Um crime já cinquentenário mal explicado e três personagens: Sebastião Lustosa Brasil, vulgo “padre”, o morto; Mudinho, ainda que mudo, falou, e o poeta Paula e Souza que, sem dúvida, poetizou. Ainda não consegui a identificação deste trovador, por isso, retiro o que afirmei sobre sua participação no Clube da Madrugada. No post seguinte, falo do assassino.
A “República do Pina” foi uma homenagem ao
proprietário do Pavilhão São Jorge, apelidado de Café do Pina, instalado na lateral
do quartel da Polícia Militar.
O café estava situado na praça Gonçalves Dias,
componente da atual praça Heliodoro Balbi, no popular, da Polícia. A praça e o
café eram o ponto de referência do Clube da Madrugada e, em nossos dias, são meras
reminiscências dos mais idosos.
Diante do desapontamento com o testemunho do Mudinho,
que não teve quem interpretasse sua “linguagem” diante do magistrado, o poeta Paula
e Souza escreveu o poema seguinte:
Depoimento Público do Mudinho do Cachorro-Quente
da Praça Gonçalves Dias
Reúna o povo da praça /que o mudinho vai
falar:
no banco do lado esquerdo / tem o
poeta Bacellar;
o banco tem mil estórias / de muito
longo contar,
poeta Alexandre Otto / um dia vai
relatar.
A estátua do poeta / que o Clube
mandou fincar,
a lira jogando sons / tão difíceis de
captar.
Vem o professor Gonzaga / com mil
reservas de humor
descobrindo em noite clara / grande
disco-voador.
Tio Quelé e o Leão, / nobre figura de
foco
por sua aguda dicção, / tem o escudo
do “Naça”
tem coisas do coração, / tem amores
do Monassa
tem poemas pelo chão, / mas hoje tem
outra estória
do estudante Sebastião, / mais
conhecido por “Padre”
que foi morto sem razão, / e dois
dias depois de morto
apareceu de supetão / comeu um
cachorro quente
na barraca do Mudinho / com pimenta e
com limão.
O estudante fora morto / numa noite
suburbana,
o crime foi praticado / por uma
“gang” bacana
que se diz era de assalto / a bancos
e caixa forte,
coisas de crime e de morte / que o
poeta não entende.
O certo é que o dinheiro / roubado na
noite langue
era pra ser repartido / entre três
membros da “gang”.
Os autos estão confusos / chamaram o
mudo a depor,
na banca do “hot dog” / o mudo quase
falou.
Quando o poeta passava / descuidado,
no local,
ouviu o mudo em trejeitos / falando
por tal e qual;
correu mostrou ao poeta / a notícia
do jornal:
seus gestos eram contrários / a esse
fato formal.
Se o mudo conta a verdade / só quem
sabe é o Promotor,
são coisas desta cidade / são páginas
de desamor,
mas o poeta se lança / nos vagões da
claridade
na busca de novos sons / para o bem
da humanidade.
Senhores donos da praça / queiram bem
me desculpar,
tenho que falar de coisas / que se
falta registrar,
até mesmo estórias tredas / onde um
mudo vai falar,
mas deixo ainda um lembrete / ao dono
do Pavilhão,
não deixe o mudo sem luz / pois é
triste a escuridão,
e o mais triste de tudo é a gente /
não ter luz no coração.
Publicado em O Jornal, 28 outubro 1969
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