CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

terça-feira, setembro 23, 2014

SUPLEMENTO LITERÁRIO (2)



Do padre Nonato Pinheiro, que vai completar vinte anos de falecido em dezembro próximo, recolhi do Suplemento Literário Amazonas (nº 2, dez.. 1986) este trabalho sobre Nunes Pereira. Foram dois imortais de nossa Academia Amazonense de Letras. 

É conhecida a secura ou aridez dos cientistas na composição de suas obras, posição até certo ponto compreensível e legítima, já que a ciência é, de sua natureza, austera e objetiva, dispensando os recamos e as louçanias da literatura, da eloquência e das artes, em geral. A literatura é a arte literária, e o artista preocupa-se com o sentido e a plenitude da beleza. Dele diremos o que disse lindamente a Escritura Santa daqueles Varões Insignes, que viveram com a volúpia da beleza: Pulchritudinis studium habentes! (Livro do Eclesiástico).

O homem de letras, a não ser que se trate de um borra-tintas ou um tamanqueiro, esmera-se em suas produções, chegando alguns ao requinte (que não exige) de transformarem suas páginas em obras de arte, esculturas marmóreas, vasos alabastrinos, cromos, cinzeladuras, vitrais, cornucópias e arranjos de rosas, acanto e louro!

O mundo da ciência não conhece ornatos e arabescos, nem se engalana de púrpuras e damascos, mas investiga com frieza a fosforescência do vagalume e a fissura do átomo!

A verdade nua e limpa é que Nunes Pereira, antes de ser o cientista qualificado nos domínios da antropologia cultural, da flora, fauna, potamografia, limnologia, climatologia, bromatologia e mitologia da Amazônia, já se notabilizara como primoroso homem de letras, inspirado poeta simbolista, que muito de indústria escolheu para seu patrono na Academia Amazonense de Letras, da qual foi um dos fundadores, o autor incomparável dos Faróis e dos Broquéis, o glorioso negro de imaginação de ouro, Cruz e Sousa!

Devo à minha pachorra e volúpia no trato da pesquisa o conhecimento que tenho da obra literária de Nunes Pereira. Passei muitas horas nos porões do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, do qual sou membro efetivo e benemérito, a consultar as coleções dos antigos jornais de Manaus. Encontrei sonetos lapidares do autor de Moronguetá e de Panorama da Alimentação Indígena, poemas verdadeiramente antológicos, de sonoridade verlainiana!

Os caminhos da vida ou a própria imposição da sobrevivência deram-lhe outra orientação intelectual, com incursões pela ciência. Como quer que seja, quem o ler, mesmo de inopino, logo percebe o cientista lírico, cuja formação literária suaviza e aveluda suas elucubrações científicas! Enganam-se pois, os que supuserem que o cientista asfixiou e extinguiu o primoroso homem de letras, como na imagem do apuizeiro das florestas amazônicas, estrangulador de espécies vegetais...
A obra literária de Nunes Pereira pede meças à obra científica, só que a primeira azula nos longes de sua mocidade, mas persiste, árdega e garrida, nos jornais e revistas do passado, na Revista da Academia Amazonense de Letras e nas conferências literárias que proferiu, assim no Amazonas como alhures. Recordo-me de uma palestra magistral que pronunciou na sede de nossa Acrópole literária sobre as grandes figuras que a enramaram de louros e mirtos. Ao império de sua admirável evocação, aqueles vultos olímpicos ressuscitaram, retornando redivivos ao recinto azul da academia, revestidos de clâmides refulgurantes, sob os olhares atônitos do presidente Péricles Moraes e de seus confrades, cabendo-me a honra e o júbilo de encontrar-me entre eles!
Nunes Pereira correspondia-se com o famoso antropólogo Claude-Lévi Strauss, o celebrado mestre de Triste- Tropiques; La Pensée Sauvage; Le cru et le cuit e Du miel aux cendres, que o tinha no mais alto conceito científico. Revistas especializadas em antropologia cultural e tribos indígenas brasileiras disputavam a publicação de seus trabalhos, tal o recorte científico que os distinguia! 
E que dizer do boêmio?! Sua vida boêmia não o impediu de atingir a mais provecta senectude, acentuadamente luminosa, conservando até ao ocaso de sua longa existência, referto de ouro e matizes policromos, como o crepúsculo do sol, a força extraordinária de sua portentosa mentalidade! E suas rodas escocesas eram verdadeiros triclínios de letras e saraus de cultura, sempre cercado de intelectuais! 

Eu sugiro a meus ilustres Pares da Academia que a cadeira que o grande maranhense ocupou, passe a crismar-se com o nome de NUNES PEREIRA, e que seja dado o seu nome, pela Prefeitura Municipal, a uma rua ou logradouro público de nossa capital, pelo muito que o nosso Amazonas lhe ficou a dever, assim nas ciências como nas letras!  

Parodiando um lúcido espírito francês, proclamo, entoando a antífona de minha admiração fervorosa, após incensar com redolências seu túmulo em flor:

“Uma águia gigante sobrevoou nosso espaço...”

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