Mário Ypiranga |
Lastimoso que as
palavras do finado Mário Ypiranga tenham sido lançadas ao vento: em nossos
dias, o administrador e outros “puxas” embirram para que seu venerável nome
substitua a designação da secular rua Recife, assim como, Calderaro em substituição
a rua Paraíba, quando se sabe que cada uma dessas “existe de segres”.
Caveira de
Burro
Jornal do
Commercio, 15
de junho de 1975
Para quem como
eu familiarizou-se com a história pitoresca
das ruas de Manaus (Roteiro Histórico de
Manaus, 1969), a alusão e a crítica a certas incongruências não mais
admira.
Certa feita um
matutino trouxe observação oportuna do
edil Damião Ribeiro à
anarquia reinante na
nomenclatura de certas ruas. O fato não
é novo, certamente, mas acreditamos
que depois de
1930 para cá a confusão se generalizou
de tal maneira que ruas de Manaus existem de que não mais se sabe o nome real, à carência de placas elucidativas. As placas modernas sempre foram um problema
pela estupidez com que foram organizadas, sem histórico.
Por exemplo, aquele vereador fazia referência às ruas, trechos da de Belém (rua de Marciano Armond); de Leonardo Malcher (de Governador Bacelar); beco
da Paciência (rua Universal); bairro da Raiz (de Santo Agostinho); rua de Nhamundá
(de Barbosa Rodrigues) e rua de Japurá (do
Professor Rayol).
Ponte Cônego Plácido, que liga Educandos ao centro |
Assim, Santo
Agostinho da Raiz (ah! o velho
igarapé da Raiz onde tomei muito banho)
ficaria tão bom como São
Geraldo dos Bilhares, sem que ninguém viesse a especular se São Geraldo era
dado às caraboias (sic) ou o venerável
Santo Agostinho, a quem sempre leio e admiro
pela coragem de confessar-se publicamente,
tivesse tomado algum banho no local ou tomado
chá-de-raiz.
Me assustam esses criadores de situações novas e difíceis para a história
da cidade. A bagunça é tal para os lados da Prefeitura
e tal a carência de espírito
nacionalista, que até estrangeiros a quem nada devemos e que nem sabem se
Manaus existe, frequentam a onomástica
urbana numa concorrência aos bons filhos da terra ou a brasileiros outros que aqui pelejaram e a quem se vem cometendo injustiças clamorosas com o esquecimento. Cândido é quem chamou de Kennedy e Roosevelt a rua e praça da
cidade, apunhalando pelas costas a história nossa.
Quando é que se vai colocar um paradeiro a esse quadro negativo? Quando é que vai aparecer alguém que tome a pelo endireitar essa casa de Orates? Das
plantas de Manaus então nem se fala! É
aquela garapa! Nomes adulterados, nomes incompletos,
nomes ilegíveis, nomes em duplicata,
triplicata, quadriplicata, um inferno para o historiador, para o serviço
postal, para todo mundo.
Outro dia houve um desaguisado a respeito do nome a ser dado à ponte nova
sobre o igarapé da Cachoeirinha de Manaus, mais conhecido por igarapé dos Educandos. Concorrentes póstumos foram o Cônego Plácido, o meu bom e querido amigo Cônego
Plácido, amazonense que dizia haver dinamizado o bairro de Constantinópolis, embora em prejuízo da memória do Dr. Jacques de Sousa Lima, o
verdadeiro dinamizador daquele trecho com João Brígido; e o meu caro companheiro de escotismo Ramayana de
Chevalier.
Candidatos fortes e bem apadrinhados, não há que ver, e todos merecedores de homenagem dessa natureza. Mas
parece que os padrinhos se esqueceram de duas coisas: primeiro que existe na Prefeitura de Manaus um projeto
muito antigo para a construção
daquela ponte, como também para a
ponte sobre o igarapé do Teiu, dito de
São Raimundo Nonato; segundo, há uma lei federal não revogada, proibindo em todo o território nacional duplicidade de nomenclaturas, toponímias de caráter público.
Se a coisa for pra-valer, o falecido Rama [Ramayana de Chevalier] perderá, pois já foi contemplado em vida com uma rua. E se a nossa colenda Câmara levar a sério o trabalho de revisão dos nomes de ruas,
praças, jardins etc., seu Getúlio [Vargas] e outros nababos vão ficar no singular, dando a vez para a memorização
de gente a quem o Amazonas deve e muito.
Isto porque em Manaus o que mais ocorre é essa indisciplina. Apesar de que me estafei para
escrever a histórias das ruas e demais logradouros públicos desta minha leal cidade, não há uma simpatia pela ordem
neste sujeito. Rua Paraíba, 1970, em direção ao Parque Dez |
Quando é que se pretende acabar com essa anarquia? Bairro Alvorada existem dois! Mas eu creio que o pior problema é o da avenida de Constantino Nery. Na realidade não deveria existir nem este nem o nome João Coelho. A avenida, estrada antigamente, de Epaminondas, para homenagear aquele presidente dinâmico que a mandou rasgar até para além de Flores, isto é, naquele tempo até o bairro da Cachoeira Grande, chamado também de Flores. Esclarecemos que já existe uma homenagem a Constantino Nery, em Constantinópolis, embora este houvesse mandado ampliar a estrada de Epaminondas.
Avenida Constantino Nery, em 1970 (acima) e 2003. |
O fato mais
ridículo que se conhece e que diz respeito à carência
de cultura de certos administradores aconteceu no governo Arthur Reis [1964-67]: ele exigiu que algumas ruas dos
bairros de São Francisco-Petrópolis
recebessem nomes de presidentes da província. Foi o suficiente para que
a colônia dos “puxas” destrambelhasse e
andasse catando nomes aí, atordoada e inepta. O resultado é que um cidadão
cujo nome completo já estava
honrado, aparece noutra rua com
a abreviatura! Duas ruas com
um mesmo nome porque o raio do pesquisador não dava às gatas, sem saber como
descascar o abacaxi.
E as plantas de Manaus? A melhorzinha dos últimos anos é a traçada pelo meu mano, Dr. Aluizio Brasil, não fosse prejudicada pela má leitura de certas ruas. A última, que
se apregoa trabalho aerofotogramétrico deixa muito a desejar. E a coisa não para, não se resolve nada, enquanto muito se
fala em projetos de urbanismo, alguns tão velhos que já caducaram pela novidade.
Prega-se a urbanização da
cidade e todos os dias registro o vandalismo
da canalha contra a paisagem, o fogo devorando árvores de sombras e até de frutos. Não há uma lei proibitiva do corte de
árvores! Mete-se o machado à revelia e
vem falar-se patrioticamente em Dia da Árvore!
Todos os dias surgem cochichos, numa proliferação de cogumelos. Até em frente do Palácio Rio Negro! Ameaça à saúde pública, ameaça aos nossos foros
de civilizados. O historiador que cuida do processo histórico da cidade, vê,
anota e arquiva.
Manaus cresce em sentido vertical, mas as plantas residenciais continuam naquele asfixiante três por três; a vidraçaria continua sendo implantada por arquitetos que só entendem de arquitetura e não de climatologia; trágico desafio ao prolongamento da
existência numa cidade chantada em área de baixa pressão, escassas possibilidades de ventilação, forno do futuro. Os flutuantes começam de aparecer nos igarapés centrais numa imitação suburrana.
Manaus cresce em sentido vertical, mas as plantas residenciais continuam naquele asfixiante três por três; a vidraçaria continua sendo implantada por arquitetos que só entendem de arquitetura e não de climatologia; trágico desafio ao prolongamento da
existência numa cidade chantada em área de baixa pressão, escassas possibilidades de ventilação, forno do futuro. Os flutuantes começam de aparecer nos igarapés centrais numa imitação suburrana.
Amanhã, quando a história ocupar-se desses maus administradores, aparecerá
quem se insurja, esquecidos eles de que os
homens públicos devem satisfações ao presente e que seus atos serão julgados
pela posteridade.
Nota: agradeço ao colecionador Ed Lincon a cessão deste recorte.
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