CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quarta-feira, setembro 17, 2014

ENERGIA ELÉTRICA



Na metade do século passado, Manaus sofria com a falta de energia elétrica, depois de ter sido a segunda cidade do país a desfrutar desse benefício. Acabara toda a pompa da belle époque e o pequeno reforço econômico prestado durante a 2ª Guerra.
Somente os “amigos do rei”, no entanto, desfrutavam de um privilégio, o de ter energia fornecida pelo Cabo C. Simplesmente o desvio da eletricidade produzida pela geradora do Porto de Manaus, ainda uma relíquia dos ingleses.
Arlindo Porto, então jornalista atuante, escreveu a crônica abaixo, transcrita de O Jornal, de 6 de dezembro de 1955.


CABO C...

Arlindo Porto

Na falta de lenha, as fornalhas dos Serviços Elétricos do Estado estão devorando cavaco de pau-rosa. Resultado: energia cheirosa, mas em compensação anêmica, racionada, moribunda a botar fosforescências de pirilampo em férias, no bojozinho de lâmpadas 60 por 60...
Os chefes de oficinas, nos jornais, já estão na maioria carecas, de tanto arrancar cabelos da cabeça. De pura raiva. As máquinas param, o chumbo esfria, a "bucha" demora, o jornal atrasa. Já nem o Cabo-C, o cabinho milagroso que põe voz nos rádios e eletrolas e que dá frio pra dentro das geladeiras, escapa.
De vez em quando dá suas sumidinhas, enchendo de horror aos seus felizes proprietários, tão pouco afeitos as trevas perenes que já se tornaram companhia noturna constante, dos moradores dos bairros, dos que berravam "já ganhou" até a rouquidão e que voltavam pra casa, depois dos comícios, suados, mas vitoriosos. 

De ventas irritadas com o fedor das velas (há coisinha melhor pra dar a sensação de um defunto dentro de casa?), resolvi adquirir o meu Serviçozinho Elétrico particular e ato continuo procedi uma coleta de preços, na praça, disposto como estava a comprar um "Wilson Sons", destes movidos a querosene. Ganhou a concorrência a Central de Ferragens, onde a simpatia do Alfredo Soares, na hora do pagamento, ainda suavizou o abatimento. A compra saiu por 50 mil-réis, redondos.

Olhando para o exemplo do meu congênere maior, o lá do Plano Inclinado, que está asmático, dizem, em consequência da falta de uma peça sobressalente que somente pode vir da Inglaterra e como não desejasse, por meu turno, ficar sujeito às chatices das quantas Sumoc, Cacex, GEMIAS, LADROEX, FURTOC e RAPINIMS que existem por este cabralino e carnavalesco país, em caso de me ver, futuramente, em igualdade de condições, adquiri, logo, e a aquisição ficou na conta de presente da Central, mais um pavio e mais uma manga, novinha em folha, a última até com um flosô na beira, lembrando aqueles antigos candeeirões lusitanos que a vovó espetava no meio da sala de jantar, para presidir os serões noturnos, no tempo em que a luz da Manaus Tramueis era um luxo para os "de posse". Estou armadíssimo, pois, para os blecautis decretados pelo xavaníssimo (sic) casarão da Praça Oswaldo Cruz. 

A escuridão, essa inimiga feroz da claridade, essa motogeradora de caçuás de nomes feios, sempre que uma canela desavisada entra em beligerância súbita com uma quina da cadeira, está derrotada lá no barraco. Tão logo o sol se deita na cama do horizonte, para o seu repouso noturno e a treva chega, pimponando festões de negrume por todos os lados, a chave da luz é posta em teste: não há energia.
Não há porque desesperar. É cuidar de fazer funcionar o "Wilson Sons" manual, que ali já está, sorridente e lambeia, de mangas limpinhas e pavio acertado, pronto para a trabalheira iluminativa de noitada que mais e mais se acentua. Um riscar de fósforo, um aproximar da fitinha branca que vem lá da barriguinha do bicho, bebinho do querosene Jacaré, do melhor, e pronto!

Eis-nos com luz sem variações, sem trocamentos de lâmpadas, sem incômodos de ligamentos e desligamentos, sem impropérios, sem vaso de desaparecer de um momento para o outro, com o advento muito natural de pragas, imprecações e quejandos, sem nada disso que se vê, quando se depende, única e exclusivamente, da “empambada” e rogadíssima energia dos S.E.E (Serviços de Eletricidade do Estado). Às vezes, Cesar para ter o que é de Cesar, tem de procurar...
Não há dúvidas: também agora estou com o Cabo-C (candeeiro)...

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