CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

segunda-feira, outubro 04, 2021

DOIS EXCEPCIONAIS LUIZ

 Inicio pelo Bacellar, autor do livro de poemas Quatro Movimentos, (em outra edição foi intitulado de Quatuor), cujo trabalho gráfico coube a Artenova (Rio). Nesta edição, com capa de Van Pereira, a Apresentação competiu ao outro Luiz... Ruas promove autêntica aula, datada de agosto de 1975. Sem comentários: melhor é sua leitura.



 

APRESENTAÇÃO

 

Não raros foram os grandes mestres da música que, forçados pelas circunstâncias, tiveram de recorrer a textos de poetas médios ou mesmo medíocres para, sobre esses desfigurados e empalidecidos textos, compor as suas obras extraordinárias. E só o conseguiram devido à força dos seus gênios. Poucos foram aqueles que, como um Debussy, tiveram a sorte de encontrar um L'Après Midi d'un Faune.

O poeta Luiz Bacellar nos oferece um novo livro de poemas titulado Quatro Movimentos e tem como subtítulo "Sonata em si bemol menor para quarteto de sopro".

Digo que um alegre sobressalto de mim se apossou, à medida em que avançava na leitura dos poemas enfeixados em Quatro Movimentos e uma pergunta me alvoroçou o espírito e me perseguiu durante as leituras que fiz do livro: o que está acontecendo? Verlaine, Rimbaud, Baudelaire estão de volta? (...)

Neste sentido é que em toda a poesia simbolista encontramos uma presença do obscuro, do indizível, do ilógico ou, melhor, do alógico que se manifesta, principalmente, em duas atitudes comuns a todo poeta simbolista (repito que não me refiro aqui a simbolismo no sentido puro e simples de "escola" que já passou, que não tem mais sentido de existir, mas no sentido de "tendência" do espírito humano): a loucura ou a religiosidade.

Quando Paul Claudel chamava Rimbaud de "místico em estado selvagem" afirmava de maneira lapidar o que estamos querendo dizer. Sabemos que o simbolismo foi, antes de tudo, um movimento de revolta contra o naturalismo de um Flaubert, de um Zola, de um Maupassant e, em poesia, uma revolta contra o parnasianismo de Leconte de Lisle, de um Sully-Prudhomme, de um François Coppée, de um Heredia.

O aparecimento de Les Fleurs du Mal, em 1857, é, sem dúvida, o ponto de partida definitivo da rebelião literária contra as escolas que se deixaram dirigir pelas filosofias racionalistas e mecanicistas que arrancavam do mundo e da existência todo e qualquer significado de transcendência.

Por este motivo é que Claudel dizia que devia tudo a Rimbaud e que fora ele que o salvara "do inferno e da Universidade". É essa busca do mistério, da fuga de uma realidade imanentista, sem qualquer tipo de transcendência, que se revela na linguagem poética dos simbolistas de todos os tempos.

Santo Agostinho afirmava que toda vez que nos aproximamos da realidade misterial, a palavra perde toda sua força, torna-se incapaz de traduzir a experiência interna que é essencialmente intuitiva e a alma abandona a palavra e recorre ao canto, à música. Daí a musicalidade ter sido, ao lado da religiosidade, do mistério, do obscuro, da magia, da loucura, uma das características essenciais da linguagem simbolista. Eles não queriam dizer a coisa, as coisas, a realidade, mas, apenas, sugeri-la.

Aí está o livro de Luiz Bacellar. De todos os poetas que conheço, aqui do Amazonas, nenhum tem mais sentido do mistério do que ele. Os seus poemas de Quatro Movimentos, já são em si mesmos pura musicalidade. Não vamos nos deter, agora, em uma análise mais detalhada da obra.

Afirmo, porém, uma coisa: qualquer grande mestre da música sentir-se-ia feliz em ter em mãos estes poemas. E acrescento que os poemas, feitos para serem musicados, são de uma tal riqueza musical que até mesmo um músico medíocre seria capaz de arrancar deles a mais bela sonata em si bemol menor para quarteto de sopro.

Dedicatória a D. Carmen Marinho,
esposa de Jauary Marinho, Reitor da Ufam 


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