O FIM DE “O JORNAL”
(Minha pior reportagem)
Quando cheguei à redação do OJ levado pelo meu muito querido amigo Ulysses Paes de Azevedo Filho, em janeiro de 1965, lá encontrei Phelippe Daou, Milton Cordeiro, Irisaldo Godot, Heliandro Maia, Félix Valois, filho, Arnoldo Coimbra, Cornélio Álvaro Belmond, Corrêa Neto, Osires Silva, "dos que lembro imediatamente", jornalistas "de mãos cheias", que afirmavam e confirmavam a imagem de líder do jornal.
Mas os tempos mudaram. Com as saídas de Ulysses, Daou, Milton e outros "esteios" do jornal, Maria de Lourdes [Betina] ficou praticamente sozinha na direção e comandamento, que ela chamou totalmente para si. Era muita coisa para ela só.
Jornalistas Phelippe Daou (à esq.) e Almir Diniz entrevistam em Nova Olinda do Norte, para O Jornal, 1955 |
As dificuldades começaram a pesar e as soluções não resolviam. A redação e a oficina
foram esvaziando aos poucos. O material empregado prejudicava a impressão pelo
desgaste, à falta de reparos ou renovação. Os anúncios escasseavam, a tiragem
caía e o pagamento do pessoal atrasava mês a mês.
Os concorrentes revigoraram suas redações e oficinas, ingressando
no sistema de "off set". Enfim, o OJ perdeu o seu título de "líder da imprensa amazonense."
RÁPIDO REFLORESCIMENTO
Em 1972, o Grupo TAA entabulou negócio com a empresa, acertando uma sociedade. Os homens da cúpula chegaram "com todo gás" e começaram investindo alto. Renovavam-se as esperanças do pessoal. Ocorreu uma reestruturação geral. O Jornal refloresceu realmente. Foram contratados novos profissionais, adquirido novo material, a tiragem aumentou, os anunciantes voltaram e o pagamento da equipe foi normalizado.
Mas a empolgação durou pouco mais de um ano. O Grupo se
desfez e a direção retomou às mãos de Maria de Lourdes, que novamente se viu com
um pesado fardo às costas, sem forças para "aguentar a barra".
O que havia sido feito aos poucos foi sendo consumido.
Apenas se prolongava o que de pior estava para acontecer. O Diário da Tarde desapareceu de circulação.
O INPS [hoje INSS] cobrava uma vultosa dívida, acumulada através dos anos. Foi
feita a penhora de todos os bens.
O corpo redacional ficou reduzido a três elementos: o secretário,
o subsecretário e um repórter esportivo, que "faziam das tripas o
coração" para jogar o jornal na rua, e todos que labutam pelo material de que
dispunha. De dez linotipistas, restavam uns... seis e, das cinco máquinas
compositoras, às vezes só duas funcionavam, "uma, aliás, estava paralisada
há anos por falta de recuperação". Todos os setores ficaram sem chefe, encargo
imposto ao secretário de Redação, que se via maluco para resolver tanto problema.
Premiação da Corrida pedestre Archer Pinto, 1970 |
Para muitos, O Jornal
já não mais existia, antes que ele cerrasse suas portas. Havia desaparecido das
bancas há tempos, pois os poucos exemplares do dia eram destinados a assinantes,
a "todos órgãos oficiais" e a comprovante de publicidade.
UMA VOZ QUE CALOU
Começou a faltar o material indispensável à confecção do
jornal: o papel, o flan, o zinco, sem os quais era impossível fazê-lo circular.
Os fornecedores só entregavam o material
se se pagasse "na ficha". Uma coisa dolorosa!...
Era preciso, então, fazer alguma coisa. E o fizemos a duras penas. O papel era arranjado através de “tocos" de bobinas, que só dava para "quebrar o galho", salvando os anúncios. O flan foi substituído por um papelão grosseiro. A ilustração era feita com "clichês" antigos, desgastados pela frequente utilização, para tapar os buracos à falta de matérias na Redação.
Era preciso, então, fazer alguma coisa. E o fizemos a duras penas. O papel era arranjado através de “tocos" de bobinas, que só dava para "quebrar o galho", salvando os anúncios. O flan foi substituído por um papelão grosseiro. A ilustração era feita com "clichês" antigos, desgastados pela frequente utilização, para tapar os buracos à falta de matérias na Redação.
A situação era insustentável. O pagamento do pessoal era
feito através de "vales de lágrimas", "diziam os colegas",
que muitas vezes falhava, provocando a ira dos funcionários, muitos dos quais
faltavam ao trabalho. Foram tantos os domingos em que o jornal deixou de circular por causa
disso. Os anúncios que publicava eram de amigos que desejavam tão somente
ajudar de alguma forma.
Até que, no dia 14 de fevereiro do ano passado, às
vésperas de tanta alegria dos outros, o Carnaval, para nós nada mais restava a
fazer. Era o fim mesmo de tudo...
Nesse dia, a Companhia de Eletricidade cortou definitivamente o fornecimento de energia
elétrica à empresa. A máquina de prensagem estava quebrada e não havia jeito de
se adquirir o papel, nem a "tocos”, e o flan.
E O Jornal
calou a sua voz para sempre...
Texto
de Ajuricaba Almeida, A Crítica, 8
dezembro 1977.
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