CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quinta-feira, junho 13, 2019

CENTENÁRIO DE MANAUS (2)


Ontem, escrevi (http://catadordepapeis.blogspot.com/2019/06/centenario-de-manaus.html) sobre o engano jornalístico circulado no matutino A Gazeta, ao apreciar o monumento instalado na Praça da Matriz. Para consolidar minha apreciação, transcrevo o discurso do então deputado Paulo Nery, saudando o Centenário de Manaus, estampado em O Jornal (24 out. 1948)  

Recorte de O Jornal, 24 outubro 1948
  
Cumprindo o que prometemos ao nosso mundo ledor, damos publicidade, a seguir, do notável discurso proferido pelo deputado Paulo Pinto Nery, na sessão especial, realizada sexta-feira última na Assembleia Legislativa do Estado, discurso esse que foi lido, em nome da bancada udenista, majoritária no Legislativo Estadual. Eis o discurso: 

As páginas vivas da história, recordadas nesta semana de eloquente alegria e satisfação para quantos tiveram a ventura de aqui nascer, ou aqui empregar as suas atividades, oferece-nos passagens maravilhosas que bem dizem da grandiosidade de espírito e dos propósitos sadios e patrióticos dos nossos maiores.
Os colonizadores portugueses e espanhóis, sedentos pelas grandes conquistas, e sonhadores no desbravar os mundos lendários, voltaram as suas vistas para as terras selváticas, fabulosas e misteriosas, na esperança de satisfazerem as suas curiosidades, aumentarem os seus domínios com a anexação de novas faixas de terras, transportarem para as suas metrópoles as riquezas formidáveis, inesgotáveis e cobiçadas por todos.
A efetivação desta conquista foi feita a troco de vidas preciosas e sofrimentos indescritíveis, onde a coragem do homem foi posta à prova, face às intempéries da região, à ferocidade dos selvícolas, senhores absolutos da terra, à temibilidade das feras, às dificuldades de transportes, à ambição descomedida e sempre insaciável dos próprios companheiros de jornada.
Cada palmo de terra conquistada, recebia o sinete de sangue derramado por aqueles heróis desconhecidos, que impulsionados pela miragem de tudo vencer, de pigmeus insignificantes, transformavam-se em gigantes indomáveis, levando de roldão a quase invencibilidade da natureza agreste.
Lendas e mais lendas atravessavam as fronteiras do território ainda inexplorado, aumentando o entusiasmo e a ânsia de conquista de quantos ouviam falar no Eldorado e no País dos Omagua.

Arthur Reis, bacharel
O festejado historiador amazonense Arthur Cezar Ferreira Reis, nas páginas lapidares da sua História do Amazonas, apresenta-nos em cores emocionantes essas lendas: “Para o Oriente, como o país da canela, fora também do domínio incaico, reinava, um príncipe, El Dorado, cujas riquezas não eram possíveis medir. Os templos, os palácios, a pavimentação das ruas da cidade de Manoa, onde vivia, tudo nessa região encantada se construíra em ouro. Ouro puro, só ouro. O monarca, pelas manhãs, banhava-se num lago de águas perfumadas, sob as quais lançavam ouro em pó”. (...)

O certo, porém, é que a preocupação dominava os espíritos dos homens civilizados além-fronteiras, forçando-os a projetarem expedições, que de escalada em escalada, iam varando a selva densa que escondia as paragens buscadas,
plantando aqui e ali um povoado.
Com o transcorrer dos anos, com a vinda de novas expedições, com a catequese dos selvícolas, ora pela imposição da garrucha, ora pelos meios convincentes, com a organização de novas povoações, com a implantação nestas regiões de uma civilização com caraterísticas já definidas, a história, afinal, oferece-nos o quadro soberbo da Assembleia Provincial Paraense, votando a Lei nº 147, de 24 de outubro de 1848, que eleva a Vila de Manaus a cidade, com o nome de cidade da Barra do Rio Negro.
Descrever os pormenores do evoluir daquela Vila, com foros de cidade, por força legal, gravando em páginas resplandecentes de heroísmo e de trabalho os nomes de todos aqueles que como chefes ou como parcelas ínfimas de urna coletividade, que presentearam-nas esta encantadora e risonha Manaus, seria empresa ciclópica, privilégio dos espíritos amadurecidos no manusear cotidiano os documentos que a História nos legou, e não para um espírito curioso, como o do orador que vos fala, que só agradecimentos tem para com o Grande Deus por lhe ter dado como pátria essa terra abençoada e dadivosa.
Todavia, o que não nos foge à imaginação, é a imprecisão das primeiras linhas urbânicas (sic), a insignificante e disseminada população, o mando absoluto como lei suprema, o trabalho forçado e escravo do nativo, a ganância como bússola de todos os sentimentos. (...)

Como todas as grandes cidades, Manaus teve os seus dias de apogeu. Agigantou-se na senda do progresso às suas demais irmãs da Federação. Começaram os traçados das grandes avenidas. As construções dos edifícios suntuosos, que tanto nos orgulhecem. A organização do porto fluvial, que é admiração para todos aqueles que aqui aportam pela primeira vez. O aterramento dos igarapés. As ligações dos bairros pelas pontes metálicas. A instalação de luz elétrica e água encanada. A inauguração dos serviços de bondes elétricos. O pronunciamento de uma vida comercial movimentada e irrequieta, atraindo as atenções dos brasileiros e estrangeiros, que impulsionados pelas ideias de lucros fabulosos e fáceis, transportavam-se em massa para a nossa capital, tornando-a o centro das grandes transações, colocando numa situação privilegiada a sua balança econômico-financeira, onde o Ouro Negro, como majestade, era rendado por todos.

Aquela minúscula cidadela, pontilhada de barracas e tapiris, de que um momento para o outro, como num sonho maravilhoso de mil e uma noites, transformou se numa capital elegante, exuberante de alegria, onde os salões e os teatros, as ruas e os cabarés, feericamente iluminados, acolhiam prazerosamente uma população feliz e despreocupada, que dava expansão a uma prodigalidade sem medida, numa demonstração edificante de riqueza e abundância.

Num trabalho ritmado e coordenado, os seus administradores iam imprimindo um cunho de grande metrópole a esta capital que tanto nos envaidece. Figuras de homens públicos exalçaram-se as cumeadas mais elevadas do dever de bem cumprir a árdua e delicada missão de que se achavam investidas. Exemplos marcantes nos foram deixados.
Encobrir, porém, os inúmeros colapsos de que fomos vítimas, seria crime imperdoável. Tivemos momentos de verdadeiro estado pré-agônica. Manaus, como um moribundo apelava para todos os recursos. Anêmica e depauperada, moral e financeiramente, sentia faltar-lhe as últimas forças. O espetro da desmoralização administrativa, sobrevoava como um corvo os nossos céus. Manaus, de decadência em decadência, despida dos dias festivos de grandeza e pompa, quedava-se abandonada e triste à margem do grande rio Negro. (...)

Para glória de Manaus e contentamento de todos que aqui mourejam, vemos que a sua trajetória ao alcançar o seu centenário, indica-nos uma curvatura ascensional, prometendo-nos que em dias não muito longe readquirirá, por justo título, o seu galardão de “Cidade Risonha”.

A União Democrática Nacional, com a responsabilidade que lhe é inerente na atual administração, sente-se no dever irrestrito de envidar todos os esforços no sentido de reafirmar os seus propósitos de em cumprir a sua finalidade de partido político genuinamente democrático e progressista, transformando a nossa Manaus na CATEDRAL AMAZÔNICA, de onde irradiarão beleza, opulência e hospitalidade.
Salve Manaus.



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