O saudoso médico Djalma Batista, de reconhecidos méritos, escreveu o
artigo abaixo, compartilhado do Jornal do Commercio (edição de 28 abril
1974), no qual indicou o nome do médico Luiz Montenegro como patrono do
Hospital de Doenças Tropicais, em fase de instalação. Não obteve pleno sucesso. Em nossos
dias, esta instituição, após evoluir sensivelmente, traz a designação de Fundação de Medicina Tropical "Doutor Heitor Vieira
Dourado", instalada à avenida
Pedro Teixeira, s/n – no bairro Dom Pedro. Contudo, o Auditório deste estabelecimento tem o nome proposto por Djalma Batista.
Indicativo da UBS |
Do indicado resta seu laboratório de exames
clínicos, hoje funcionando a avenida Getúlio Vargas, 658 - Centro. E, ainda mais
recente, a prefeitura de Manaus prestou-lhe singela homenagem, ao nomear o
posto de saúde comunitário de Ubs Dr. Luiz Montenegro (S-09), situada no
elegante bairro de Nossa
Senhora das Graças, à avenida Rio Jutaí, 37.
Proponho ao Governo do Estado que o Hospital de Doenças Tropicais e
Infecciosas, recentemente inaugurado em Manaus, em convênio com a Universidade
do Amazonas, passe a se denominar Hospital Luiz Montenegro.
Morto há apenas 3 anos, Luiz Monteiro, nascido no Amazonas, em 1918, professor
de Microbiologia da Faculdade de Medicina, patologista clínico da Secretaria de
Saúde e dono de laboratório clínico em Manaus, não dava ideia do que sabia e do
que valia.
Acompanhei-lhe a vida discreta do homem de estudo e de trabalho desde a adolescência,
quando nos encontramos no início do curso ginasial, começando uma amizade que nunca
se acabou, nem teve nenhum colapso.
Depois dos grandes médicos da primeira parte deste século no Amazonas – Alfredo
da Mata, Thomas, Araújo Lima, Figueiredo Rodrigues, Adriano Jorge, Jorge de
Moraes, Hermenegildo de Campos, Ribeiro da Cunha – que nem todos alcançamos,
mas de alguns fomos alunos e contemporâneos, depois deles foi Luiz Montenegro
quem deixou nome e renome, assegurados em trabalhos que poucos conhecem. Fora ele,
muito poucos cuidaram da medicina-ciência.
Nunca fez clínica nem muito menos cirurgia. Era apenas o homem de laboratório,
trabalhador, esclarecido e sereno. Para isto se preparou durante o aprendizado médico,
realizado no Rio, e depois no outrora famoso “curso de aplicação” do Instituto
Osvaldo Cruz, em Manguinhos.
Vivemos lado a lado, sucessivamente, no laboratório, no Dispensário
Cardoso Fontes, no Sanatório Adriano Jorge, no Instituto dos Comerciários, no
INPA [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia] e na Faculdade de
Medicina, além de labutarmos na mesma especialidade. Posso prestar, a seu
respeito, um testemunho de 42 anos de convívio constante.
Acompanhei-lhe, muito de perto os passos e as realizações, especialmente no
INPA. E me admiro com as pesquisas que empreendeu, sempre com discrição e
humildade, e que o credenciaram no mundo científico. Escreveu 25 artigos
originais sobre hematologia, bacteriologia, soro-antropologia, genética e assuntos
médico-sociais, artigos publicados em revistas do Rio e S. Paulo, da França, da
Espanha, da Inglaterra e dos Estados Unidos, sempre despertando interesse entre
os entendidos, porque comunicavam uma informação precisa da Amazônia.
Os trabalhos científicos de Luiz Montenegro eram redigidos em linguagem
simples e direta, contendo os objetivos de cada um, as pesquisas realizadas e
as conclusões a que chegava, tudo apoiado em escolhida bibliografia.
Revejo, neste instante, Grupos sanguíneos del sistema ABO y factor D
(Rho) em Manaus, publicado na revista Sangre, da Espanha (n. 5, de 1960).
Fez 1822 determinações do sistema ABO, encontrando 61% do grupo O; 29,42% de A;
8,56% de B e O; 96% de AB. Classificou o fator Rh em 1800 pessoas, sendo
positivo em 92,6%. Comparando os seus resultados com os de 5 cidades
brasileiras, duas de grande influência de imigrantes brancos (São Paulo e Porto
Alegre) e duas onde houve maior contribuição negra (Salvador e Duque de Caxias).
Montenegro, que pôs em confronto também as mesmas pesquisas em habitantes
de Codajás, cidade da margem do Solimões, documentou como hematologista a
contribuição decisiva do índio na nossa população, com o aumento dos pacientes
do grupo O e diminuição dos grupos A e AB, a que mais pertencem os brancos.
Paralelamente examinou 672 amostras de sangue colhidas no interior,
verificando que o índice siclênico, que é apanágio do negro, já se encontra
presente em 4,9% de caboclos e nordestinos e seus descendentes (O Hospital,
Rio, 55 (2) 273, 1959). É importante destacar que os portadores da anomalia siclêmica
são sabidamente resistentes à malária. Em 100 índios puros, da tribo Maués, não
encontrou nenhum caso de siclemia (Revista Clínica de São Paulo, 34 (4):
85.1958).
Os três trabalhos apontados são apenas uma amostra das cousas sérias
tratadas por Luiz Montenegro. Michel Jamra (?), de São Paulo, em estudo de 1970, levantou
os parâmetros hematológicos do Brasil e os dados citados em 1º lugar foram
exatamente os de Montenegro no Amazonas, publicados sem nenhum alarde, em
revista médico-cientifica.
Eu sei o que é ganhar a vida e tentar fazer ciência, nas condições em que
Luiz Montenegro trabalhou, premido por horários e compromissos inadiáveis.
Adriano Jorge já está homenageado em um bairro manauense e é o patrono do
sanatório de tuberculosos; Araújo Lima e Alfredo da Mata têm seus nomes no Ambulatório
e no instituto Central da Faculdade de Medicina. Thomas num asilo, Hermenegildo
de Campos e Ribeiro da Cunha, em grupos escolares, Jorge de Moraes já foi nome
de rua. Todos com muito merecimento.
É de toda justiça, portanto, consagrar a vida e a obra de Luiz Montenegro
num hospital de ensino, ele que terminou a vida ensinando os novos médicos do
Amazonas, sobretudo cem o exemplo de sua modéstia, de seu espírito humanitário
e de seu saber.
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