Major PM Djalma Passos |
Volto a mencionar o poeta Djalma Passos, nascido na capital acreana, em 1923, e morto no Rio de Janeiro, em 1991. Ainda estudante editou seus primeiros poemas, que os transformou em livros.
Certo dia, na capital amazonense, começou a vida ingressando na Polícia Militar. E começou de baixo, porém avançou pela longa hierarquia militar, até passar para a reserva (aposentado, para os civis) no posto de tenente-coronel. Este fato ocorreu em 1965.
Passos exerceu outras atividades. Professor foi uma delas, lembra-se bem outro amazonense, Rogel Samuel, que relata com detalhes a competência do mestre.
Não resistiu, ou foi atraído, à atividade política. Nela ingressou e nela se realizou, alcançando a Câmara Federal. No entanto, foi sob esta exclusiva perspectiva que passou à história.“Esqueceram o poeta”, relembra o saudoso Arthur Engrácio em seu livro póstumo Os tristes (1997).
O escasso necrológio de Djalma Passos, falecido na segunda quinzena de junho, no Rio de Janeiro, publicado nos jornais de Manaus e falando apenas do político, diz bem do pouco conhecimento que se tinha do poeta e do escritor.
Capa do livro de Engrácio
Ocorre com ele o que ocorreu com Álvaro Maia – também político e poeta –, cuja atividade política, por ser, talvez, mais assídua e dominante, empanava-lhe a atividade literária. Não são casos isolados. Muitos outros bons escritores têm-se obscurecido com o sortilégio dessa dama fascinante – a Política.
No entanto, em Djalma Passos, pari passu com o político, caminhava, com a mesma seriedade, o intelectual, o homem de letras no mais acabado sentido do termo. Poderia ter-se tornado nome nacional, não fosse a sua excessiva modéstia, que o fazia arredio dos meios onde a sua obra tinha oportunidade de ser divulgada e promovida.
Djalma Passos deu uma contribuição valiosa às letras do Amazonas, publicando Poemas do tempo perdido (1948), As Vozes amargas (1952), Tempo e distância (1955), Bazar de angústias (1973), Ocupação da Amazônia e outros problemas (1974) e Notas de literatura contemporânea (1977). Relidos, agora, tenho sobre a mesa três dos seus melhores livros.
Ocupação da Amazônia e Outros Problemas. Esta obra integra Djalma Passos ao quadro dos escritores verdadeiramente preocupados com a problemática amazônica – a que de fato deve polarizar – hoje mais do que nunca - a atenção de quantos, amazônidas ou não, vivem e lutam pelo bem-estar desta região.
São quase duzentas páginas de texto, onde o autor, servido sempre de assinalável cultura, analisa fatos e expõe pontos de vista relacionados à grande questão que tem construído, até hoje, a Amazônia. Sua experiência de ex-parlamentar ajudou-o muito no enfoque desses problemas, cuja solução maior vem o governo federal procurando dar. O livro traz, inclusive, vários projetos de sua autoria, em que ele se ocupa, primordialmente, de nossa região, mostrando ao Brasil as nossas mazelas, necessidades e anseios – legítimos sob todos os aspectos – de integrarmo-nos ao resto do País, recebendo deste, também, as benesses do progresso e da civilização.
Em Outros Problemas, que constitui a segunda parte da obra, o autor aborda outras realidades brasileiras, como o analfabetismo, a ocupação dos nossos espaços vazios, a reforma educacional, o amparo à infância abandonada etc. São páginas de menor amplitude, mas nem por isso destituídas de valor, de interesse, elaboradas sob a mesma motivação que o levou a escrever os demais trabalhos do volume.
Capa de As vozes amargas
Ocupação da Amazônia e outros problemas, sem ser obra especializada, é um livro que fala de problemas brasileiros atuais, equilibrado, vazado em boa prosa, tendo a virtude de trazer a debate, reavivando-o, um tema para nós da maior significação – a Amazônia.
As Vozes Amargas encerra os melhores momentos da poesia de Djalma Passos. É, a nosso juízo, o seu livro de maior expressão literária, levando-o a alcançar, quando do seu lançamento, significativo êxito de crítica e livraria. Constitui-se de poemas de cunho social, de delicada inspiração e onde o autor atinge porventura os vôos mais altos dentro do seu universo poético
Essas estranhas e soturnas vozes/
Vem dos submundos da vida/
Da garganta enrouquecida dos homens famintos/
Daqueles que gemem nos catres imundos dos hospitais. (Estranhas Vozes).
Em As Vozes Amargas, alternando com poemas de caráter social, há versos de profundo toque lírico, de irrecusável beleza, onde a voz do poeta, sem perder o amargor, reveste-se de nostálgica e dilacerante paixão. Esta estrofe de Poema da terna ausência, fala por ele:
Não mais te ver...
Nunca mais durante a existência inteira
Sentir em minhas mãos vazias as tuas mãos afáveis
Que escreveram tateantes como rosas inspiradas
Na epiderme torturada
O poema de todas as carícias...
Bazar de Angústia é o outro livro do autor que reli com agrado. Nele estão reunidos contos e crônicas, subordinados a temas variados e todos repassados daquele humanismo que se tornou a característica das obras de Djalma Passos. Para o meu gosto, o cronista coloca-se acima do contista, abordando com propriedade os assuntos do dia a dia, que constituem, em verdade, a matéria-prima de que se utiliza o escritor desse gênero da literatura
A síntese, a leveza, o tom poético da frase estão presentes na maioria das crônicas de Bazar de Angústia: "A noite pontilhada de estrelas, branca de luar, continuou como uma sedução diante de meus olhos", "(...) deixei que me invadisse o ar suave da noite pura e contemplei a cidade penetrada de silêncio". "Há cânticos de passarinhos penetrando em meus ouvidos (...)", "... como se eu fosse um estranho caminhante coberto só de andrajos e ilusões", "Da juventude que é a dona do mundo e para quem brotam as flores e nascem todas as manhãs", "A vida é um instante fugaz no relógio do tempo".
As crônicas de Djalma Passos lembram as de Fernando Sabino, pelo tratamento de ficção que o autor lhes dá. Aliás, com um tratamento técnico mais apurado, a maioria delas poderia transformar-se em pequenos contos, enriquecendo mais o número das histórias curtas que o volume contém.
As informações sobre Djalma Passos que aqui se alinham, têm um fim específico: 1) reparar a lacuna dos obituários da imprensa, que esqueceram o poeta; 2) revelar aos leitores amazonenses, notadamente, aos da nova geração, a importância da sua obra literária, a qual, tão autêntica e valiosa quanto à sua obra política, há-de merecer sempre a nossa homenagem.
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