CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

sábado, julho 27, 2019

CRIME QUE ABALOU A REPÚBLICA DO PINA (3)



Um crime já cinquentenário mal explicado e três personagens: Sebastião Lustosa Brasil, vulgo “padre”, o morto; Mudinho, ainda que mudo, falou, e o poeta Paula e Souza que, sem dúvida, poetizou.  Ainda não consegui a identificação deste trovador, por isso, retiro o que afirmei sobre sua participação no Clube da Madrugada. No post seguinte, falo do assassino.


A “República do Pina” foi uma homenagem ao proprietário do Pavilhão São Jorge, apelidado de Café do Pina, instalado na lateral do quartel da Polícia Militar. 

O café estava situado na praça Gonçalves Dias, componente da atual praça Heliodoro Balbi, no popular, da Polícia. A praça e o café eram o ponto de referência do Clube da Madrugada e, em nossos dias, são meras reminiscências dos mais idosos.

Diante do desapontamento com o testemunho do Mudinho, que não teve quem interpretasse sua “linguagem” diante do magistrado, o poeta Paula e Souza escreveu o poema seguinte:

Depoimento Público do Mudinho do Cachorro-Quente
da Praça Gonçalves Dias


Reúna o povo da praça /que o mudinho vai falar:
no banco do lado esquerdo / tem o poeta Bacellar;
o banco tem mil estórias / de muito longo contar,
poeta Alexandre Otto / um dia vai relatar.
A estátua do poeta / que o Clube mandou fincar,
a lira jogando sons / tão difíceis de captar.
Vem o professor Gonzaga / com mil reservas de humor
descobrindo em noite clara / grande disco-voador.
Tio Quelé e o Leão, / nobre figura de foco
por sua aguda dicção, / tem o escudo do “Naça”
tem coisas do coração, / tem amores do Monassa
tem poemas pelo chão, / mas hoje tem outra estória
do estudante Sebastião, / mais conhecido por “Padre”
que foi morto sem razão, / e dois dias depois de morto
apareceu de supetão / comeu um cachorro quente
na barraca do Mudinho / com pimenta e com limão.
O estudante fora morto / numa noite suburbana,
o crime foi praticado / por uma “gang” bacana
que se diz era de assalto / a bancos e caixa forte,
coisas de crime e de morte / que o poeta não entende.
O certo é que o dinheiro / roubado na noite langue
era pra ser repartido / entre três membros da “gang”.
Os autos estão confusos / chamaram o mudo a depor,
na banca do “hot dog” / o mudo quase falou.
Quando o poeta passava / descuidado, no local,
ouviu o mudo em trejeitos / falando por tal e qual;
correu mostrou ao poeta / a notícia do jornal:
seus gestos eram contrários / a esse fato formal.
Se o mudo conta a verdade / só quem sabe é o Promotor,
são coisas desta cidade / são páginas de desamor,
mas o poeta se lança / nos vagões da claridade
na busca de novos sons / para o bem da humanidade.
Senhores donos da praça / queiram bem me desculpar,
tenho que falar de coisas / que se falta registrar,
até mesmo estórias tredas / onde um mudo vai falar,
mas deixo ainda um lembrete / ao dono do Pavilhão,
não deixe o mudo sem luz / pois é triste a escuridão,
e o mais triste de tudo é a gente / não ter luz no coração.

Publicado em O Jornal, 28 outubro 1969



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