Um crime já cinquentenário mal explicado e três personagens: Sebastião Lustosa Brasil, vulgo “padre”, o morto; Mudinho que, ainda que mudo, falou, e o poeta Paula e Souza que, sem dúvida, poetizou.
Manchete de O Jornal, 19 outubro 1969 |
O “padre” foi meu contemporâneo no Seminário São
José, sendo ele mais novo. Era um jovem espontâneo, simpático e bem-falante,
simpatizante do comunismo cubano no início dos anos 1960. Credo não muito
católico naquele período, ainda mais na casa de padres e no Governo dos
Generais. Também flertava com a droga ilícita, outro grave pecado.
Junto ao Pavilhão São Jorge, cognominado Café do Pina, ao final de tarde, funcionava uma
venda de cachorro-quente, pertencente ao Mudinho. Apesar de, ou em razão dessa
deficiência, o jovem surdo-mudo era benquisto pela vasta freguesia do local.
Fartei-me bastante nesse ponto com essa gororoba, até me recordo que o cachorro do Mudinho era preparado com picadinho (carne moída, para os não
iniciados), ao invés de salsicha e, entre poucos ingredientes, bastante feijão-de-metro.
Era servido no pão pequeno, em nossos dias francês, e, ao gosto do freguês, temperado
com pimenta regional.
Enfim,
o poeta, por óbvio do Clube da Madrugada, Paula e Souza.
O caso policial
Sebastião
Lustosa e os remanescentes seminaristas deixaram o prédio da rua Emilio Moreira
ao final de 1967, com o fechamento do Seminário. Cada qual seguiu sua
“vocação”. Pouco mais de um ano depois, em 10 de março de 1969, portanto, às
vésperas do cinquentenário, o corpo do “padre” foi encontrado abandonado em um
varadouro da estrada Manaus-Itacoatiara (AM-1, hoje AM-010). Por esse detalhe,
ficou conhecido e divulgado pela imprensa como o “Crime do Varadouro”.
A
Polícia para esclarecer o assassinato, atestou o envolvimento do falecido com
drogas que, em decorrência desse insidioso caminho, foi morto. O suspeito,
também envolvido com drogas, era o primo do morto Luiz Carlos Souza Leão, que
foi preso e recolhido à Penitenciária.
O crime parecia estar esclarecido: o morto
sepultado e o matador na Detenção, quando o Mudinho “falou”. E, “falando”,
complicou. Entre trejeitos próprios da deficiência deu a entender que o morto
havia saboreado um cachorro-quente em sua banca, dois dias depois de trucidado.
Acrescentando que o fizera com bastante pimenta. Essa revelação mítica foi
decifrada por um frequentador daquele espaço gastronômico.
Pavilhão São Jorge, ou do Pina, nos anos 1970 |
Tornada pública, ensejou duas medidas: uma, da
autoridade policial, que convocou o Mudinho para depor; a segunda, da defesa do
acusado (Dr. Olavo Faria), que requereu exumação cadavérica da vítima. Esta foi
realizada sob a orientação do Dr. Hosanah Silva, médico-perito do DESP
(Delegacia Especializada de Segurança Pública), assistência do juiz Asclepiades
Eudóxio e demais peritos convocados. Resultado: aberta a sepultura, lá estavam
os restos mortais do mal-aventurado jovem.
Nesse interim, o acusado fora posto em liberdade,
mas eis que numa noite de libertinagem, no bairro de Educandos (então a meca da
esbornia), foi apanhado com drogas. Apresentado ao escrivão de plantão, foi
autuado e recolhido de volta ao presídio da Sete de Setembro.
A convocação do Mudinho ensejou à autoridade uma
providência inusitada, a requisição de um especialista em, digamos hoje,
Libras. Na época, o valimento era socorrer-se do Instituto Montesoriano,
dirigido pelo Dr. André Araújo, que cuidava de surdos-mudos, existente na então
rua Paraíba.
Sobre o poeta, contarei na segunda parte desta
postagem. (segue)
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