CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

domingo, maio 17, 2020

OS FILHOS DE FRANCISCA


Francisca

Neste domingo, junto-me ao Henrique e ao Renato para comemorarmos o Dia da nossa Mãe, dona Francisca Pereira Lima (1918-52). 

 Domingo passado foi o Dia das Mães, quando postei minha comovida impressão, ainda que ilustrando a postagem com um literato e um poema.

Coube ao mais novo esta iniciativa, lembrança que ele traduziu em uma Carta à saudosa mãe. Apenas um detalhe para melhor compreensão da missiva: ele nasceu um ano antes da morte de nossa mãe, entretanto, nesse período ela pelejou pela saúde própria com as forças que a medicina possibilitava. Desse modo, Renato não teve o aconchego de dona Francisca. 

  
CARTA À DONA FRANCISCA


Renato
Fui visitado por um anjo num sonho, um anjo mesmo: de asas, roupa branca e auréola suspensa na cabeça. Pediu-me para escrever uma carta, para alguém em especial, numa data especial. Emprestou-me mãos de menino para escrever e ficou esperando para portá-la; busquei no baú da memória do menino, enquanto ele esperava. Feliz, mas desconcertado, pensei na destinatária:

Querida Francisca,
Espero que estas mal traçadas linhas possam lhe encontrar com saúde... com saúde espiritual. Enquanto eu e meus irmãos, estamos bem, levando a vida como Deus quer.Meu pai, infelizmente para nós e felizmente para você, deixou a nossa companhia por aqui e foi pra aí. Tanto tempo sem se falar, acabei por deixá-la com poucas notícias. Depois que você foi embora, naquele fatídico dia 18 de julho, eu fiquei chorando. Foi um choro de fome, sobretudo. Tudo ficou indefinido na minha vida, eu não sabia como ia fazer para mamar... Mas, sou testemunha, meu pai providenciou tudo e não me abandonou nem a mim, nem meus irmãos. Aliás, sobre isso queria lhe falar: meu pai cumpriu o que vocês combinaram, ele não nos abandonou em nenhum momento.Queria até lhe contar um caso engraçado, mãe. Quando eu tinha cinco anos, ele me levou alguns dias para “fazer a praça”, na boleia do caminhão. Ah, ele trabalhava como representante pracista de vendas de biscoitos e bolachas. E teve um dia, que eu estava com fome, e, sem que ele visse, comi todas as amostras de biscoitos. Quando ele foi mostrar ao comerciante o novo modelo de biscoito que a panificadora produzia, não tinha nenhum. Ele até perdeu a venda, mas não ficou chateado, não.
Outra coisa: ele gostava de me levar para tomar sopa. Ele almoçava sopa, eu também. Só que eu pedia dois pratos, e ficava empanzinado. Foi um tempo muito bom. Às vezes, ele me deixava na casa da tia Raimunda, sua irmã mais velha. Ela cuidava de mim, mas alguma vez eu a deixava irritada, e aí, ela não tinha paciência. Outras vezes, ficava com minha avó, vovó Vitória, lembra dela? Você lembra, sim. Vocês conviveram em Manaus e no Rio. E, por falar nisso, mãe. Por que o casal, estando em Iquitos (Peru), voltou para o Brasil? Se tivesse permanecido, o Roberto teria nascido lá, e seria um peruano. E o destino seria outro... Quando você responder, me tira essa dúvida, tá?
Formatura, Iquitos Peru

Ah, outra coisa: o Antônio não gosta de ser chamado de Antônio, prefere o Henrique. E, por falar nisso, quem escolheu o Antonio, foi meu pai? Vou esperar você me dizer, mas tenho quase certeza que foi ele... ele gostava de olhar na folhinha, não era? E no meu caso, mãe, quem escolheu o Renato? Acho que foi você! Essa charada eu matei: foi você. Só pode! Meu pai viu na folhinha o dia de São Pedro e São Paulo. Você não ficou com medo de ele escolher “Pedro Paulo”? Tem muita gente por aqui com esse nome duplo... Bem, mãe, ainda tenho muitas curiosidades, muitas dúvidas para esclarecer. Ainda sobre o Roberto, quem escolheu o Manoel? Foi meu pai? Acho que ele queria se homenagear, mas também desconfio que foi a folhinha.
Mãe, você tem muitas perguntas pra responder. Vou te deixar em paz, para pensar. Vou aproveitar para lhe atualizar de notícias. Seus irmãos já estão todos aí com você, assim como a avó Vitória. E por falar nela, você a encontrou por aí? Outra coisa, mãe, aqui estamos vivendo uma pandemia. Você passou por isso, quando tinha um ano, até três talvez. Dizem que demorou muito, mas você nem se lembra... Sua mãe, Adelaide, deve ter lhe contado sobre isso. Se você lembrar, diz como nós podemos nos proteger. Nos ensina esse caminho.
Todavia, o que queremos mesmo é sua proteção espiritual, mãe. Fala aí com o Senhor, ele pode acabar com isso, o vírus está matando muita gente boa, velhos e moços.Beijos, mãe. Parabéns para você, nesta data, querida!
Renato


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