Cronista da época, o saudoso padre Luiz Ruas é o autor do artigo aqui reproduzido. Nele, o articulista descreve com perícia a incerteza que tomou conta da capital amazonense. A qualidade da foto jornalística revela as dificuldades de então, há cinquentanos.
Recorte de O Jornal, 19 dezembro 1962 |
O Desastre
L.
Ruas (*)
Primeiro foi a grande incerteza.
Os olhos catando nos céus escuros alguma trilha de luz que indicasse
um caminho para a esperança. Os minutos correndo lerdos. A pista vazia.
A noite vazia. Os céus escuros e silenciosos guardavam seu segredo com a
impassibilidade de esfinge. Nenhum sinal.
Nenhum ruído.
- Passageiros da Panair do Brasil estamos chegando ao aeroporto de Ponta
Pelada...
Uma dúvida inconfessável começou a passear no aeroporto. Pairava
no ar como uma invisível ave de rapina querendo atingir os corações dos pais,
dos filhos, dos esposos, dos amigos que, minutos antes, conversavam
alegremente na incontida felicidade de receber em seus braços os corpinhos
tenros e talvez sonolentos de seus filhinhos, beijar-lhes as cabecinhas
despreocupadas, estreitar suas esposas,
abraçar com carinho e calor os parentes e amigos.
Pouco a pouco a luta se tornava mais áspera e mais sensível. Os olhares
começaram a se trocar cheios de apreensões e algumas perguntas foram arriscadas
a medo. Todos lutavam corajosamente contra as invisíveis aves negras. Negras como a
noite, negras como a pista vazia, negras como os céus calados. A alegria de
todos, então, começou a levantar voo para longe do aeroporto e, ganhando a imensidão da noite friamente muda e parada, saiu em busca, em
remígios tresloucados, das faces perdidas na incógnita daquela madrugada.
- Você está ouvindo o ruído dos motores?...
Depois, o silêncio. Um silêncio pesado e absurdo como a angústia. Comprimindo o peito. Ferroando os
olhos. Entalando a garganta. Apertando as mãos. Crispando as almas. Abatendo os
corpos.
Apesar de tudo os céus continuavam a ser esquadrinhados pela esperança
de todos.
A manhã trouxe a notícia para a cidade. Naquele dia ninguém olhou
para o sol. Ninguém viu as cores da manhã. Ninguém se deslumbrou com a
apoteose da luz. Todos procuravam no céu apenas um sinal que indicasse um
caminho para a esperança. O rio? A mata? Mas que rio? Mas que mata? E todos
calavam para que um grito de
desespero não irrompesse, feroz e incontrolável, em direção ao vazio.
O silêncio dos lábios, os olhos parados, as mãos agitadas, as lágrimas mudas. A impotência absoluta diante do absurdo. O não poder fazer nada. O querer fazer tudo. Brigar. Gritar. Andar. Voar. Nadar. Mergulhar. Chorar. Descompor. Sair. Ficar. Falar. Descobrir. Salvar...
desespero não irrompesse, feroz e incontrolável, em direção ao vazio.
O silêncio dos lábios, os olhos parados, as mãos agitadas, as lágrimas mudas. A impotência absoluta diante do absurdo. O não poder fazer nada. O querer fazer tudo. Brigar. Gritar. Andar. Voar. Nadar. Mergulhar. Chorar. Descompor. Sair. Ficar. Falar. Descobrir. Salvar...
Isto foi um dia.
Quando chegou a noite, brilhou longinquamente uma estrela. Muito
pálida. Muito pequena. Mas suficientemente estrela para ser luz e esperança:
era possível um sequestro. Todos se agarraram desesperadamente ao delgado raio
de luz dessa possível estrela. Ah! Todos os desertos têm as suas miragens...
E isto foi uma noite.
Finalmente as aves de rapina triunfaram. Encarniçadamente fora o
combate pelas horas das noites e pelas horas dos dias. Tudo confirmado: no
coração da mata, um círculo. No círculo: os sorrisos das crianças, a ternura
das esposas, os sonhos de muitos amanhãs, o desvelo dos pais, a amizade dos
amigos, o vazio dos
corações feridos, a fuselagem espatifada do PP-PDE.
No círculo da mata, os destroços.
Nos nossos corações, o desastre.
Nos nossos corações, o desastre.
(*) Publicado em seu livro Linha
d´àgua: crônicas. Manaus, 1970
Ate hoje si discute a figura do cidadão Cassiano Anunciação (batara)como o unico sobrevivente deste desastre aereo de 14/12/1962.E passado anos ele emergiu como um grande empresario. E a historia era q ele tinha se beneficiado de valores dos passageiros. Simulei varias situações e ñ encontro resposta. Talvez a mais logica seria q ele juntos com amigos estivessem na area para armar "espera" para caçar a noite. Neste local tinha muita anta, capivara, onça. Alias ainda tem. E como estavam proximo do acidente foram os primeiros a chegar e como ñ tinha mas nada a fazer, simplesmente fizeram uma vistoria. O local mais proximo era rio preto da eva com pouquissimos casebres ou quase nada. Sera q esta minha versão faz sentido. Gostaria de conferir a lista de passageiros. Sera possivel conseguir isto?
ResponderExcluirminha família se foi nunca encontraram os corpos de minha mãe e irmã nem a fortuna em jóias que minha mãe levava, somente o corpo de meu pai JOSÉ LUIZ NUNES PINTO foi encontrado.
ResponderExcluirQue Deus tenha misericórdia dos que morreram e seus familiares.
voce pode me passar seu contato? sou do Exército e gostaria de falar com você
ExcluirObrigado pela visita. Estou às ordens pelo fone (92) 99608-9010. Se desejar e-mail, usar mroberto.mendonca@hotmail.com
ExcluirSe você me escrever (mroberto.mendonca@hotmail.com), envio a relação dos passageiros e outras informações sacadas de jornais da época. Faça isso, será benéfico para você.
ExcluirAo filho do dr. José Luis Pinto: estou ultimando um trabalho sobre este lutuoso desastre. peço que você se comunique comigo, a fim de deixar marcante a atividade de seu pai.
ExcluirO corpo do meu pai também nunca foi encontrado. A urna que chegou de Manaus foi simbólica.
ResponderExcluirÉ explicável, caro desconhecido, pois os corpos foram alcançados doze dias após o acidente. Imagine a situação encontrada no meio da selva sofrendo os ataques da decomposição por vários fatores. Você não quer se identificar, colaborar, pois o Exército fará este ano uma cerimônia especial pelos mortos.
ExcluirInfelizmente só ontem descobri suas matérias pois meu irmão estava no voo e aniversaria hoje 21 de abril. Teria sido uma grande honra ir esta homenagem no ano passado. Gostaria de receber a lista dos passageiros e ver o nome do meu irmão. José Haroldo Correia de Andrade. Por gentileza mande para meu e-mail: mconsuelda@gmail.com. agradeço antecipadamente.
ResponderExcluirAlém dos corpos terem sido encontrados muitos dias depois, a ação da decomposição, outros devorados por animais.
ResponderExcluirAlguns caíram no igarapé e assim se decomporam mais rápido, é normal que alguns não foram encontrados,infelizmente!