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terça-feira, novembro 05, 2024

ENCONTRO DE TRÊS POETAS AMAZONENSES

O encontro aconteceu nas páginas do Jornal de Commercio, em 14 de agosto de 1970, ocasião em que o poeta Anibal Beça (1946-2009) ilustrou sua página no jornal apreciando outro vate: Luiz Bacellar (1928-2012). Beça aproveitou o ensejo para incluir na conversa o parceiro desta arte Thiago de Mello (1926-2022). Convido a ler a postagem compartilhada da página do matutino. Detalhe: a fotografia foi realizada pelo artista Salgado. 

Recorte da página do periódico

UM POETA UM NOBRE

Luiz Franco de Sá Bacellar, considerado por muitos a figura mais expressiva do movimento modernista amazonense, nasceu em Manaus, na rua Saldanha Marinho, na casa de seu avô e padrinho, José Pinto Franco de Sá (Seu Zezé), a 4 de setembro de 1928. Descende de uma linhagem nobre e ilustre e toda sua gente é maranhense de quatrocentos anos. Seu avô paterno João Marinho Bacelar era filho do senhor das terras de Nossa Senhora da Conceição, da vila do Brejo de Anapurus [MA] na margem maranhense do rio Parnaíba. Estudou no Colégio de São Bento em S. Paulo, com os monges beneditinos que lhe deram uma formação cavalheiresca e teutônica. E é o poeta mesmo quem diz que até hoje é meio prussiano.

Começou a trabalhar na imprensa de Manaus em 1945, no jornal “A Gazeta”, que tinha como secretário Herculano de Castro e Costa. Bacellar já correu quase todos os jornais de Manaus. Em 1956, transferiu-se para o Rio de Janeiro onde cursou no Museu Histórico Nacional a matéria técnica de conservação de museu. No Rio, Bacellar trabalhou nos jornais: “O Globo”, “Correio da Manhã” e o “Dia”.

Voltando para Manaus, continuou a trabalhar na imprensa e recentemente lecionou no Colégio Estadual do Amazonas - História da literatura - e no Conservatório de Música, História da Música. Atualmente é conservador da Pinacoteca do Estado e membro do Conselho Estadual de Cultura. Começou a escrever poesia muito cedo, depois de ter lido Bandeira e Drumond para extravasar como ele diz sua veia humorista. Ainda hoje se considera mais humorista que poeta. 

FRAUTA DE BARRO  e SOL DE FEIRA A OBRA

Luiz Bacelar com relação à sua obra é sério, meticuloso e seus poemas são elaborados com a preocupação de comunicar, divertir e, procura em pesquisas, conservar, registrar as tradições populares e costumes estilizando a literatura oral do povo. Haja vista o livro Frauta de Barro na série de poemas do romanceiro suburbano, onde o poeta mostra-nos vários poemas coletados da nossa literatura oral: O caso da Neca, Santa Etelvina, Chiquinho das Alvarengas etc.Frauta de Barro foi seu livro de estreia com o qual venceu, em 1959, o grande prêmio “Olavo Bilac” da Prefeitura do Distrito Federal [hoje Rio].

A primeira tiragem do livro foi de 110 exemplares, o que tornou Frauta de Barro um livro raro, Bacellar vêm a mais de quatro anos lutando pela reedição, que já está reformulada e aumentada e sairá com orelha do poeta Thiago de Mello:

Sou completamente suspeito para escrever qualquer palavra sobre este grande poeta que é Luiz Bacellar. Mais suspeito ainda para dizer qualquer coisa sobre este Frauta de Barro, um dos mais belos e também mais importantes livros surgidos na literatura brasileira destes últimos anos. Minha suspeição se explica simplesmente: Bacellar é, já faz tempo, um dos meus poetas amados, junto com Neruda, Apollinaire, Drummond, Joaquim Cardoso, Lorca, Fernando Pessôa e Carlos Pena Filho. Frauta de Barro é um livro que viaja comigo e que me vem dando, companheiro bom, sua firme e transparente ajuda. Quando Frauta de Barro me ajuda? por exemplo, quando meu ser, mordido de escuridão, reclama o sol da poesia: e recordo em voz alta, o soneto de verão, e a claridade de seu mistério me fortalece. Por exemplo, longe do Brasil (quantas vezes recitei com Neruda sonetos de Bacellar). (...)

Bacelar é o verdadeiro poeta de Manaus. Ele soube captar, íntima e inteira, a alma da nossa cidade, que palpita, transfigurada, nas páginas deste belo livro. E mais: Luiz Bacelar, meu amigo, há quase vinte anos, amizade que é para mim uma festa e da qual tanto me orgulho, não é apenas um dos artistas brasileiros a quem mais respeito e admiro, é também uma das pessoas humanas a quem mais quero bem, e cujo convívio me inaugura, permanente o sortilégio colorido e profundo da alegria.

Sucede que Luiz, apesar da minha suspeição, me pede um texto para servir de orelha à segunda edição de Frauta de Barro. A um pedido seu não me posso fazer de rogado. Mas não lhe dou orelha. O que lhe mando é, no fundo, uma declaração de amor, publicamente. Ass. Thiago de Mello - Paris, Primavera. 

DOIS LIVROS DUAS PREMIAÇÕES

Sol de Feira, o segundo livro do poeta também foi premiado. Ganhou no ano passado [1969] o grande prêmio Estado do Amazonas. E vários dos seus rondeis serão musicados pelos compositores: Waldemar Henrique, Nivaldo Santiago, Emmanuel Coelho e Dirson Costa. O lançamento está previsto para este ano e terá ilustrações dos nossos melhores artistas plásticos. Tem ainda inéditas peças em teatro e conto - em teatro, a trilogia “Cesar Brando”, “Luar de mortos” e “A paz mora nas montanhas”. Em conto, “Os funerais do príncipe Baluba” (estória do enterro de um “soba” africano educado em Cambridge). 

BACELAR - CONDE DRÁCULA, O HOMEM E O MITO

Luiz Bacelar, também é, junto com Farias de Carvalho o poeta mais conhecido e mais popular de nossa cidade. Em torno de sua figura gira um sem fim de estórias e anedotas. Ser chamado de vampiro, conde sinistro, bruxo etc. o poeta recebe em tom de gozação e esportividade. Uma das anedotas mais conhecidas é a que o Bacellar chegou ao canto do Pina e um rapaz aproximou-se e perguntou:

 — O senhor é que é o poeta Bacellar?  — Sou sim. Por que?

 — É porque eu sou estudante e andava atrás de uma pessoa letrada para me dar uma informação a respeito dessa formiga, de que ramo e qual a sua família.

— Seu colega, confesso que eu não sei

 Como! uma pessoa como o senhor não sabe, então ninguém mais, sabe.

Bacellar saiu, cabisbaixo, desconfiado e foi para a casa. Passou uma semana ninguém via o Bacellar. 10 dias e lá vem o Bacellar. Encontra o rapaz no Pina e tira do bolso umas 20 folhas de papel datilografadas e começa a ler: BREVE ESTUDO DAS TANAJURAS, JIQUITAIAS E SAÚVAS, verdadeiro tratado científico à cerca das formigas.

Uma outra conhecida e que foi fato verídico, foi a parada com o Alfredo Belmont. O Belmont é um gozador emérito e sabendo que o Bacellar ficava chateado quando alguém mexia com seu nome, aprontou essa:

— Bacelar, hoje eu fiz uma descoberta sensacional. Remexendo nos papéis de família descobri a origem do teu nome. Meu bisavô que era um fidalgo em Portugal, tinha a seu serviço um cavalariço que ele sempre esquecia do nome. Certa feita, querendo o velho passear a cavalo começou a gritar: Oh! rapazito, bai selar, bai selar, bai selar... o meu cavalo. E daí, toda vez que o velho precisava do rapaz, dizia: vai chamar o bai selar.

O poeta Bacellar ficou olhando, sério e saiu-se com essa: — Engraçado! Alfredo, eu também descobri a origem do teu nome Belmont. Um dos meus ancestrais, o Visconde da casa castalda mira Y solar de Bacellar, tinha uma camareira que deu à luz a um menino que era tão feio, tão feio, que quando o velho foi ver, olhou, olhou e disse: mas, que belo monte, que belo monte de **** (asteriscos); e esse menino, Alfredo, era teu bisavô.

Estórias como estas correm aos montes e o poeta diz: O quê que eu posso fazer, inventam muitas mentiras, eu só faço achar graça, eu acho até que funciona promocionalmente, eu sou o único vampiro simpático do mundo.

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