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segunda-feira, maio 27, 2019

HISTÓRIA DO AMAZONAS: NOTA

Nonato Pinheiro


Em julho de 1926, já eleito presidente da República, Washington Luís visitou Manaus. Sua demorada permanência na capital foi documentada no texto do falecido padre Nonato Pinheiro, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, publicado em O Jornal, de 9 de novembro de 1969. 


Prepara-se a Nação para celebrar o centenário do Presidente Washington Luís Pereira de Sousa, que governou o país de 1926 a 1930, quando foi deposto pelo presidente do Rio Grande do Sul e seu ex-ministro da Fazenda, Getúlio Dornelles Vargas, candidato da Aliança Libertadora.
Não é meu intuito focar, propriamente, o movimento revolucionário que culminou com a deposição do eminente brasileiro, mas apresentar alguns flagrantes de sua visita a Manaus, aonde chegou, como Presidente eleito, a 20 de julho de 1926. De relance, apenas, tecerei algumas considerações acerca do primeiro assunto.

Manaus engalanou-se para receber a visita de Washington Luís, que aqui chegou a bordo do vapor Pará. O presidente do Estado era o dr. Efigênio Ferreira Salles, e prefeito municipal, o dr. José Francisco de Araújo Lima, sem contestação um dos maiores prefeitos de Manaus. Nas proximidades da extinta Manaus Harbour, armou-se um arco de triunfo, onde o Presidente foi saudado pelo prefeito Araújo Lima, médico de renome e intelectual da melhor estirpe literária, cuja prosa era um encantamento pelas belezas e galas do estilo.
Seguiu-se o desfile rumo ao Palácio Rio Negro, a cuja sacada assomaram Washington Luís e Efigênio Salles, sob os aplausos da multidão. Serenadas as aclamações, o menino Moacyr Dantas, filho do dr. Elviro Dantas e aluno do Colégio D. Bosco, saudou o presidente, a quem foi apresentado pelo bispo diocesano, dom Basílio Manuel Olímpio Pereira e pelo diretor do mencionado estabelecimento de ensino, o saudoso Padre Pedro Ghislandi. Às 12 horas, o presidente do Estado ofereceu um almoço íntimo ao Presidente da República no palacete Carioca. Pelas 20 horas, realizou-se um préstito luminoso (marche aux flambeaux), puxado por seis bandas de música em direção ao Palácio Rio Negro, onde saudaram o Presidente os oradores Álvaro Botelho Maia e Hemetério Cabrinha. Álvaro Maia já era o primoroso e consagrado orador da Canção de Fé e Esperança. Cabrinha, o poeta dos Frontões, já alcançara relevo como orador popular, capaz de eletrizar multidões.

Estamos agora no dia 21 de julho. O presidente, cumprindo o programa elaborado, visitou o Seringal Mirim, a usina Brasil-Hévea, a Prefeitura Municipal, a Assembleia Legislativa, o Instituto Benjamim Constant e o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Na Assembleia, cujo presidente era o deputado Monteiro de Sousa, meu velho e douto professor de Matemática no Colégio D. Bosco, em 1935, Washington Luís foi saudado pelo deputado Caio Valladares.

A visita ao IGHA merece especial registro. Lá fora organizada uma excelente exposição de produtos do Amazonas. Efigênio de Salles acompanhou o presidente nessa visita à Casa de Bernardo Ramos, onde foi saudado pelo verbo do dr. Vivaldo Palma Lima, orador oficial do sodalício. Washington Luís comoveu-se com a homenagem da douta confraria, que reunia uma plêiade de lúcidas e robustas mentalidades. Inaugurou o Livro de Visitantes, de onde copiei suas impressões, assim exaradas:
“Visitei hoje o Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas, encontrando, circunstância feliz, o verdadeiro culto das cousas do nosso passado, ao lado de uma exposição de produtos do vale amazônico, demonstrando o cuidado das cousas do presente, que sem dúvida é para o futuro a garantia de nossa nacionalidade forte e firme”.

Mostrei o referido teor ao sociólogo Gilberto Freyre, quando de sua recente visita ao IGHA, onde proferiu notável palestra. Leu essas palavras em voz alta, prorrompendo ao final nesta exclamação: “Grande homem! Notável espírito!” E enalteceu, a seguir, a compostura admirável que Washington Luís manteve no exílio, tão longo e tão discreto, recusando-se sempre a dar qualquer entrevista ou a fazer qualquer comentário sobre o governo que o depusera!

O almoço do dia 21 teve caráter íntimo e sentimental. O Presidente da República encontrou no Amazonas três condiscípulos da Faculdade de Direito de São Paulo: dr. Vicente Reis, diretor do Jornal do Comércio, dr. Carlos Pereira da Silva, Juiz de Direito de Itaquatiara (prefiro essa grafia), e o Desembargador Antônio Gonçalves Pereira de Sá Peixoto. Os antigos colegas decidiram oferecer um ágape ao novo presidente, o qual se efetuou ne residência do jornalista Vicente Reis. Compareceram: Washington Luís, Efigênio de Salles e esposa, Vicente Reis e esposa, dr. Carlos Pereira da Silva e esposa, e o Desembargador Sá Peixoto, que se fez acompanhar de sua filha Alcida Moreira de Sá Peixoto, que faleceu como professora aposentada do Instituto de Educação do Amazonas. À imprensa divulgou as palavras de Sá Peixoto, que falou em nome dos condiscípulos do egrégio visitante.
O presidente Washington Luís agradeceu comovido a fraterna lembrança de seus antigos colegas, afirmando que jamais a esqueceria. Frisou que os anos passavam, mas os afetos permaneciam como reflexo de uma era feliz. Concluiu bebendo pela felicidade de cada companheiro e de suas respectivas famílias.

Às 20 horas realizou-se no Teatro Amazonas um banquete oficial de 200 talheres, no qual falaram o presidente do Estado, o presidente do Tribunal de Justiça e o presidente da Assembleia Legislativa, com agradecimentos do presidente eleito.

No dia 22 de julho Washington Luís visitou a Fábrica de Cerveja, o Ginásio Amazonense Pedro II, o Grupo Escolar Presidente Bernardes e a Santa Casa de Misericórdia. Às 14,30 houve um passeio à Colônia Campos Sales, e às 16 horas, um garden party no Sanatório Efigênio Salles. Pelas 20 horas, realizou-se um espetáculo no Teatro Amazonas.
O dia 23 de julho foi o último de sua estada em Manaus. Às 8 horas, realizou-se um passeio fluvial a Paricatuba, sob os auspícios da Associação Comercial do Amazonas. Na tarde do mesmo dia, o Presidente assistiu no Polyteama desenrolar das películas No País das Amazonas e No Rasto do Eldorado. A visita do Presidente teve seu remate nos salões do Ideal Clube, com um baile oficial, oferecido pelas classes produtoras. Às 23h30, o ilustre visitante apresentou suas despedidas e retirou-se para bordo. (...)

Reputo necessária uma referência ao cardeal Dom Sebastião Leme da Silveira Sintra Foi o eminente purpurado quem salvou a vida de Washington Luís, quando de sua deposição. Cronistas e historiadores são unânimes nesse particular. Com suas pupilas aquilinas de diplomata e de pastor, sentiu o Cardeal Leme o perigo que cercava o desditoso presidente. Envolto em sua púrpura cardinalícia, rumou para o Catete e convenceu Washington Luís a acompanhá-lo. Armas aguardavam nas ruas o trajeto do presidente poupado por ter a seu lado o ínclito príncipe da Igreja, cuja intervenção diplomática evitou uma catástrofe.
Pelas colunas de O Globo sopraram os primeiros clarins do centenário de nascimento do insigne patriota, que regressou do exílio após o trágico desaparecimento de seu algoz. Altos juízos de Deus, sem cuja mão luminosa não se escreve a História!...

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