Busto de Eduardo Ribeiro, no Museu em sua homenagem |
Há
112 anos, nessa
data, morria Eduardo Ribeiro, ex-governador do Amazonas (1892-96), aquele que
transformou sua capital em metrópole, impulsionado pela exploração da borracha.
Sua morte prossegue emblemática. Mistérios ainda envolvem seu desaparecimento.
Um deles, o fundamento pelo qual o óbito não foi registrado em cartório. À
época, havia apenas o 1º Cartório, inda existente e funcionando à rua Leonardo
Malcher próximo a rua Ferreira Pena. Não se diga que o livro ou a página foi
extraviado, não. Estão lá no cartório para provar a desídia ou o crime.
Ante
esse “descuido”, pode-se conjeturar que inexistiu autopsia; as informações
conhecidas sobre a causa mortis foram
fornecidas pelos médicos que visitaram o morto. Portanto, inspecionaram o
cadáver externamente, sem a devida necropsia. Outro mistério: houve ou não a
apuração do suicídio? Acredito pela inexistência da medida, pois nenhum
historiador contemporâneo faz referencia a essa medida policial. Resumo da
opera, o extraordinário político foi enterrado com pompas, mas, pior que
indigente, fora do alcance da lei.
Sua
lembrança, todavia, segue perene na Manaus empobrecia de nossos dias. Para
continuar lembrando a data, reproduzo a segunda parte de texto divulgado à véspera
do cinquentenário da morte do Pensador.
* * *
Júlio Uchôa (*)
Júlio Uchôa (*)
Vamos
reproduzir, em síntese, o noticiário de um dos jornais de Manaus, de 14 de
outubro de 1900. Poderá, assim, o leitor fazer um juízo sobre o trágico
acontecimento. Eduardo Ribeiro
residia na antiga Chácara Pensador,
em companhia do doutor Menélio Pinto, diretor da Secretaria do Congresso.
Profundamente
abalado de suas faculdades mentais, à época do suicídio, Eduardo Ribeiro se
encontrava sob rigorosa vigilância. Meses antes, estivera no Ceará e na Europa
a tratamento de saúde. Em Gênova (Itália)
uma junta médica composta dos professores Ludovici, Maragliano e Taburini o
examinara detidamente, concluindo que o seu restabelecimento se processaria
pouco a pouco. Do Velho Mundo, retornou o enfermo a Manaus, a 5 de setembro de
1900.
Permaneciam
junto ao Pensador, o doutor Menélio
Pinto, o alferes da Força Pública João Emídio Ferreira da Silva, o furriel
Severino Augusto de Souza e as praças da mesma corporação Manuel Laranjeira,
João Evangelista e José Santos. Era um grupo bem numeroso de vigilantes, capaz
de velar pela segurança do doente e evitar quaisquer desatinos, que porventura,
ele cometesse, no estado de insânia em que se encontrava.
Continuemos,
porém. Um jornal do dia, registrando os últimos momentos do Pensador, escreve:
Passara
a noite de sábado para domingo agitadíssimo, pedindo isto e aquilo, em grande
estado nervoso. Pela madrugada de ontem (13) o doutor Eduardo Ribeiro tirando
as correntes da rede, sacode-as, jogando umas nas outras. Tiradas estas por um
dos enfermeiros, ele pediu um pouco de leite... E enquanto seu guarda saía do
quarto para pedir o líquido, o grande homem, só, isolado por minutos, pôs termo
a sua utilíssima existência.
Momentos
depois, quando o tenente Emídio da Silva entrou no aposento, o Pensador estava morto. Suicidara-se no
seu próprio quarto de dormir, uma sala junto à varanda, com janelas para o
quintal e pátio. Tinha enlaçado ao pescoço uma corda de mosquiteiro – uma corda
de cor verde – que pendia ao armador.
Recorte de O Jornal, de 14 outubro 1948 |
Eduardo
Ribeiro jazia com a cabeça para o lado direito, sentado no soalho, a cabeça e
tronco apoiados na parede, pernas estendidas ao comprido e os pés ligeiramente
cruzados. Vestia camisão de dormir, de linho branco e meias pretas com listras
brancas.
Às
8 horas e meia chegavam à Chácara, os médicos Carlos Grey, assistente do Pensador, Clementino Ramos, Alfredo
Araújo e Miranda Leão, que fizeram os respectivos exames. O corpo estava na posição em que fora
encontrado às 5 horas e 45 minutos.
Do
laudo subscrito pelos
médicos que fizeram o levantamento cadavérico, consta o seguinte: a
cabeça presa por uma corda de linho fixada na parte superior de um armador de
rede; a corda estava passada em volta do pescoço e atada por um nó corrediço; o
restante da corda passava por uma roldana, das destinadas a suspender o
mosquiteiro, fixada no centro do teto do quarto; a cabeça do cadáver achava-se
reclinada sobre a espádua direita. A boca entreaberta deixava ver a extremidade
da língua presa entre as arcadas dentárias; os olhos cerrados e a face vultosa
e congesta. O braço direito, em meia flexão, repousava sobre o terço superior
da coxa do mesmo lado; o braço esquerdo pendendo sobre o soalho, repousando
sobre a face dorsal da mão, que se achava em supinação. Pelo hábito externo não
notaram equimoses ou outros sinais de violência que denunciassem luta ou
haver-se ele debatido na ocasião da morte. A posição do cadáver, disseram os
médicos, era naturalíssima.
Como
se vê, da posição em que se achava o cadáver e do laudo médico, o suicídio do eminente
homem público, toca as raias do absurdo: sentado no soalho, com uma corda de
mosquiteiro enlaçada ao pescoço; jamais lemos o caso de suicídio tão original.
Outro
ponto, aliás, o mais grave, a nosso ver, e que parece implicar verdadeira
conivência na morte do Pensador por
parte dos que o cercavam. O alferes Emídio, como vimos, ao entrar no quarto do
doente deparou com o doloroso quadro já descrito, às 5 horas e 45 minutos. Pois
bem, às 8 horas e meia o corpo estava na mesma posição, ou seja, quase 3 horas
depois; possivelmente àquela hora, Eduardo Ribeiro vivia ainda; ou, que já
estava morto, quando prepararam o macabro espetáculo do suicídio simulado,
pode-se, também, concluir. Para esse ponto, tão controvertido, poderia trazer
alguma luz, na primeira hipótese, o laudo médico que dá a morte como tendo
ocorrido, às 6 horas e 15 minutos, após o achado fúnebre, embora se afirme, no
referido documento, que o trespasse se verificou “em virtude de asfixia por estrangulamento”.
Era
um caso para apurar, na ocasião,
abrindo-se o competente inquérito pelo poder público. Os depoimentos do
doutor Menélio Pinto e do tenente Emídio da Silva trariam, certamente, os
esclarecimentos necessários. Seria, aliás, de interesse do próprio governo de
então, sobre o qual pesam, ainda hoje, após volvidos quarenta e nove anos, as
mais graves acusações.
Vejamos
o que dizem os historiadores regionais. Artur Cezar Ferreira Reis escreve, em
“Historia do Amazonas” que a morte de Eduardo Ribeiro ocorreu “em
circunstâncias um tanto misteriosas”; Mário Ypiranga faz alusão à versão
corrente da existência de “umas ervas trazidas especialmente de Santarém” para
envenenar o Pensador.
Muitas
outras versões correm por ai, a respeito da horrível trama que eliminou o
saudoso maranhense, sem nenhuma comiseração à insanidade que lhe combalira o
organismo, provocada esta possivelmente, pelo veneno que lhe fora inoculado,
mesmo porque, os politicoides sem entranhas, temiam o seu restabelecimento,
como predissera o professor Ludovici, eminente psiquiatra italiano.
Há,
assim, a notícia do desaparecimento
misterioso daquele médico residente em Manaus, o qual, depois de examinar
detidamente, o cadáver, declarara, em altas vozes, não concordar absolutamente
com o parecer dos seus colegas que subscreveram o atestado de óbito de Eduardo
Ribeiro, visto tratar-se, diante da evidência dos sinais que constatara, não de
um suicídio, como se fizera capciosamente, acreditar, mas de um bárbaro crime,
frio e premeditadamente cometido.
Referiu-nos
esse fato, para nós desconhecido, o digno amigo e colega Antônio de Castro
Carneiro que o ouvira de seu genitor, quando certa vez, viera à baila a morte
do inolvidável homem público. É, assim, mais uma versão sobre o doloroso
acontecimento. (veja a Parte final)
(*) O
Jornal, de 16 de outubro de 1949.
Nenhum comentário:
Postar um comentário