Ontem, escrevi (http://catadordepapeis.blogspot.com/2019/06/centenario-de-manaus.html)
sobre o engano jornalístico circulado no matutino A Gazeta, ao apreciar o
monumento instalado na Praça da Matriz. Para consolidar minha apreciação, transcrevo
o discurso do então deputado Paulo Nery, saudando o Centenário de Manaus,
estampado em O Jornal (24 out. 1948)
Recorte de O Jornal, 24 outubro 1948 |
Cumprindo o que prometemos ao nosso mundo
ledor, damos publicidade, a seguir, do notável discurso proferido pelo deputado
Paulo Pinto Nery, na sessão especial, realizada sexta-feira última na Assembleia
Legislativa do Estado, discurso esse que foi lido, em nome da bancada udenista,
majoritária no Legislativo Estadual. Eis o discurso:
As páginas vivas da história, recordadas
nesta semana de eloquente alegria e satisfação para quantos tiveram a ventura
de aqui nascer, ou aqui empregar as suas atividades, oferece-nos passagens maravilhosas
que bem dizem da grandiosidade de espírito e dos propósitos sadios e
patrióticos dos nossos maiores.
Os colonizadores portugueses e espanhóis,
sedentos pelas grandes conquistas, e sonhadores no desbravar os mundos
lendários, voltaram as suas vistas para as terras selváticas, fabulosas e misteriosas,
na esperança de satisfazerem as suas curiosidades, aumentarem os seus domínios
com a anexação de novas faixas de terras, transportarem para as suas metrópoles as riquezas formidáveis,
inesgotáveis e cobiçadas por todos.
A efetivação desta conquista foi feita a troco de vidas preciosas
e sofrimentos indescritíveis, onde a coragem do homem foi posta à prova, face
às intempéries da região, à ferocidade dos selvícolas, senhores absolutos da
terra, à temibilidade das feras, às dificuldades de transportes, à ambição descomedida
e sempre insaciável dos próprios companheiros de jornada.
Cada palmo de terra conquistada, recebia o sinete de sangue derramado
por aqueles heróis desconhecidos, que impulsionados pela miragem de tudo
vencer, de pigmeus insignificantes, transformavam-se em gigantes indomáveis, levando
de roldão a quase invencibilidade da natureza agreste.
Lendas e mais lendas atravessavam as fronteiras do território ainda
inexplorado, aumentando o entusiasmo e a ânsia de conquista de quantos ouviam
falar no Eldorado e no País dos Omagua.
O festejado historiador amazonense Arthur Cezar Ferreira Reis, nas
páginas lapidares da sua História do Amazonas, apresenta-nos em cores
emocionantes essas lendas: “Para o Oriente, como o país da canela, fora também
do domínio incaico, reinava, um príncipe, El Dorado, cujas riquezas não eram possíveis
medir. Os templos, os palácios, a pavimentação das ruas da cidade de Manoa,
onde vivia, tudo nessa região encantada se construíra em ouro. Ouro puro, só
ouro. O monarca, pelas manhãs, banhava-se num lago de águas perfumadas, sob as
quais lançavam ouro em pó”. (...)
O certo, porém, é que a preocupação
dominava os espíritos dos homens civilizados além-fronteiras, forçando-os a
projetarem expedições, que de escalada em escalada, iam varando a selva densa que
escondia as paragens buscadas,
plantando aqui e ali um povoado.
Com o transcorrer dos anos, com a
vinda de novas expedições, com a catequese dos selvícolas, ora pela imposição
da garrucha, ora pelos meios convincentes, com a organização de novas
povoações, com a implantação nestas regiões de uma civilização com caraterísticas
já definidas, a história, afinal, oferece-nos o quadro soberbo da Assembleia Provincial
Paraense, votando a Lei nº 147, de 24 de outubro de 1848, que eleva a Vila
de Manaus a cidade, com o nome de cidade da Barra do Rio Negro.
Descrever os pormenores do evoluir
daquela Vila, com foros de cidade, por força legal, gravando em páginas
resplandecentes de heroísmo e de trabalho os nomes de todos aqueles que como chefes ou como parcelas ínfimas de urna coletividade, que
presentearam-nas esta encantadora e risonha Manaus, seria empresa ciclópica, privilégio
dos espíritos amadurecidos no manusear cotidiano os documentos que a História
nos legou, e não para um espírito curioso, como o do orador que vos fala, que
só agradecimentos tem para com o Grande Deus por lhe ter dado como pátria essa
terra abençoada e dadivosa.
Todavia, o que não nos foge à imaginação, é a imprecisão das
primeiras linhas urbânicas (sic), a insignificante e disseminada população,
o mando absoluto como lei suprema, o trabalho forçado e escravo do nativo, a
ganância como bússola de todos os sentimentos. (...)
Como todas as grandes cidades, Manaus teve os seus dias de apogeu.
Agigantou-se na senda do progresso às suas demais irmãs da Federação. Começaram
os traçados das grandes avenidas. As construções dos edifícios suntuosos, que
tanto nos orgulhecem. A organização do porto fluvial, que é admiração para
todos aqueles que aqui aportam pela primeira vez. O aterramento dos igarapés. As
ligações dos bairros pelas pontes metálicas. A instalação de luz elétrica e
água encanada. A inauguração dos serviços de bondes elétricos. O pronunciamento
de uma vida comercial movimentada e irrequieta, atraindo as atenções dos brasileiros
e estrangeiros, que impulsionados pelas ideias de lucros fabulosos e fáceis,
transportavam-se em massa para a nossa capital, tornando-a o centro das grandes
transações, colocando numa situação privilegiada a sua balança econômico-financeira, onde o Ouro Negro,
como majestade, era rendado por todos.
Aquela minúscula cidadela, pontilhada
de barracas e tapiris, de que um momento para o outro, como num sonho
maravilhoso de mil e uma noites, transformou se numa capital elegante, exuberante
de alegria, onde os salões e os teatros, as ruas e os cabarés, feericamente
iluminados, acolhiam prazerosamente uma população feliz e despreocupada, que
dava expansão a uma prodigalidade sem medida, numa demonstração edificante de riqueza
e abundância.
Num trabalho ritmado e coordenado,
os seus administradores iam imprimindo um cunho de grande metrópole a esta
capital que tanto nos envaidece. Figuras de homens públicos exalçaram-se as cumeadas
mais elevadas do dever de bem cumprir a árdua e delicada missão de que se
achavam investidas. Exemplos marcantes nos foram deixados.
Encobrir, porém, os inúmeros colapsos de que fomos vítimas, seria
crime imperdoável. Tivemos momentos de verdadeiro estado pré-agônica. Manaus,
como um moribundo apelava para todos os recursos. Anêmica e depauperada, moral
e financeiramente, sentia faltar-lhe as últimas forças. O espetro da
desmoralização administrativa, sobrevoava como um corvo os nossos céus. Manaus,
de decadência em decadência, despida dos dias festivos de grandeza e pompa,
quedava-se abandonada e triste à margem do grande rio Negro. (...)
Para glória de Manaus e contentamento de todos que aqui mourejam,
vemos que a sua trajetória ao alcançar o seu centenário, indica-nos uma
curvatura ascensional, prometendo-nos que em dias não muito longe readquirirá,
por justo título, o seu galardão de “Cidade Risonha”.
A União Democrática Nacional, com a responsabilidade que lhe é
inerente na atual administração, sente-se no dever irrestrito de envidar todos
os esforços no sentido de reafirmar os seus propósitos de em cumprir a sua
finalidade de partido político genuinamente democrático e progressista, transformando
a nossa Manaus na CATEDRAL AMAZÔNICA, de onde irradiarão beleza, opulência e
hospitalidade.
Salve Manaus.
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