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sexta-feira, julho 26, 2019

CRIME QUE ABALOU A REPÚBLICA DO PINA


 Um crime já cinquentenário mal explicado e três personagens: Sebastião Lustosa Brasil, vulgo “padre”, o morto; Mudinho que, ainda que mudo, falou, e o poeta Paula e Souza que, sem dúvida, poetizou. 


Manchete de O Jornal, 19 outubro 1969

O “padre” foi meu contemporâneo no Seminário São José, sendo ele mais novo. Era um jovem espontâneo, simpático e bem-falante, simpatizante do comunismo cubano no início dos anos 1960. Credo não muito católico naquele período, ainda mais na casa de padres e no Governo dos Generais. Também flertava com a droga ilícita, outro grave pecado.

Junto ao Pavilhão São Jorge, cognominado Café do Pina, ao final de tarde, funcionava uma venda de cachorro-quente, pertencente ao Mudinho. Apesar de, ou em razão dessa deficiência, o jovem surdo-mudo era benquisto pela vasta freguesia do local. Fartei-me bastante nesse ponto com essa gororoba, até me recordo que o cachorro do Mudinho era preparado com picadinho (carne moída, para os não iniciados), ao invés de salsicha e, entre poucos ingredientes, bastante feijão-de-metro. Era servido no pão pequeno, em nossos dias francês, e, ao gosto do freguês, temperado com pimenta regional.

Enfim, o poeta, por óbvio do Clube da Madrugada, Paula e Souza.

O caso policial
Sebastião Lustosa e os remanescentes seminaristas deixaram o prédio da rua Emilio Moreira ao final de 1967, com o fechamento do Seminário. Cada qual seguiu sua “vocação”. Pouco mais de um ano depois, em 10 de março de 1969, portanto, às vésperas do cinquentenário, o corpo do “padre” foi encontrado abandonado em um varadouro da estrada Manaus-Itacoatiara (AM-1, hoje AM-010). Por esse detalhe, ficou conhecido e divulgado pela imprensa como o “Crime do Varadouro”.
A Polícia para esclarecer o assassinato, atestou o envolvimento do falecido com drogas que, em decorrência desse insidioso caminho, foi morto. O suspeito, também envolvido com drogas, era o primo do morto Luiz Carlos Souza Leão, que foi preso e recolhido à Penitenciária.
O crime parecia estar esclarecido: o morto sepultado e o matador na Detenção, quando o Mudinho “falou”. E, “falando”, complicou. Entre trejeitos próprios da deficiência deu a entender que o morto havia saboreado um cachorro-quente em sua banca, dois dias depois de trucidado. Acrescentando que o fizera com bastante pimenta. Essa revelação mítica foi decifrada por um frequentador daquele espaço gastronômico. 
Pavilhão São Jorge, ou do Pina, nos anos 1970
Tornada pública, ensejou duas medidas: uma, da autoridade policial, que convocou o Mudinho para depor; a segunda, da defesa do acusado (Dr. Olavo Faria), que requereu exumação cadavérica da vítima. Esta foi realizada sob a orientação do Dr. Hosanah Silva, médico-perito do DESP (Delegacia Especializada de Segurança Pública), assistência do juiz Asclepiades Eudóxio e demais peritos convocados. Resultado: aberta a sepultura, lá estavam os restos mortais do mal-aventurado jovem.
Nesse interim, o acusado fora posto em liberdade, mas eis que numa noite de libertinagem, no bairro de Educandos (então a meca da esbornia), foi apanhado com drogas. Apresentado ao escrivão de plantão, foi autuado e recolhido de volta ao presídio da Sete de Setembro.

A convocação do Mudinho ensejou à autoridade uma providência inusitada, a requisição de um especialista em, digamos hoje, Libras. Na época, o valimento era socorrer-se do Instituto Montesoriano, dirigido pelo Dr. André Araújo, que cuidava de surdos-mudos, existente na então rua Paraíba. 

Sobre o poeta, contarei na segunda parte desta postagem. (segue)

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