Minhas condolências!
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Antonio Paulo Graça |
Segue gravemente lembrado pelos seus colegas e amigos, o professor Antonio Paulo Graça (1952-1998). Crítico literário, "dotado do tirocínio e da cultura indispensáveis aos que se dedicam à análise do fenômeno literário", escreveu, sob o título acima, uma apreciação sobre a obra de Márcio Souza. A publicação ocorreu na coluna Livros, do Jornal do Comércio (Manaus, 8 jan. 1985).
Não se trata de nenhum caso psiquiátrico ou fenômeno paranormal, mas a verdade é que existem dois Márcio Souza. O primeiro é um romancista brilhante. Irreverente autor de Galvez, imperador do Acre. O segundo é um editor absolutamente convencional que obriga o outro a escrever novelas de fancaria apenas para agradar os americanos.
De Galvez a Mad Maria – O primeiro livro de Márcio Souza foi o que se poderia chamar de gol de placa. Apareceu numa hora cheia de tristezas e poucas luzes e trazia um humor corrosivo, uma inventividade que marcava não apenas a criação dos personagens, mas sobretudo a armação do enredo e a utilização de uma linguagem bárbara e sofisticada.
Depois veio a Operação Silêncio, apenas uma sofisticação. Resultado: nenhum sucesso. Entre em cena um editor que faz uma operação radical pelo sucesso e nasce Mad Maria, uma paródia dos romances de aventura.
Marcio ainda resistia e o livro tem alguns momentos brilhantes. Depois é o declínio, a vitória do comerciante sobre o escritor. A Condolência parece ser o mais acabado produto do comercialismo orquestrado pelo editor de Marco Zero.
Público pra que te quero? – A desculpa usada por Márcio Souza e por outros escribas, todos sobre as protetoras asas de Jorge Amado, é que no Brasil deve-se fazer uma literatura popular (populista?) capaz de atingir um público maior. Ora, com os salários de país nem Harold Robins aumenta o seleto clube dos leitores. As saídas para tal impasse estão em outro buraco. E todos sabem muito bem a altura dele, do buraco, é claro.
E A Condolência? – Pois bem. A Condolência é uma espécie de thriller de um filme de suspense. A toda hora alguém esta sendo morto, a toda página há tapas e pontapés, a todo parágrafo assiste-se a uma perseguição, a toda linha abundam os lugares-comuns e os desleixos.
Evidentemente há quem goste disso, mas esse alguém sem dúvida nas se chama Márcio Souza, isto é, o autor do mais importante livro sobre a cultura do Amazonas e de regiões periféricas, A Expressão Amazonense.
Além de tudo, em seu ultimo livro Márcio perdeu o humor. Quem o acha sarcástico não passa de uma vitima da miopia intelectual, quem o acha divertido é um pobre produto do mau-gosto.
Para quem não vai lê-lo, o enredo do livro é o seguinte: alguns militares da ultradireita resolveram resgatar alguns milhões depositados na suíça por um grupo de guerrilheiros. A conta, já se pode imaginar, é numerada. As duas partes da senha acabam ficando com uma ativista política que vive na frança e com uma empresaria que comete suas explorações no Brasil mesmo.
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Cópia da publicação |
Os brutamontes, encarnação do mal, perseguem as duas, mas acabam sendo derrotados, pela inteligência de Haideé, a empresaria, pela astucia de Vivian, a ativista, pelo legalismo de um brilhante advogado, pela coragem de Miguel, um ex-militar, e pelos novos tempos que arejam a cabeça dos generais de plantão.
Mas não se pode imaginar com que chatice esse enredo é narrado. Trata-se de um misto de Frederich Forsyth com uma “boa” Sabrina, a da semana, é lógico. Além do esquematismo (os bons dum lado, os maus do outro) e do mau gosto, o autor nos impõe uns sentimentalismos tão antigos, umas choradeiras tão comoventes que a gente é capaz de jurar que está lendo apenas um escritor amazonense. E a verdade é que Márcio Souza é mito mais do que isso.
Aquele Márcio - Márcio Souza é talvez o escritor brasileiro do nosso tempo que soube melhor aproveitar o recurso da carnavalização da história. Galvez é uma obra-prima da sátira-menipeia estudada por Bahktine. E mais: é um político absolutamente agudo, capaz de exorcizar a nossa história dos adereços ideológicos que lhe foram grudados pela medíocre classe dominante que nos foi dado suportar.
Aliás, outra especialidade do maitre Márcio sempre foi reduzir essa classe à sua própria pequenez, um feito, porque em terra de surdo quem tem uma corda vocal é intelectual cooptado.
E para não fugir à regra – Alguns despeitados e/ou invejosos costumam exibir, com um sádico e infantil prazer, alguns deslizes gramaticais do autor. Pois bem, pode-se observar esta questão sob dois pontos de vista. Sob o aspecto microlinguístico (concordância, colocação pronominal, ortografia e outros condimentos) realmente o Márcio não é lá um Machado, que aliás tropeçava nas vírgulas. Porém sob uma perspectiva macrolinguística (o discurso, a retórica, o estilo) trata-se de um autor irretocável e irretorquível.
Além do mais qualquer copidesque pálido resolve aqueles pretensos escândalos. E a história da literatura não é povoada por copidesques, não é verdade?
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