor do texto

Encerradas as atividades do Popular, o arrendatário em Nota ainda apregoava para breve a reabertura, após rigorosa reforma que acabou nunca acontecendo. No ano seguinte, Manaus viu desaparecer quase todos seus cinemas. Odeon, Vitória, Palace, Eden, Polytheama e Avenida encerraram as atividades, restando Guarany e Ipiranga que passariam por reformas parciais.

Mas o Popular ainda ressurgiria... como cine POP (1977-1979).



2 comentários:

  1. Excelente matéria, parabéns!
    Os amantes da 7a. arte, principalmente os da velha guarda, podem relembrar como eram os cinemas de Manaus nos bons tempos do Cinemão e que o "progresso" em prol da modernidade/lucro comercial fez com se acabasse.
    Mas hoje o cinema em Manaus, sem aquela magia de antigamente, continua "vivo" em salas confortáveis dos shoppings, com novas tecnologias de som e imagem, etc.
    T H E E N D

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  2. Eu me lembro que cheguei assistir a estreia do filme " O grande Dragão Branco " no Cine Teatro Guarani fica lá próximo ao prédio do antigo HPM Hospital da Policia militar do amazonas.

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