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quarta-feira, maio 13, 2020

EUCLIDES DA CUNHA EM MANAUS


Sobre Euclides da Cunha, em sua passagem por Manaus e fronteiras amazônicas, compartilho o artigo do falecido historiador Geraldo de Macedo Pinheiro, incluso na Revista da UBE/AM, maio de 1983. Efetuei a correção ortográfica e expus entre parênteses algumas correções, pois a revisão do magazine não foi adequada.








Geraldo de Macedo Pinheiro, jurista, ensaísta, pesquisador e historiador, pertence à União Brasileira de Escritores do Amazonas, ao Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Suas publicações, apesar de esparsa, já ultrapassaram as fronteiras do Brasil. Teto várias obras para encaminhar à editora. Em seu trabalho reflete a sobriedade, a verdade e o rigor histórico.


Manaus para Euclides não passava de “uma cidade de dez anos sobre uma tapera de dois séculos.” Realmente quando ele chegou à capital do Amazonas, viu-a transformada “na metrópole da maior navegação fluvial da América do Sul”. Vinha presidindo uma comissão de limites, por indicação do barão do Rio Branco, nomeado a 9 de agosto de 1904. E de lá anuncia a Luís Cruls a sua próxima partida para Manaus.
O Peru discutia as suas fronteiras com a Bolívia, e o Brasil, embora alheio à contenda, mostrava-se vigilante. Em menos de um mês, fora assinado um acordo estabelecendo um modus vivendi nos rios do Alto Juruá e Alto Purus. Euclides chefiaria a missão de reconhecimento deste último rio.
Foram seus companheiros de viagem: os engenheiros Arnaldo Pimenta da Cunha, seu primo, e Silva Lima; o tenente Ângelo Mendes; o dr. Tomas Catunda; os alferes Fernando Lemos e Antônio Cavalcante e mais Egas Florence e R. Nunes. O navio aporta em Manaus no penúltimo dia do ano de 1904. Antes de pisar a capital amazonense, ainda a bordo, escreve a seu pai, Manoel Rodrigues Pimenta da Cunha, temeroso de perder a mala postal.
Fala nas atenções recebidas em Belém do Senador Lemos – o Eduardo Ribeiro paraense – e dos rapazes de talento e sobre o êxito alcançado pelo seu livro – Os Sertões. E acrescenta: “Nada lhe diria sobre o Amazonas”.
Não há notícia de ter recebido em Manaus qualquer recepção festiva. Compreende-se... Utilizamos a expressão de Alberto Rangel: “As roupas de Euclides desconheciam os recortes da tesoura de Pool...” Pensa demorar-se apenas pouco mais de um mês, devido a desarranjos nas lanchas da missão peruana. Sua estada, porém, foi dilatada por três longos anos (sic).
Isola-se no bairro hoje conhecido por Adrianópolis, numa casinhola, que “sobranceava o mar de frondes e o algodoal de névoas” (Rangel). Na cidade somente procura um ponto – os Correios, onde deposita carta e mais cartas e parentes, intelectuais e amigos.
Entre as primeiras missivas do ano novo de 1905, duas são endereçadas a Afonso Arinos e a José Veríssimo. A este reclama o calor de 30° à sombra – dizendo o seguinte: “quem resiste a tal clima tem nos músculos da elástica firmeza das fibras dos buritis e nas artérias o sangue frio das sucuruiubas”. E adianta: “Levo – nesta Meca tumultuária dos seringueiros – vida perturbada e fatigante”. E escreve sonetos.
Em março envia longa carta a Machado de Assis, avisando-lhe que havia remetido os votos para vagas ocorridas na Academia de Letras: Souza Bandeira para a de Martins Júnior e para a vaga de José do Patrocínio dois nomes, o do poeta Vicente de Carvalho e o do escritor Heráclito Graça. E confessa o seu mal-estar: “não posso contar as preocupações que me lavram o espírito”.
Coelho Neto, outro grande amigo e confrade da Academia, distinguindo com várias epístolas. Quando Euclides veio a falecer foi o primeiro a se lembrar da sua passagem em Manaus, exibindo a um dos jornais do Rio de Janeiro a preciosa correspondência declarando, em sua entrevista: “São trechos de uma grande existência de poucos anos”.
Dirige-se também a Alberto Rangel, desta vez para participar a sua ida para o Acre, com a frota de duas lanchas, um batelão e seis canoas, ancorada no igarapé de São Raimundo. Não se esquece do Rio Negro: “Nunca imaginei que este rio morto, escondesse, traiçoeiramente, ondas tão desabridas”. Vale dizer que a expressão “rio morto”, dada ao Negro, é bem antiga em nossa bibliografia, figurando no livro de viagem do casal Agassiz e repontando na carta de Euclides por lhe ser familiar a literatura estrangeira sobre o Amazonas. A 5 de abril parte para as nascentes do Purus. Chega a 15 de maio em Boca do Acre, e a 25, na foz do Chandless. A 3 de junho no Curanja, rio fronteiriço, verifica-se o episódio do seu simbólico protesto contra a ausência da bandeira brasileira.

Tremendamente nervoso, deveria ter sentido, nessa viagem, os mais fortes choques. E alucinações visuais e auditivas, tal era a solidão. Depois de trinta anos, recorda um dos seus companheiros:  Euclides, após as observações astronômicas, “ouvia e via, à noite”... um vulto de mulher, nada amorosa, porém, muito sublime, a chamá-lo. Apresentava-se vestida elegantemente tendo na cabeça uma espécie de barrete, a semelhança da figura com que simbolizamos a República, a dizer-lhe sempre: Olhe!.
As impressões e apontamentos da sua viagem podem ser lidos nos livros A margem da história e Contrastes e confrontos. Sendo que os resultados técnicos dos seus estudos estão enfeixados no Relatório apresentado ao Itamarati e na sua obra Peru versus Bolívia. Em 23 de outubro [1905] regressa a Manaus, onde, dias depois, publica um relato da expedição para o público amazonense nas páginas do Jornal do Commercio, documento que vem a ser mais tarde estampado em vários órgãos cariocas.

Em dezembro, finalmente, encerra a sua missão oficial no Amazonas. Lavrada a ata de encerramento dos trabalhos, deixa a nossa cidade. A Amazônia continuou, porém, a preocupar-lhe o espírito. Querem a sua volta. Oferecem-lhe os cargos de prefeito do Acre e de inspetor da Madeira-Mamoré. Rejeita a ambos, pois estava empenhado em escrever outro livro-vingança, do porte de Os Sertões, sua obra imortal.
Quando se aproxima tragicamente a morte, Euclides se ocupava em dar aumentos (sic) de Lógica e em rever as provas tipográficas de seu livro póstumo – A margem da História –, editado em Portugal, onde se encontram as mais cores expressivas páginas escritas sobre o Amazonas.

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