CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

segunda-feira, abril 28, 2025

PAVILHÃO SÃO JORGE (1951-1976)

 Em 22 de novembro de 1950, o prefeito de Manaus, Chaves Ribeiro, concedeu a José de Brito Pina, cidadão português, uma área de terra situada na então praça Gonçalves Dias (hoje integrante da praça Heliodoro Balbi), destinada à construção de um estabelecimento comercial. Nela, Pina construiu o Pavilhão São Jorge, destinado à venda de café e outros petiscos regionais, que foi inaugurado em maio de 1951.
O sobrenome do proprietário impôs ao comércio o epíteto ainda hoje manifesto: Café do Pina. Era bem frequentado, pois localizado em frente ao Cine Guarany e fronteiriço ao quartel da Polícia Militar e ao Colégio Estadual do Amazonas. Desse modo, conhecia uma variada freguesia diurna e noturna.

Devido a convivência com os membros do Clube da Madrugada foi crismado com outro cognome: República do Pina. Enfim, restou gravada a maneira como “seu” Pina saudava indistintamente os frequentadores: Alô, jovem!

Quando do falecimento do Pina, em agosto de 1982, o saudoso poeta, ator e mestre Farias de Carvalho o homenageou com esta publicação em A Crítica (18 ago.1982).  


Não fui, amado Irmão Pina, não fui ver teu corpo sendo devolvido ao ventre escuro da terra. Faltou-me coragem. Eu, que não acredito na morte; que tenho consciência da nossa condição de simples inquilinos dessa estalagem de engodos a que chamamos de mundo; que estou absolutamente convicto da verdade da vida espiritual, ou, amado irmão Pina, fraquejei. Diante da notícia arrasadora, que a mim me foi dada nas latitudes da tua República, da nossa República, eu me decidi a ir te ver, a ir correndo beijar o teu rosto gelado, as tuas mãos inertes, cruzadas sobre o teu peito como um pássaro de asas recolhidas, subitamente despencadas do azul. Mas não pude, amado irmão Pina. Minha mente recusou-se a aceitar a brutalidade daquela imagem.

Por isso, amado irmão Pina, fechei os olhos molhados, queimados pelo sal do meu pranto e rebusquei, nos desvãos da memória, uma outra imagem tua. Viva. Radiosamente viva, riscando as pautas da brisa com os acordes do teu riso, inventando sinfonias na epiderme da manhã.

ALÔ, JOVEM!

E os homens iam chegando. Dos muitos caminhos da vida, traziam sonhos e mágoas, angústias e ilusões, amarguras e alegrias, fé e decepções. E na República, ancoravam os seus veleiros diversos, para um momento de fuga do velejar tresloucado. Fundeavam na República e no teu riso também. Estudantes, poetas, vagabundos, funcionários, operários, boêmios retardatários, patrões sisudos, donzelas, prostitutas amarelas, meninos desassistidos, engraxates indormidos, paravam todos, irmão, para o banho de amplidão, o banho azul na cascata que nascia em teu sorriso e tinha gosto de paz, e dava aquela vontade de ali ficar ancorado, e não erguer bujarronas, não velejar nunca mais.

Ah! A República! Com a beleza da sua Constituição de três artigos:

ARTIGO PRIMEIRO: A república do Pina é um Estado Imaterial e inconsútil, e existe além do tempo, urdida no coração dos que não esqueceram os fundamentos essenciais do amor.

ARTIGO SEGUNDO: São seus cidadãos todos aqueles que têm a capacidade de transportá-la dentro da alma, para recriá-la numa esquina qualquer da vida, num estilhaço de estrela, num albergue construído de saudade ou numa gota de sol brincando de arabescos na calçada.

ARTIGO TERCEIRO: Fica dito que esta lei não tem calendário para entrar em vigor, pois que em vigor sempre esteve gravada nas tranças de ouro das auroras e no suspiro violeta dos ocasos. 

Essa, amado irmão Pina, a República. Tua, nossa, do eterno. A República, da qual és o Presidente vitalício, agora afastado, para tratar, na embaixada do etéreo, com a diplomacia do afeto, da viagem de cada um de nós, teus concidadãos, aos quais receberás um dia, iluminando a chegada com claridade do teu riso, para o cafezinho do reencontro, na República, a outra, que já começaste a erguer, numa nesga qualquer do céu.

Até lá, meu Irmão. Até lá, Presidente. Alô, Jovem!


Nenhum comentário:

Postar um comentário