Nonato Pinheiro |
Em julho de 1926, já eleito presidente da República, Washington Luís visitou Manaus. Sua demorada permanência na capital foi documentada no texto do falecido padre Nonato Pinheiro, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, publicado em O Jornal, de 9 de novembro de 1969.
Prepara-se a Nação para celebrar o centenário do
Presidente Washington Luís Pereira de Sousa, que governou o país de 1926 a 1930,
quando foi deposto pelo presidente do Rio Grande do Sul e seu ex-ministro da
Fazenda, Getúlio Dornelles Vargas, candidato da Aliança Libertadora.
Não é meu intuito focar, propriamente, o movimento revolucionário
que culminou com a deposição do eminente brasileiro, mas apresentar alguns flagrantes
de sua visita a Manaus, aonde chegou, como Presidente eleito, a 20 de julho de
1926. De relance, apenas, tecerei algumas considerações acerca do primeiro
assunto.
Manaus engalanou-se para receber a visita de Washington
Luís, que aqui chegou a bordo do vapor Pará.
O presidente do Estado era o dr. Efigênio Ferreira Salles, e prefeito municipal,
o dr. José Francisco de Araújo Lima, sem contestação um dos maiores prefeitos
de Manaus. Nas proximidades da extinta Manaus
Harbour, armou-se um arco de triunfo, onde o Presidente foi saudado pelo prefeito
Araújo Lima, médico de renome e intelectual da melhor estirpe literária, cuja
prosa era um encantamento pelas belezas e galas do estilo.
Seguiu-se o desfile rumo ao Palácio Rio Negro, a cuja
sacada assomaram Washington Luís e Efigênio Salles, sob os aplausos da
multidão. Serenadas as aclamações, o menino Moacyr Dantas, filho do dr. Elviro
Dantas e aluno do Colégio D. Bosco, saudou o presidente, a quem foi apresentado
pelo bispo diocesano, dom Basílio Manuel Olímpio Pereira e pelo diretor do
mencionado estabelecimento de ensino, o saudoso Padre Pedro Ghislandi. Às 12
horas, o presidente do Estado ofereceu um almoço íntimo ao Presidente da
República no palacete Carioca. Pelas 20
horas, realizou-se um préstito luminoso (marche
aux flambeaux), puxado por seis bandas de música em direção ao Palácio Rio
Negro, onde saudaram o Presidente os oradores Álvaro Botelho Maia e Hemetério
Cabrinha. Álvaro Maia já era o primoroso e consagrado orador da Canção de Fé e Esperança. Cabrinha, o
poeta dos Frontões, já alcançara
relevo como orador popular, capaz de eletrizar multidões.
Estamos agora no dia 21 de julho. O presidente,
cumprindo o programa elaborado, visitou o Seringal Mirim, a usina Brasil-Hévea,
a Prefeitura Municipal, a Assembleia Legislativa, o Instituto Benjamim Constant
e o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Na Assembleia, cujo
presidente era o deputado Monteiro de Sousa, meu velho e douto professor de Matemática
no Colégio D. Bosco, em 1935, Washington Luís foi saudado pelo deputado Caio
Valladares.
A visita ao IGHA merece especial registro. Lá fora
organizada uma excelente exposição de produtos do Amazonas. Efigênio de Salles
acompanhou o presidente nessa visita à Casa de Bernardo Ramos, onde foi saudado
pelo verbo do dr. Vivaldo Palma Lima, orador oficial do sodalício. Washington
Luís comoveu-se com a homenagem da douta confraria, que reunia uma plêiade de
lúcidas e robustas mentalidades. Inaugurou o Livro de Visitantes, de onde copiei suas impressões, assim
exaradas:
“Visitei hoje o Instituto Histórico e Geográfico do
Amazonas, encontrando, circunstância feliz, o verdadeiro culto das cousas do nosso
passado, ao lado de uma exposição de produtos do vale amazônico, demonstrando o
cuidado das cousas do presente, que sem dúvida é para o futuro a garantia de
nossa nacionalidade forte e firme”.
Mostrei o referido teor ao sociólogo Gilberto Freyre, quando
de sua recente visita ao IGHA, onde proferiu notável palestra. Leu essas
palavras em voz alta, prorrompendo ao final nesta exclamação: “Grande homem!
Notável espírito!” E enalteceu, a seguir, a compostura admirável que Washington
Luís manteve no exílio, tão longo e tão discreto, recusando-se sempre a dar qualquer
entrevista ou a fazer qualquer comentário sobre o governo que o depusera!
O almoço do dia 21 teve caráter íntimo e sentimental. O
Presidente da República encontrou no Amazonas três condiscípulos da Faculdade
de Direito de São Paulo: dr. Vicente Reis, diretor do Jornal do Comércio, dr. Carlos Pereira da Silva, Juiz de Direito de
Itaquatiara (prefiro essa grafia), e o Desembargador Antônio Gonçalves Pereira
de Sá Peixoto. Os antigos colegas decidiram oferecer um ágape ao novo presidente,
o qual se efetuou ne residência do jornalista Vicente Reis. Compareceram:
Washington Luís, Efigênio de Salles e esposa, Vicente Reis e esposa, dr. Carlos Pereira da Silva e esposa, e o Desembargador Sá Peixoto, que se fez acompanhar de sua
filha Alcida Moreira de Sá Peixoto, que faleceu como professora aposentada do
Instituto de Educação do Amazonas. À imprensa divulgou as palavras de Sá
Peixoto, que falou em nome dos condiscípulos do egrégio visitante.
O presidente Washington Luís agradeceu comovido a
fraterna lembrança de seus antigos colegas, afirmando que jamais a esqueceria.
Frisou que os anos passavam, mas os afetos permaneciam como reflexo de uma era
feliz. Concluiu bebendo pela felicidade de cada companheiro e de suas
respectivas famílias.
Às 20 horas realizou-se no Teatro Amazonas um banquete
oficial de 200 talheres, no qual falaram o presidente do Estado, o presidente
do Tribunal de Justiça e o presidente da Assembleia Legislativa, com
agradecimentos do presidente eleito.
No dia 22 de julho Washington Luís visitou a Fábrica de
Cerveja, o Ginásio Amazonense Pedro II, o Grupo Escolar Presidente Bernardes e
a Santa Casa de Misericórdia. Às 14,30 houve um passeio à Colônia Campos Sales,
e às 16 horas, um garden party no
Sanatório Efigênio Salles. Pelas 20 horas, realizou-se um espetáculo no Teatro
Amazonas.
O dia 23 de julho foi o último de sua estada em Manaus.
Às 8 horas, realizou-se um passeio fluvial a Paricatuba, sob os auspícios da Associação
Comercial do Amazonas. Na tarde do mesmo dia, o Presidente assistiu no Polyteama
desenrolar das películas No País das
Amazonas e No Rasto do Eldorado.
A visita do Presidente teve seu remate nos salões do Ideal Clube, com um baile
oficial, oferecido pelas classes produtoras. Às 23h30, o ilustre visitante
apresentou suas despedidas e retirou-se para bordo. (...)
Reputo necessária uma referência ao cardeal Dom
Sebastião Leme da Silveira Sintra Foi o eminente purpurado quem salvou a vida
de Washington Luís, quando de sua deposição. Cronistas e historiadores são
unânimes nesse particular. Com suas pupilas aquilinas de diplomata e de pastor,
sentiu o Cardeal Leme o perigo que cercava o desditoso presidente. Envolto em
sua púrpura cardinalícia, rumou para o Catete e convenceu Washington Luís a
acompanhá-lo. Armas aguardavam nas ruas o trajeto do presidente poupado por ter
a seu lado o ínclito príncipe da Igreja, cuja intervenção diplomática evitou
uma catástrofe.
Pelas colunas de O
Globo sopraram os primeiros clarins do centenário de nascimento do insigne patriota,
que regressou do exílio após o trágico desaparecimento de seu algoz. Altos juízos
de Deus, sem cuja mão luminosa não se escreve a História!...
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