Ilustração de Getúlio Alho |
De retorno à atividade, depois de impedido pelo vírus que atingiu meu notebook, compartilho um achado em jornal de Manaus. Trata-se um poema do saudoso Luiz Bacellar, inserido em O Jornal (24 janeiro 1965).
As duas flautas (Apólogo)
Sobre a mesa poenta do antiquárioveio a réstia de sol brincar leviana.E qual garota num sótão sozinhaficou-se deslumbrada e pensativaentre dois objetos muito antigos:uma flauta de barro e uma flauta de cana.Eram dois instrumentos pertencentesà coleção privada do argentário,entre cornes, alaúdes e violas,velhas trompas de caça e alguns violinosdesencordoados, célos sem cravelhas,desolados fagotes, bombardinos,contrabaixos, pistões, liras, ceslestase alguns azinhavrados velhos sinos.Então, como tocados de magia,pela réstia de sol que ali se estavaestremeceram... Por alguma frestadas janelas fechadas da mansardaentrou um buliçoso golpe de arque, com a réstia de sol, vinha brincar.Como um longo gemido suspiradode quem acorda de um profundo sonoveio a interrogação: “Aonde estou?”Para o golpe de ar. Queda-se a réstiade sol surpreendida. E, na poeiralevantada naquela brincadeira,se deixaram ficar muito quietinhos.Mas antes, um soprou à companheira:— “Foi a flauta de cana quem falhou...”E assim os dois ouviram o diálogoque me contaram e que aqui vos dou:Disse a flauta de cana de bambu:“Onde é que vim parar?... Oh! quanto pó!...
Não conheço ninguém, como estou só.
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