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quarta-feira, novembro 06, 2019

CLÓVIS BEVILAQUA


Clóvis Bevilaqua tem seu excelso nome inscrito no Palácio da Justiça do Amazonas, hoje transformado em centro cultural, situado na avenida Eduardo Ribeiro. Foi nosso primeiro templo de aplicação da Justiça. Padre Nonato Pinheiro, excepcional cultor das letras, articulista de O Jornal, escreveu neste periódico em 22 de março de 1959, o texto que aqui compartilho.
Antiga sede do Tribunal de Justiça do Amazonas
que leva o nome de Clóvis Bevilaqua
Não encontrei ainda dados sobre se alguma homenagem foi prestada ao jurista cearense. Hei de alcançar. Sei, por vivência, que dois de seus irmãos viveram em Manaus (Angelino e Clotilde). Formado em agronomia na escola da Universidade de Manaus, Angelino era o patrono do parque agropecuário, todavia, em nossos dias perdeu o privilégio. A irmã foi casada com o farmacêutico Francelino de Araújo, cujo filho Albucassis gerou a Elba, com a qual fui casado. E, nesse período, estive catando dados biográficos sobre a família Bevilaqua.  
Após a leitura, observa-se que neste mês passado, Clóvis Bevilaqua completou 160 anos. 

Recorte de O Jornal, 22 março 1959
Ocorre neste ano o centenário de nascimento do preexcelso jurista Clóvis Bevilaqua, uma das mais soberbas organizações mentais de que se orgulha o Brasil. Nasceu em Viçosa, no Ceará, no dia 4 de outubro de 1859. Formado pela famosa Faculdade de Direito do Recife, verdadeiro alcantil de águias na história da Jurisprudência nacional, tornou-se um dos jurisconsultos mais notáveis e um dos homens de letras mais festejados, deixando o seu nome cravejado de brilhantes no Direito e na Literatura.

A só enunciação do seu nome evoca de pronto a elaboração do projeto do Código Civil Brasileiro, de que foi merecidamente incumbido, mercê da luminosa auréola de jurista consumado, que lhe nimbou a fronte. No curto lapso de seis meses efetuava a ingente tarefa, revista por duas comissões: uma extraparlamentar, chamada dos cinco (Aquino e Castro, Anfilófio, Barradas, Lacerda de Almeida e Bulhões Carvalho, sob a presidência do ministro da Justiça) e outra parlamentar, chamada dos vinte e um, da qual fez parte o desembargador Antônio Gonçalves Pereira de Sá Peixoto. Aceitando a responsabilidade da espinhosa incumbência, não supunha Clóvis Bevilaqua que uma tremenda tempestade iria desencadear-se em torno da redação dos artigos.
O dr. José Joaquim Seabra, presidente da Comissão Especial do Código Civil, cometeu ao dr. Ernesto Carneiro Ribeiro, profundo conhecedor da língua portuguesa, a tarefa de abluir o projeto dos senões de linguagem, talvez existentes. Fê-lo o egrégio gramático em quatro dias e algumas horas, apresentando setenta e sete emendas. A Comissão Especial aprovou por unanimidade a redação do projeto, depois de submetida ao exame do autor dos Serões Gramaticais. Subindo o texto à consideração da Comissão do Senado, ergueu-se o senador Rui Barbosa, que apresentou substancioso Parecer, combatendo a redação em numerosos passos. Estava iniciada a famosa polêmica de linguagem entre os dois insignes baianos, da qual se beneficiaram os estudiosos da língua com os dois estupendos monumentos de vernaculidade: a Réplica e a Tréplica.
Embora se travasse a disputa entre Rui Barbosa e Ernesto Carneiro Ribeiro, é evidente que o autor da primitiva redação, Clóvis Bevilaqua, não podia fugir aos naturais melindres. A sua parte na elaboração do Projeto era notória e intransferível, apesar das emendas que o texto sofreu. (...)

Clóvis Bevilaqua extravasou seus melindres na Revista de Legislação, fascículo de 30 de setembro de 1902. Aproveitando-se de umas declarações sardônicas de José Veríssimo, o eminente jurista rompe o dique das iras mal represadas: “Pelo fundo e pela forma, diz S.S. que o senador Rui Barbosa virá a ser o verdadeiro autor do nosso futuro código civil. Que mais tenho eu com o que se disser a respeito do malsinado Projeto, se a esponja de autoridade tão conspícua já obliterou o que, nesse trabalho, pudesse recordar o meu estéril ainda que bem-intencionado esforço? Nada, sem dúvida".
A verdade é que Rui Barbosa não desfazia da autoridade de Clóvis Bevilaqua. Antes, no Parecer apresentado ao Senado, não se correu de alçá-lo a eminentes alturas: “Entre vários outros colaboradores de alto merecimento, duas culminantes sumidades jurídicas, representando aliás tendências opostas, o Sr. Clóvis Bevilaqua e o Sr. Andrade Figueira, impuseram o cunho do seu saber ao projeto; e, bem que ambos saíssem malcontentes de uma solução, que não podia satisfazer cabalmente a um e outro, força é que de tal cooperação resultassem valiosos frutos”. Tais palavras enaltecedoras foram reproduzidas na Réplica (n° 26). Rui Barbosa, porém, não se conformava com a audácia de Bevilaqua, amanhando “em seis meses o que Teixeira de Freitas não pudera acabar em sete anos” (Réplica, n. 19).

Como quer que seja, apesar de ter sido Rui Barbosa o principal redator do nosso Código Civil, a verdade inofuscável, como o mesmo Rui declarou, é que foi Bevilaqua quem delineou a traça, cavou os alicerces, erigiu até o fastígio a estrutura, e construiu de cabo a cabo a grande edificação, sem embargo de supor “obliterado” o seu esforço. E é por isso que merece Clóvis Bevilaqua a homenagem comovida do país, que neste ano de 1959 acenderá uma lâmpada votiva à memória do supereminente jurisconsulto cearense, que deixou de sua passagem vestígios cintilantes e inapagáveis.
Primoroso homem de letras, Clóvis Bevilaqua também se dava ao culto da literatura. Sócio fundador da Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a cadeira de Franklin Távora, imprimiu na mais alta instituição da cultura nacional e das letras pátrias a marca refulgente da sua inteligência, privilegiada de sóis. Ali recebeu Pedro Lessa, tendo proferido soberbo discurso, de que Humberto de Campos nos deu primorosa amostra em sua Antologia da Academia Brasileira de Letras. Ainda nesse discurso fascinante se revelou o cultor apaixonado do Direito, de que nos legou este singelo e belo conceito: “A sociedade não pode viver sem o equilíbrio dos elementos que a compõem. Para manter esse equilíbrio, foi criado o Direito; e o ideal deste é estabelecê-lo, sem prejudicar o desenvolvimento íntegro e harmônico das energias sociais.”

Entre as obras do imortal jurista brasileiro, citam-se: Vigílias Literárias, Estudos de Direito e Economia Política, Frases e Fantasias, Épocas e Individualidades, Direito das Obrigações, Criminologia e Direito, Lições de Legislação Comparada, Direito da Família, Teoria Geral do Direito Civil, Direito Internacional Privado, Juristas Filósofos, e muitas outras. Particular relevo alcançou o seu magistral comentário do Código Civil.
Por feliz coincidência, enquanto a nação celebra o centenário de nascimento de Clóvis Bevilaqua, o Amazonas festeja o cinquentenário de fundação de sua Faculdade de Direito. E aqui aproveito a oportunidade para sugerir ao meu dileto confrade Dr. Aderson de Menezes, opulenta cerebração de jurista e homem de letras, que ilumina a um tempo a Academia e a Faculdade com os revérberos do seu talento, que faça consistir no dia 4 de outubro, data centenária do nascimento de Clóvis Bevilaqua, o ponto alto, a culminância das comemorações cinquentenárias da nossa Faculdade, com a colaboração, que alvitro, da Academia Amazonense de Letras, uma vez que a celebração do centenário obrigatoriamente recai sobre as duas casas. Ambas as instituições realizariam solene assentada jurídico-acadêmica, num dos respectivos salões, ou mesmo no Teatro Amazonas, com o apoio e o prestígio dos poderes constituídos, mormente do Tribunal de Justiça, em cujo templo Clóvis Bevilaqua representa uma divindade.

Sinto-me feliz em ter sido, entre nós, o arauto do centenário, servindo-me deste brilhante matutino, como de um clarim de ouro, para anunciar aos novos a aproximação da auspiciosa festa centenária de um dos vultos mais insignes da Pátria, pontífice da cultura nacional, que turificou as aras do Direito e da Justiça!

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