CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

domingo, novembro 03, 2019

DOMINGO NUBLADO

Nublado ou coisa parecida. Tanto que após a vitória do Flamengo sobre o Corinthians, e outros razoáveis tropeços, recorri ao saudoso padre-poeta L. Ruas, que me socorreu com esta crônica compartilhada do Jornal do Commercio, veiculada no suplemento da UBE (União Brasileira de Escritores) local, edição de 16 de agosto de 1970.

Recorte do mencionado jornal

Crônica para o amanhã

Tarde está cansada. Há macios cinzentos nas calçadas.

Hoje, talvez, fosse bom navegar em teus mares, ó cálida e vespertina doçura. Hoje, talvez, fôssemos além destes limites de azul.

Pelos ferros contorcidos da claraboia, a luz tenta uma transfiguração dos minutos. Ler a revista, sem pressa. Tragar um cigarro sem emoções. Não mover os olhos. Não molhar os lábios. Não desejar. Apenas aceitar a comunhão suave da tarde cansada.

Cessaram os ritmos violentos que rompem a tranquilidade dos equilíbrios e nos jogam, em rodopios, para o plano momento. Ah! O claro momento!
A luz cai intensa e perpendicularmente sobre a retina e fere o idílio da luminosa comunhão dos seres que se consomem na espera.

O retorno para o que foi. Há sempre retornos nos momentos da tarde, véspera da noite. Amanhã é possível que haja outras partidas.

Vejo-te. Quero-te. Sinto que te fazes presente nos momentos silenciosos do entardecer. Hoje te procuro. Hoje te desejo. Vermelho é rosa do que vivi. É sempre possível olhar no espelho e não ter medo de esperar o amanhã. Se você tomar o vermelho da rosa em suas mãos, ele se transforma silenciosamente em tarde.
Tarde cansada.

Desce em mim tua ternura feita de quietude. Estas folhas que se desprendem sem rumorosos. Agora todos estamos reconciliados. É quietude e sombra este caminhar de leve que se integra em nossa voz que murmura qualquer som.

Agora é preciso esperar a noite.
Agora é preciso desejar o amanhã.

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