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quarta-feira, setembro 25, 2019

DR. LUIZ MONTENEGRO


O saudoso médico Djalma Batista, de reconhecidos méritos, escreveu o artigo abaixo, compartilhado do Jornal do Commercio (edição de 28 abril 1974), no qual indicou o nome do médico Luiz Montenegro como patrono do Hospital de Doenças Tropicais, em fase de instalação. Não obteve pleno sucesso. Em nossos dias, esta instituição, após evoluir sensivelmente, traz a designação de Fundação de Medicina Tropical "Doutor Heitor Vieira Dourado", instalada à avenida Pedro Teixeira, s/n – no bairro Dom Pedro. Contudo, o Auditório deste estabelecimento tem o nome proposto por Djalma Batista.
Indicativo da UBS

Do indicado resta seu laboratório de exames clínicos, hoje funcionando a avenida Getúlio Vargas, 658 - Centro. E, ainda mais recente, a prefeitura de Manaus prestou-lhe singela homenagem, ao nomear o posto de saúde comunitário de Ubs Dr. Luiz Montenegro (S-09), situada no elegante bairro de Nossa Senhora das Graças, à avenida Rio Jutaí, 37.
  
Recorte do Jornal do Commercio, de 28 abril 1974
Proponho ao Governo do Estado que o Hospital de Doenças Tropicais e Infecciosas, recentemente inaugurado em Manaus, em convênio com a Universidade do Amazonas, passe a se denominar Hospital Luiz Montenegro.
Morto há apenas 3 anos, Luiz Monteiro, nascido no Amazonas, em 1918, professor de Microbiologia da Faculdade de Medicina, patologista clínico da Secretaria de Saúde e dono de laboratório clínico em Manaus, não dava ideia do que sabia e do que valia.
Acompanhei-lhe a vida discreta do homem de estudo e de trabalho desde a adolescência, quando nos encontramos no início do curso ginasial, começando uma amizade que nunca se acabou, nem teve nenhum colapso.
Depois dos grandes médicos da primeira parte deste século no Amazonas – Alfredo da Mata, Thomas, Araújo Lima, Figueiredo Rodrigues, Adriano Jorge, Jorge de Moraes, Hermenegildo de Campos, Ribeiro da Cunha – que nem todos alcançamos, mas de alguns fomos alunos e contemporâneos, depois deles foi Luiz Montenegro quem deixou nome e renome, assegurados em trabalhos que poucos conhecem. Fora ele, muito poucos cuidaram da medicina-ciência.
Nunca fez clínica nem muito menos cirurgia. Era apenas o homem de laboratório, trabalhador, esclarecido e sereno. Para isto se preparou durante o aprendizado médico, realizado no Rio, e depois no outrora famoso “curso de aplicação” do Instituto Osvaldo Cruz, em Manguinhos.
Vivemos lado a lado, sucessivamente, no laboratório, no Dispensário Cardoso Fontes, no Sanatório Adriano Jorge, no Instituto dos Comerciários, no INPA [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia] e na Faculdade de Medicina, além de labutarmos na mesma especialidade. Posso prestar, a seu respeito, um testemunho de 42 anos de convívio constante.
Acompanhei-lhe, muito de perto os passos e as realizações, especialmente no INPA. E me admiro com as pesquisas que empreendeu, sempre com discrição e humildade, e que o credenciaram no mundo científico. Escreveu 25 artigos originais sobre hematologia, bacteriologia, soro-antropologia, genética e assuntos médico-sociais, artigos publicados em revistas do Rio e S. Paulo, da França, da Espanha, da Inglaterra e dos Estados Unidos, sempre despertando interesse entre os entendidos, porque comunicavam uma informação precisa da Amazônia.
Os trabalhos científicos de Luiz Montenegro eram redigidos em linguagem simples e direta, contendo os objetivos de cada um, as pesquisas realizadas e as conclusões a que chegava, tudo apoiado em escolhida bibliografia.
Revejo, neste instante, Grupos sanguíneos del sistema ABO y factor D (Rho) em Manaus, publicado na revista Sangre, da Espanha (n. 5, de 1960). Fez 1822 determinações do sistema ABO, encontrando 61% do grupo O; 29,42% de A; 8,56% de B e O; 96% de AB. Classificou o fator Rh em 1800 pessoas, sendo positivo em 92,6%. Comparando os seus resultados com os de 5 cidades brasileiras, duas de grande influência de imigrantes brancos (São Paulo e Porto Alegre) e duas onde houve maior contribuição negra (Salvador e Duque de Caxias).
Montenegro, que pôs em confronto também as mesmas pesquisas em habitantes de Codajás, cidade da margem do Solimões, documentou como hematologista a contribuição decisiva do índio na nossa população, com o aumento dos pacientes do grupo O e diminuição dos grupos A e AB, a que mais pertencem os brancos.
Paralelamente examinou 672 amostras de sangue colhidas no interior, verificando que o índice siclênico, que é apanágio do negro, já se encontra presente em 4,9% de caboclos e nordestinos e seus descendentes (O Hospital, Rio, 55 (2) 273, 1959). É importante destacar que os portadores da anomalia siclêmica são sabidamente resistentes à malária. Em 100 índios puros, da tribo Maués, não encontrou nenhum caso de siclemia (Revista Clínica de São Paulo, 34 (4): 85.1958).
Os três trabalhos apontados são apenas uma amostra das cousas sérias tratadas por Luiz Montenegro. Michel Jamra (?), de São Paulo, em estudo de 1970, levantou os parâmetros hematológicos do Brasil e os dados citados em 1º lugar foram exatamente os de Montenegro no Amazonas, publicados sem nenhum alarde, em revista médico-cientifica.
Eu sei o que é ganhar a vida e tentar fazer ciência, nas condições em que Luiz Montenegro trabalhou, premido por horários e compromissos inadiáveis.
Adriano Jorge já está homenageado em um bairro manauense e é o patrono do sanatório de tuberculosos; Araújo Lima e Alfredo da Mata têm seus nomes no Ambulatório e no instituto Central da Faculdade de Medicina. Thomas num asilo, Hermenegildo de Campos e Ribeiro da Cunha, em grupos escolares, Jorge de Moraes já foi nome de rua. Todos com muito merecimento.
É de toda justiça, portanto, consagrar a vida e a obra de Luiz Montenegro num hospital de ensino, ele que terminou a vida ensinando os novos médicos do Amazonas, sobretudo cem o exemplo de sua modéstia, de seu espírito humanitário e de seu saber.

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